Ter um mercadinho no bairro é a certeza de que nenhuma receita precisará ser deixada pela metade na falta de algum item essencial. O sucesso desse modelo – cuja vocação é atender às necessidades mais imediatas e de reposição – aparece claramente retratado na pesquisa Tendências do consumidor em supermercados, divulgada pela APAS neste ano. O estudo constata que 22% dos entrevistados preferem o mercadinho de bairro e/ou vizinhança para realizar as compras do dia a dia. E, representa, também, o queridinho dos shoppers para o consumo de emergência, sendo citado por nada menos que 50% dos entrevistados no levantamento.
O presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, lembra que os hábitos dos brasileiros passaram por grande transformação a partir do Plano Real, quando a compra de abastecimento para o mês, com tíquete alto e muitos itens, começou a se mostrar desnecessária. “O tíquete caiu, a frequência de compra aumentou e o minimercado surgiu como forte tendência”, explica o especialista.
Dados do Sebrae-SP indicam que o número de estabelecimentos intitulados mercadinhos de bairro teve elevação de 62% em quatro anos – de 2014 para 2018, passando de 13,9 mil para 22,6 mil. Só na capital paulista, há 5,2 mil minimercados. Outra aná- lise do Sebrae, desenvolvida em âmbito nacional, chamada de Minimercados no Brasil, confirmou que o setor é o segundo maior do país em número de pequenos negócios, respondendo por, aproximadamente, 415 mil estabelecimentos. Além disso, já registra 6% do PIB brasileiro e concentra 35% das vendas do setor supermercadista.
Tendência que veio para ficar
O sucesso do formato fez com que saísse da informalidade a fim de cair no radar das grandes redes. “Ficou notório que aquele era um modelo interessante de negócio, que despertou a atenção das grandes redes a investir em versões menores dos hipermercados”, avalia Terra.
De acordo com o presidente da SBVC, o varejo regional é forte, mantém média de compra frequente, fora o fato de receber fluxo contínuo. Tudo isso permitiu que cada vez mais redes mirassem a abertura e a expansão das lojas nesse formato, com o objetivo de fidelizar o shopper, atendendo-o em diferentes momentos de compra. Afinal, o mesmo consumidor que precisa resolver rapidamente o jantar e passa no minimercado pela praticidade, no final de sema- na, pode querer preparar um churrasco elaborado – nessa ocasião, especial e planejada, procurar um hipermercado, que ofereça mais opções e melhores preços, poderá ser considerada possibilidade mais atraente. “Cada formato entrega uma necessidade e o minimercado consegue suprir aquela vontade momentânea. Dificilmente, alguém vai se deslocar até um hipermercado para comprar um ou dois itens”, afirma a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Patricia Cotti.
Os hábitos dos brasileiros mudaram e, em razão do novo contexto da economia, a compra de mês, com alto tíquete e muitos itens, caiu em desuso
É, portanto, fundamental que o mercadinho de bairro esteja a um raio de, no máximo, cinco quarteirões do shopper, dispensando transpor te e estacionamento. Trânsito, custo e segurança são circunstâncias que pesam, consideravelmente, para quem vive a correria das grandes cidades.
O desafio do sortimento
Embora esse seja um modelo de negócios com bastante potencial, também apresenta desafios a quem o administra. O sortimento figura como um dos mais importantes. Com vistas a escolher o que colocar na gôndola, é imprescindível identificar o perfil dos compradores do bairro. De maneira geral, quem pode pagar e quer um atendimento melhor vai ao minimercado; quem busca preço segue para o hiper. Por isso, investir em produtos premium pode ser uma boa alternativa no sentido de atrair um público mais seletivo. Além disso, o hortifrúti costuma ser um bom chamariz para o shopper, que prefere alimentos frescos e que têm de ser adquiridos com intervalo de tempo bem menor.
A disputa pela atenção do consumidor existe e é comum aos negócios de todos os portes. O desafio é proporcionar a melhor experiência de compra
“É preciso elevar o nível de serviço e investir em uma diferenciação, sem ter de apostar em um amplo mix. O mais importante é encontrar os itens que realmente atendam à necessidade do perfil de consumidor que frequenta o local”, afirma o professor, mestre em Administração pelo Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead-UFRJ), Leonardo Marques.
O primordial é lembrar de que o grande desafio ainda é atrair o shopper para os canais de vendas, sejam os físicos ou os digitais. A disputa pela atenção do consumidor existe tanto no pequeno negócio quanto nos grandes. O segredo está em ser capaz de proporcionar a melhor experiência. “A qualidade do conteúdo tem se tornado mais relevante que a marca estampada na embalagem, abrindo espaço, nas prateleiras, para produtores regionais e indústrias menores, um ótimo aliado da diferenciação”, considera o CEO da Hiper, empresa que desenvolve soluções nas áreas de gestão e vendas para o varejo, Thiago Vailati.
Outra proposta é focar na conveniência. Segundo Marques, os minimercados devem investir na oferta de lanches rápidos que possam ser consumidos na hora, e, ainda, em produtos que vão compor a cesta de compras destinada à casa. “Ter um café oferecendo opções rápidas e diferenciadas, saladas e frutas limpas e prontas para consumo, linhas de orgânicos, veganos ou sem glúten, são possibilidades interessantes para manter o negócio em alta”, avalia.
O atendimento deve ser, do mesmo modo, um ponto de atenção. É indispensável in- vestir em profissionais qualificados para uma abordagem mais consultiva e mantê-los continuamente treinados para, realmente, serem capazes de tornar a compra do cliente muito mais rápida e prazerosa, diminuindo a distância entre o shopper e o melhor produto para o perfil ou a necessidade que ele apresenta naquele momento.
Também é essencial que o minimercado se mantenha, minimamente, competitivo. Para isso, além de dispor de produtos certos e um bom atendimento, é fundamental investir em tecnologia. “É um desafio, mas qualquer varejo precisa ter um sistema efetivo para controle de vendas e estoque. Quem não pode desenvolver ou adquirir soluções inteligentes pode alugar softwares adequados para a necessidade do negócio”, sugere Terra.
Uma das primeiras preocupações deve ser uma gestão eficiente. E, para isso, além de conhecimento técnico em administração, é essencial contar com a tecnologia. Um bom sistema de gestão disponibiliza ferramentas sob medida para o porte de cada negócio, apoiando o supermercadista na gestão de vendas, no estoque e nas finanças.
“Os empreendedores devem buscar sistemas de gestão mais simples, feitos para a rotina do pequeno negócio, que apoiem no atendimento à legislação e que tragam mais agilidade para o atendimento aos consumidores”, confirma o CEO da Hiper, Vailati.
GPA INVESTE EM LOJAS DE PROXIMIDADE
• COM A BANDEIRA EXTRA FÁCIL, lançada em 2008, o GPA começou a investir nas lojas de proximidade no Brasil – unidades menores dedicadas à demanda do bairro, com um mix de produtos adaptado e selecionado para atender às necessidades mais imediatas e de reposição. Em 2017, a bandeira passou a ser reconhecida como Mini Extra e, em 2014, o GPA reforçou a aposta no formato lançando o Minuto Pão de Açúcar.
“Um mesmo cliente frequenta diferentes formatos e o GPA busca atender os clientes em seus vários momentos de compra, oferecendo o melhor em cada um deles”, explica o diretor executivo dos formatos de proximidade do GPA, Frederic Garcia. Somente na cidade de São Paulo, há 108 lojas Mini Extra e 57 unidades do Minuto Pão de Açúcar. O diretor diz que, dentro do projeto de melhoria contínua, a rede decidiu aprimorar a oferta de bebidas geladas, snacks, laticínios e itens usados no preparo de lanches rápidos, como pães e frios. Ele reforça a importância de se oferecer um sortimento cada vez mais alinhado ao que o shopper quer, podendo mudar de acordo com a região da cidade. No caso do GPA, as duas bandeiras de proximidade refletem o conceito da marca mãe (Extra ou Pão de Açúcar). “Investimos em tecnologia e inovação, alinhadas ao perfil multicanal e digital de nossos clientes”, diz Garcia. Mesmo em um espaço de vendas enxuto, com até 300 metros quadrados, as lojas de proximidade garantem um sortimento de, aproximadamente, 3.500 itens, variando conforme os gostos e os hábitos de compra dos clientes. “Uma loja de proximidade funciona como a despensa da casa, auxiliando em compras rápidas, de reposição ou emergenciais, sempre com bom atendimento e prestação de serviço”, finaliza.
PROGRESSO OFERECE BONS PREÇOS E PRATICIDADE
INAUGURADO HÁ 22 ANOS, o minimercado Progresso acompanhou a evolução do segmento. Com três unidades na zona Sul da capital paulista, em regiões mais periféricas, percebe que qualidade e bom preço são indispensáveis com vistas a conquistar o consumidor. “É um mito afirmar que os minimercados têm preços mais elevados; é difícil concorrer com as grandes redes em comparação com os itens considerados cesta básica, ainda assim, procuramos manter valores competitivos”, comenta o sócio proprietário, Carlos Eduardo Gomes Ferreira.
Ele afirma que, na rede, os clientes buscam itens básicos, ou seja, arroz, feijão, macarrão, molhos, pães, leite e refrigerante para a reposição e a compra de emergência. Ferreira confirma que, nos últimos anos, o hábito do consumidor mudou, e, aquela compra do mês vem deixando de existir. Nesse contexto, o minimercado se tornou sinônimo de praticidade, pois o shopper sai do trabalho, passa na loja e já leva o que precisa para casa, sem ter de carregar tanto peso.
“O atendimento precisa ser bom e rápido, isso fideliza. Aqui, conhecemos 90% dos clientes pelo nome e posso afirmar que mini- mercado não é um modismo, mas uma forte tendência. Ajudamos o consumidor, que vive um dia a dia corrido, trabalha longe de casa e, quando chega, quer resolver tudo logo”, avalia Ferreira.
Para o sócio, ficar atento aos produtos com maior saída é importante para não decepcionar o consumidor. Mas buscar novidades para agradá-lo, também deve ser uma meta. “Estou sempre na loja para conversar com o cliente e entender o que ele precisa: esse atendimento mais próximo só favorece o nosso trabalho”, finaliza.
COMPETITIVIDADE EM PAUTA
Conforme o consultor do Sebrae-SP, José Eduardo Carrilho, para investir no formato de minimercado é essencial ser competitivo: “Ser competitivo significa entender que um minimercado não vende apenas produtos, vende, também, serviços e satisfação”. A seguir, ele apresenta outras informações pertinentes a quem deseja prosperar com esse modelo de negócios.
SV: Como conquistar e fidelizar o público?
José Eduardo Carrilho: Observe e pesquise os hábitos dos clientes, pois o sortimento deve atender a essas necessidades. Ao ouvir o cliente, o empresário pode evitar armadilhas com produtos de pouco giro.
SV: Como investir em produtos premium sem comprometer o faturamento?
JEC: Parta do princípio de que todo cliente é exigente, o que varia é apenas o nível dessa exigência. Produtos premium costumam ter preços mais elevados, portanto, exigem público que possa e aceite pagar por isso. Os itens devem ser adaptados aos hábitos de consumo dos seus clientes, e essa pesquisa pode ser feita investindo em um número menor, observando sua saída. Depois, dependendo do resultado, pode-se ampliar a quantidade gradativamente.
SV: Por que, cada vez mais, o shopper opta pelos mercados de bairro?
JEC: O tripé proximidade/mix de produtos customizados/atendimento personalizado, mais afeito ao mercado de bairro, costuma seduzir clientes, compensando uma possível desvantagem como horário de funcionamento de grandes redes e promoções.
SV: Qual é a principal orientação para quem deseja prosperar no negócio?
JEC: É preciso gostar de pessoas. O principal diferencial, foco central de atenção, deve ser o atendimento: eficiente, profissional e customizado. Outra dica importante é manter um controle de estoque eficaz e eficiente: ao comercializar um número muito grande de itens, relaxar nesse quesito pode levar a um alto índice de perdas.
VERDIM APOSTA EM HORTIFRÚTI E ITENS SEGMENTADOS
• O MINIMERCADO VERDIM – HORTIFRÚTI CONTA com três unidades na capital paulista, nos bairros Granja Julieta, Limão e Sumarezinho. Até o final deste ano, duas novas lojas serão inauguradas, no Jardim Bonfiglioli e em Atibaia. De acordo com o sócio proprietário, Renato Almeida dos Santos, cada loja tem seu diferencial, para agradar ao perfil de quem a frequenta.
Na Granja Julieta e no Limão, a seção de hortifrúti deve estar sempre bem abastecida, com produtos frescos, pois é a categoria que mais vende. A unidade dispõe de frutas, saladas, legumes, itens para sopa ou para fondue, já cortados, higienizados e embalados, prontos para o consumo. “As frutas já cortadas para fondue acabam elevando as vendas de queijos e chocolate, uma sugestão de consumo acaba incentivando a procura por outros itens”, declara Santos. Já na unidade do Sumarezinho, as linhas vegana, orgânica, sem glúten ou zero lactose, e, também, das bebidas, registram forte procura. Santos relata que procura ouvir muito o seu público, para apostar nos produtos desejados. “O espaço é restrito, portanto, o estoque precisa ser pequeno. Tenho um app para gerenciar os itens da loja, acompanhar as vendas e evitar ruptura”, acrescenta.
No tocante às novidades, o investimento começa cauteloso, sempre com poucos itens, para avaliar a receptividade do público. As unidades já realizam entrega em domicílio, mas, os pedidos chegam pelo WhatsApp. “O E-commerce está em teste e deve ser lançado ainda em setembro, pois na loja da Granja Julieta, por exemplo, realizamos cerca de 30 entregas/dia, o que representa, em média, 30% do faturamento. E, esse número pode ser ainda maior”, afirma a sócia proprietária do Verdim, Claudia Correa Ferreira.
Para os sócios, o essencial é estar presente no chão de loja e ouvir o que o consumidor tem a dizer. “Temos clientes assíduos e procuramos atender às demandas deles, sempre. Se é algo que ainda não temos, já providenciamos, logo, para que ele não busque em outro local”, revela Santos. A estratégia vem dando certo; a unidade do Sumarezinho, por exemplo, apresentou faturamento acima da média inicial prevista, alcançando incremento de 55% nas vendas.
Fonte: SuperVarejo