Na sexta-feira 14, o empresário Michael Klein acompanhou de uma sala da corretora XP Investimentos, em São Paulo, o leilão de ações da Via Varejo. Uma das famosas máximas do seu pai, Samuel Klein (1923-2015), fundador das Casas Bahia, era: “o segredo é comprar bem comprado e vender bem vendido”. Parecia que o filho buscava seguir à risca o conselho do patriarca.
Na ocasião, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) venderia todas as 36,2% das ações que possuía da Via Varejo, que combina as operações das redes Ponto Frio e Casas Bahia. Assessorado pela equipe da corretora ligada ao banco Itaú, Michael estava disposto a pagar entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões para garantir que se tornaria o maior acionista da empresa. Nem sequer foi necessário desembolsar tanto.
Com cerca de R$ 100 milhões, o empresário aumentou a sua participação de 25,4% para 27%. Nos próximos dias, ele pretende continuar a comprar ações para alcançar uma fatia próxima a 30%. Como pessoa física, Michael Klein ampliou a sua própria participação de 9,28% para 11,04%. Na engenharia financeira montada para concretizar o negócio, ele conseguiu que diversos fundos de investimentos fizessem ofertas pela Via Varejo. Squadra, Kapitalo, Truxt e JGP assumiram o restante dos papeis num total de R$ 2,2 bilhões. O próprio XP Asset, da XP Investimentos, assumiu 6,5% da empresa. O interesse dos investidores era tamanho que nem todo mundo conseguiu comprar todas as ações que desejava. A demanda chegou, em certo momento, a atingir R$ 3,7 bilhões em ofertas, volume muito acima do que o GPA tinha a oferecer. Com o sucesso da transação, duas das sagas corporativas mais complexas da década chegavam ao fim.
A primeira teve início em novembro de 2016, quando o grupo francês Casino — dono do GPA desde 2012 — declarou oficialmente que estava em busca de um comprador para seu braço de eletroeletrônicos. A meta era se concentrar no negócio principal, o varejo alimentar, e se livrar da problemática operação que envolvia a Casas Bahia, o Ponto Frio e o e-commerce CNova. Vários varejistas foram citados como potenciais compradores: a brasileira Lojas Americanas, a chinesa Alibaba, a americana Amazon, a chilena Falabella, a sul-africana Steinhoff e a sul-coreana Samsung. Até os poderosos fundos de private equity americanos Advent e Carlyle foram citados. Mas as negociações não evoluíram e só quem continuou mantendo o interesse na compra foi Michael Klein.
A segunda saga que se encerra envolve a família Klein, fundadora das Casas Bahia. A rede foi criada a partir de uma loja em São Caetano, na Grande São Paulo, inaugurada em 1957 pelo judeu polonês Samuel Klein. Sobrevivente do campo de concentração de Maidanek, ele se mudou para Munique no pós-guerra, onde nasceu Michael. Depois de uma passagem pela Bolívia, chegou ao Brasil em 1952. Aqui, com US$ 6 mil, comprou uma casa, uma charrete, uma carteira de 200 clientes e algumas mercadorias. Começou a vender artigos de cama, mesa e banho de porta em porta. Klein vendia a crédito e, quando abriu a primeira loja, prosseguiu nessa estratégia, tornando-se um pioneiro do comércio popular no Brasil. Vendia em grande escala com financiamento facilitado para as classes C e D.
HOMENAGEM À FREGUESIA O empresário dizia que o pobre brasileiro tinha mais vergonha de dar calote do que os ricos. Ele escolheu o nome “Casas Bahia” para se conectar com os migrantes nordestinos, a maioria dos seus clientes. As operações financeiras eram saudáveis e os pagamentos das prestações por meio de carnês faziam os clientes voltarem às lojas. Os vendedores então eram treinados a “vender bem vendido”. Outro segredo do sucesso eram as boas negociações com os fornecedores (“comprar bem comprado”). Algo que Michael Klein conseguiu agora ao assumir a Via Varejo. “Os analistas brincam que a verdadeira ‘Máquina de Vendas’ sempre foram os Klein”, diz Andres Estevez, analista do banco Brasil Plural. “Eles compravam muito bem.”
Nos últimos anos, o corpo executivo da Via Varejo estava focado em deixar a empresa pronta para uma venda. “Agora,o objetivo deve ser a perpetuidade dos negócios, com um melhor relacionamento e maior poder de barganha com os fornecedores”, afirma Estevez. Apesar de os Klein nunca deixarem de ter ações e posições no conselho de administração da empresa, a família não tinha o direito de falar por último na hora de uma decisão estratégica.
Há dez anos, a família Klein vendeu o controle das Casas Bahia para Abilio Diniz , então dono do GPA, que já havia comprado o Ponto Frio. O objetivo era perpetuar o negócio criado por Samuel e manter uma participação relevante na empresa resultante da fusão. Em dezembro de 2009, Michael assinou, com o aval do pai, o contrato de venda que deu origem à Via Varejo. Dois anos depois, os Klein já demonstravam arrependimento.
Samuel alegava que o Ponto Frio tinha sido sobrevalorizado e as Casas Bahia, rede avaliada em R$ 2 bilhões, havia saído barata demais. Para justificar sua posição, ele usava um relatório da auditoria KPMG. Também demonstrava descontentamento com os constantes questionamentos às decisões do neto Raphael Klein, então presidente da companhia. Raphael acabou saindo da empresa em 2012. Samuel ameaçou desfazer o negócio e levar o caso a uma câmara de arbitragem. Abilio Diniz voltou à mesa de negociação. Os Klein queriam comprar a empresa de volta. A solução encontrada para o impasse foi a aquisição de mais ações do GPA por um valor melhor.
A família, porém, retorna ao comundo em um mundo completamente diferente do que eles conheciam. Desde 2015, a Via Varejo sofre quedas consideráveis de receita. Em 2018, o faturamento bruto foi de R$ 30,6 bilhões, com um prejuízo de R$ 267 milhões. Quando a empresa foi formada em 2009, eram 1.582 lojas. Hoje, as Casas Bahia têm 819 lojas e a Ponto Frio, 225. Há ainda uma loja de móveis Bartira, que pertencia às Casas Bahia. A Via Varejo possui também uma controvertida operação de comércio eletrônico, que inclui a bandeira Extra (as lojas físicas permanecem com o GPA).
Responsável por 21,5% do faturamento da companhia, a venda pela internet deveria ser a mais avançada do país. Na década passada, Michael Klein era considerado um dos empresários mais preparados do setor para investir em sistemas tecnológicos. No entanto, depois que o Casino tomou o comando, a Via Varejo sofreu sucessivas mudanças de direcionamento no e-commerce. Primeiro a empresa CNova, trazida ao Brasil pelo grupo europeu, assumiu todas as vendas digitais e passou a competir com as lojas físicas da empresa. Eram duas estruturas separadas de vendas, logística e centros de distribuição. Enquanto o Casino tentava reintegrar as operações, a rival Magazine Luiza, comandada pelo herdeiro Frederico Trajano, assumia a posição de líder do e-commerce varejista. Foi ela quem introduziu no Brasil o conceito de omnichannel, com vendas feitas e retiradas em qualquer canal da empresa. “A empresa é grande e complexa e vai levar um tempo para tirar esse atraso digital”, afirma Alberto Serrentino, consultor especializado em varejo da Varese Retail.
Além do desafio de integração dos canais e da estrutura – algo que deve levar mais de um ano –, a empresa também precisa estar pronta para vender pelo celular. “Será um desafio se inserir no paradigma de consumo de hoje”, diz Estevez, analista do Brasil Plural. “Antigamente, o diferencial era o bom vendedor, hoje toda a população tem acesso às promoções por meio do celular.”
ESTABILIDADE O plano estratégico da empresa, aprovado pelo conselho de administração em fevereiro de 2018, já contou com a contribuição de Michael Klein. Ele, portanto, conhece os objetivos e desafios. A preocupação deve ser, especialmente, a “eliminação da instabilidade operacional nas vendas on-line sofrida nos últimos trimestres, a integração das plataformas online e offline no final deste mês e o desenvolvimento de análise de dados para melhorar, por exemplo, a eficiência de descontos”, defende em relatório, a analista Geórgia Jorge, do Banco do Brasil.
O período de grandes instabilidades, porém, parece ter ficado para trás. “A empresa passou por muitos traumas de mudanças culturais, societárias e de liderança”, diz Alberto Serrentino. “Havia a cultura muito forte das Casas Bahia. Depois veio a do Pão de Açúcar, da gestão Abilio. Depois, uma nova ruptura com a entrada do Casino. O quarto choque cultural foi a chegada da CNova. Sucessivas mudanças nunca são boas para o negócio.”
Agora, de volta às mãos da família fundadora, a tão desejada estabilidade parece mais provável. Restará à Michael Klein provar que, mesmo sem contar mais com o tino comercial e os conselhos de Samuel, ele representa o melhor da tradição comercial da família. Uma outra máxima do patriarca pode ajudar nesse caminho: “Ontem foi ontem, já passou. Hoje é hoje e é o que nos importa. Amanhã, o futuro, a Deus pertence.”
Voos ainda mais altos
Durante a última década, na qual permaneceu fora do bloco de controle das Casas Bahia, o empresário Michael Klein não ficou distante dos negócios. Com a bolada que levou com a troca de ações que criou a Via Varejo, ele ampliou outros negócios da família. Formatado por Michael para combinar numa só holding todas as propriedades imobiliárias, o Grupo CB se expandiu também para o ramo da aviação executiva. A ponto de atingir um faturamento de R$ 703 milhões, no ano passado.
O grupo é formado pela Icon Realty, o negócio imobiliário, a Icon Aviation e a CB Automotive, dona de duas concessionárias Land Rover em São Paulo e uma da Mercedes-Benz, em Jundiaí. O negócio mais ousado é, certamente, a Icon Aviation. Inspirada na NetJets, do multibilionário investidor americano Warren Buffett, a marca surgiu em 2017 depois da fusão entre dois dos maiores players do mercado de táxi aéreo do Brasil, a CB Air e a Global Aviation. O investimento foi ainda mais audacioso por ter acontecido em plena crise econômica. Apenas no ano passado a família Klein fez aportes de mais de R$ 50 milhões na empresa para garantir um crescimento acima de 30%. Dessa forma, conta hoje com 18 aviões e dois helicópteros.
Também com isso, a CB Aviation faturou R$ 130,9 milhões, em 2018, e deve crescer significativamente neste ano. Até abril, já registrou faturamento de R$ 77 milhões, segundo informações dadas pelo Grupo CB à DINHEIRO. Já a divisão imobiliária é a maior e mais antiga da holding familiar. Ela foi criada nos anos 1960 para permitir uma melhor administração e compras de imóveis para instalar as operações das Casas Bahia. Passou a ser uma unidade independente a partir de 2011 e ainda hoje é o maior dono de imóveis onde estão lojas das Casas Bahia. Também passou a alugar galpões industriais e terrenos para outras empresas. Com 423 imóveis próprios, o faturamento foi de R$ 515,6 milhões em 2018.
A varejista que também é fintech
Por Celso Masson
No dia 12 de junho, 34 lojas das quase mil que integram a rede Casas Bahia em todo o País amanheceram com uma decoração diferente, com paineis em um chamativo tom cor-de-rosa. Não era para comemorar o Dia dos Namorados e sim para comunicar aos clientes a mais nova e transformadora oferta da empresa: o banQi, ou banco das Casas Bahia. A entrada da rede varejista no setor financeiro se deve a uma soma de demandas e oportunidades, reforçadas por algumas constatações obtidas junto à sua própria clientela.
Embora 28% não tenham conta em banco e 58% não possuam cartão de crédito, 71% dos clientes são donos de smart-phones. Ou seja, 7 em cada 10 estão aptos a abrir uma conta digital. “Nossa visão é democratizar os serviços financeiros para permitir a inclusão das classes C, D e E”, afirma Victor Santos, CEO da Airfox, empresa sediada em Boston que desenvolveu a plataforma tecnológica que roda o banQi. Na configuração atual, a mais simples, a conta digital permite o pagamento de boletos, transferência de dinheiro, recarga de celular e bilhete único (transporte coletivo), pagamento por QR code e carnê digital, numa evolução do produto colocado em prática por Samuel Klein.
A partir do final de agosto, estarão disponíveis também empréstimos pessoais, saques, cartão de crédito, seguros e portabilidade da conta salário. Segundo pesquisas da Gad’, agência que desenvolveu a marca banQi, 30% dos clientes migrariam seus salários para o banco das Casas Bahia. “É a varejista de maior cofiança para ser o domicílio bancário do cliente”, afirma Felipe Negrão, CFO da Via Varejo. Ter a confiança do cliente é fundamental para atraí-lo – e as lojas físicas terão papel fundamental na conversão do comprador em correntista. Para as futuras operações de seguros e empréstimos, porém, é a confiança no cliente que conta mais. “Nós conseguimos criar um sistema de crédito dinâmico e positivo a partir dos próprios dados que o usuário disponibiliza”, afirma Victor Santos.
Para isso, a Airfox usa machine learning e cruza informações sobre hábitos e comportamentos do cliente que são muito mais decisivas para conceder crédito do que aquilo que ele normalmente ele informa. Mas não é só sobre os atuais clientes (cerca de 5 milhões de pessoas têm hoje carnê das Casas Bahia) que o banQi pretende se expandir. “Vamos buscar crescimento fora da Via Varejo”, diz Felipe Negrão. Embora não revele o valor investido para criar o banco próprio, a expectativa é que a entrada no setor financeiro traga ótimos resultados. Tanto assim que o contrato com a Airfox prevê a compra de 80% da startup em caso de êxito na operação.
Fonte: IstoÉ Dinheiro