A tradicional rede de materiais de construção, dona das bandeiras Telhanorte e Tumelero, aposta na inovação, muda o perfil dos seus executivos e agora vai reestruturar o ponto de venda
Desde que assumiu o principal cargo de liderança na Saint-Gobain Distribuição, em maio de 2018, Juliano Ohta, 43 anos, trabalha pesado para quebrar a estrutura vertical da empresa, dona das bandeiras Telhanorte e Tumelero. Por meio de uma agenda de inovações dentro da tradicional companhia de materiais de construção, ele criou um ambiente colaborativo e diversificou o time de executivos, buscando profissionais com bagagem em outros segmentos varejistas. “Já mudei 60% do nosso comitê de direção, trazendo pessoas com experiência em varejos mais avançados, como o alimentício e o de moda, que estão muito mais ligados às tendências”, diz. “Hoje, metade do nosso board é composto por mulheres e essa diversificação já trouxe mais riqueza para as nossas discussões.” Agora, ele pretende levar a inovação diretamente aos 43 pontos de venda da Telhanorte e para as 29 unidades da rede gaúcha Tumulero, adquirida pela francesa Saint-Gobain em março de 2017.
É possível liderar transformações no mercado de materiais de construção?
A Saint-Gobain está entre as 100 empresas mais inovadoras do mundo. E isso num bolo que inclui Google, Facebook e diversas outras empresas de tecnologia. Eu, como diretor-geral da Telhanorte, já vi muito bem que o caminho que nós devemos seguir é o da inovação. Mas, para que essa transformação seja possível, temos que embarcar pessoas nessa mudança.
Como fazer isso?
Sou muito focado na gestão de pessoas. Nunca trabalhei em RH, mas tenho um background de negócios, finanças e gestão comercial. Acredito que tudo que eu consegui de bons resultados e de transformação foi por meio das pessoas. Por isso, nós começamos a trabalhar a diversidade da equipe – uma mudança cultural para depois chegarmos nas inovações. Eu já mudei, basicamente, 60% do nosso comitê de direção, trazendo pessoas com experiência não necessariamente de materiais de construção, mas de varejos mais avançados, como o alimentício e o de moda, que estão mais ligados às tendências. Hoje, metade do nosso board é composto por mulheres e essa diversificação já trouxe mais riqueza para as nossas discussões. Também reformamos a nossa sede. Todas as paredes estão desaparecendo.
A empresa também trabalha agora em parceria com startups, certo?
Sim. A Saint-Gobain entrou recentemente no capital do GetNinjas, que é uma empresa que provê serviços gerais, inclusive de construção, para os usuários finais. Nós também somos associados ao Cubo, o espaço de empreendedorismo do Itaú. Somos patrocinadores do projeto desde a fundação e temos uma presença muito constante para ter essa interação com as startups. Temos associação com empresas de tendências que nos ajudam a pensar fora da caixa. O que estamos fazendo de diferente é ter esse modelo híbrido, com a ajuda externa de startups, mas perenizando isso com a capacitação interna. Tudo isso nos ajuda a identificar possíveis problemas que estejam ocorrendo nas lojas e no nosso processo de caixa, por exemplo.
O varejo de material de construção teve um crescimento abaixo do esperado em 2018. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), o avanço nas vendas foi de apenas 1,2% em relação ao ano anterior. A Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção), por sua vez, indicou uma alta de 6,5% no ano. Qual desses números está mais próximo da realidade?
Foi um ano médio. Em 2017, quando vínhamos de anos ruins, achávamos que 2018 seria um ano de crescimento próximo dos dois dígitos. Não foi. Mas isso não aconteceu por conta de alguns fatores. Nós tivemos muitas dúvidas econômicas durante o ano. Não houve nenhuma grande reforma por parte do governo que desse um salto na confiança do consumidor. Não tivemos a reforma da Previdência e nem avanços na questão tributária. Dois indicadores que são chaves para o nosso mercado são a renda e o emprego. Nesse sentido, também não vimos uma evolução positiva. Com o nível de emprego e renda estagnado não dava para esperar uma reação grande do setor. Fora isso, o ano foi impactado por questões como incerteza política e a greve dos caminhoneiros. Mas apesar disso, a Telhanorte cresceu numa média entre esses dois indicadores, da Anamaco e da Abramat.
O que pode ser feito pelo novo governo para que as vendas desse mercado retomem?
A primeira coisa a ser feita é a reforma da Previdência. Isso vai trazer dinheiro para a economia e liberar muitos investimentos em infraestrutura e incorporação imobiliária que estão parados. Nós também precisamos simplificar a questão tributária. O novo governo tem um grande projeto para isso e nós estamos na expectativa. Tudo o que for feito para reduzir a burocracia em todos os âmbitos também pode ajudar o nosso trabalho. Isso facilitará, por exemplo, a abertura de lojas e geração de empregos. Isso hoje é um drama. Também esperamos que haja incentivos fiscais para a construção, com a liberação de crédito por meio do programa Cartão Reforma e do Construcard.
Hoje, em vez de grandes reformas ou construções, as pessoas estão priorizando pequenos consertos em casas. Essa tendência deve continuar?
Isso é um fato. Nós sentimos uma tendência de reduzir o tamanho das reformas. Acho que isso é muito por conta da crise. Se o cliente tem a necessidade de reformar a casa e não dispõe de tanto dinheiro, ele busca uma reforma menor ou diferente. A nossa entrada no mercado de decoração é uma resposta a isso. Muitas vezes você quer mudar o piso, a pintura, a porta, as janelas, aí olha para o orçamento e não consegue. É onde entra toda essa gama nova de produtos para decoração que nós colocamos à venda.
De que forma essa oferta de novos produtos impacta no tíquete médio das lojas?
Nesses últimos três anos, o nosso tíquete médio se estagnou e chegou até a baixar em alguns pontos de venda por conta dessa tendência de aumento na busca por pequenas reformas. O que eu vejo como tendência é a redução do tamanho das casas. Há uma predisposição mundial e isso também acontece aqui no Brasil. Com isso, as pessoas vão fazer menos reformas grandes.
Esse movimento, de certa forma, também é influenciado pelo público mais jovem?
Nós vemos que boa parte dos jovens não tem mais o sonho de ter a casa própria. Eles preferem ter uma casa alugada e, por isso, acabam não gastando muito em decoração e manutenção. Eu vejo que os jovens querem ter o uso, mas não querem ter a propriedade. Isso acontece com o carro também. Eles não querem ter o veículo, querem ter a possibilidade de usá-lo. Por isso, existe o Uber, redes de locação de automóveis e até de bicicletas. Com a casa não é diferente e isso muda muito o comportamento de compras. Nós temos que nos adaptar a isso.
As redes de varejo de decoração Tok&Stok e Etna conquistaram o público brasileiro. Para competir nesse mercado, a francesa Leroy Merlin lançou a marca Zôdio no fim de 2017. Como a Saint-Gobain olha para isso?
Sabemos que a resposta não é atuar apenas com um formato de loja, que é como estamos hoje. Por isso, vamos preparar um plano de mudança de formato ainda para este ano. Eu acho que o varejo como é hoje, com grandes lojas para onde o cliente tem que se deslocar, vai acabar. Mas o ponto de venda sempre será um grande lugar para experiência e conveniência, assim como teremos cada vez mais o digital como plataforma de transação, busca e comparação. Com o tempo, os canais vão se complementar.
Quais são as inovações a serem implementadas nos pontos de venda?
Vamos complementar os formatos de lojas que temos com operações de outros tamanhos. Vamos ter novidades no formato e tamanho das lojas e na diversidade de produtos em determinadas categorias. Tudo isso acontecerá com suporte de aplicativos e com site responsivo que ajudem o cliente a comprar, devolver produtos e conversar com o SAC onde quer que ele esteja. Buscamos o auxílio da tecnologia para que possamos conversar com o consumidor e entender os desejos dele.
Fonte: IstoÉ Dinheiro