Por Rafael Romer
Gigante do setor de tecnologia e e-commerce da América Latina, o Mercado Livre não acredita na definição de uma ‘estratégia’ de inteligência artificial – mas sim no desenvolvimento de uma cultura de IA junto aos seus times. Quem explicou a abordagem da empresa em relação ao tema foi Sebastian Barrios, vice-presidente de Tecnologia do Mercado Livre, durante uma masterclass apresentada no primeiro dia do Fórum E-Commerce Brasil 2023, que acontece em São Paulo.
“Não temos uma estratégia de inteligência artificial. Não temos uma estratégia de metaverso, ou NFTs. Essa não é a forma que operamos. Nós operamos com base em uma cultura de inovação – e todas essas tecnologias são ferramentas novas que temos que conhecer”, explicou. “Nossa estratégia é trazer mais valor aos nossos usuários, vendedores e parceiros logísticos usando essas ferramentas que estão disponíveis.”
Na sua avaliação, ter uma estratégia fixa, ao invés de uma cultura, sobre o tema da IA é algo “complicado”. A própria velocidade de transformação do tema é prova disso. Na semana passada, exemplificou, a Meta anunciou a Llama 2 – nova geração do seu modelo amplo de linguagem open source que pode novamente transformar esse mercado. “O tema da IA muda todos os dias, toda semana”, avaliou o executivo. “Mais que ter uma estratégia de IA, nós precisamos de uma cultura que nos permita estar constantemente inovando.”
O tema da inteligência artificial não é novidade para o Mercado Livre. Como uma empresa que soma mais de 148 milhões de usuários ativos, explicou Barrios, a IA é o caminho para garantir que os times de tecnologia do Mercado Livre consigam equilibrar a qualidade do desenvolvimento de soluções à velocidade. E mais importante, fazer tudo isso em escala.
“Todas as soluções que desenvolvemos têm que ter muita escalabilidade”, explicou. “Elas precisam ter compatibilidade com regras de muitos países e com muitos usuários diferentes. Então a IA é uma ferramenta para dar escalabilidade para nossas soluções.”
A lista de áreas em que o Mercado Livre aplica a IA é extensa. Um dos exemplos mais básicos é a busca do seu e-commerce: usando ferramentas de inteligência artificial, a plataforma consegue entender qual o propósito da busca do usuário, analisando os conceitos do produto que está sendo procurado, não apenas as palavras-chaves da busca. Mas as aplicações vão muito além.
Na logística, o Mercado Livre usa IA para prever informações sobre o tráfego e estimar o tempo da entrega dos produtos. A IA também monitora preços de produtos junto a outros provedores para otimizar o valor dos milhares de itens da plataforma e-commerce. Há também uma aplicação financeira: usando credit scoring, a empresa consegue avaliar os melhores métodos de pagamento para um cliente e também prever fraudes. Até as listagens usam IA como forma de evitar a venda de itens pirateados ou produtos com descrições e imagens com conteúdo ofensivo.
O avanço da IA generativa
Além da IA ‘tradicional’, a IA generativa também já está sendo empregada pelo Mercado Livre em diversas áreas da companhia. Um dos exemplos é no atendimento ao cliente, com a criação de resumos automatizados de sessões prévias de atendimento para ajudar operadores a agilizar o contato com clientes. Na infraestrutura interna do Mercado Livre, a IA generativa também está sendo usada para monitorar e evitar o vazamento de dados pessoais de usuários.
O avanço dessa nova modalidade de IA, no entanto, traz uma série de novas oportunidades e desafios, na avaliação de Barrios. Para se preparar para o impacto da tecnologia, o Mercado Livre organizou uma hackathon entre funcionários, pedindo que todos trouxessem ideias de como a nova tecnologia poderia agregar valor ao negócio. Foram geradas mais de 200 ideias, e várias delas entraram em produção.
Uma das ideias que saiu desta iniciativa foi uma estratégia para evitar os chamados ‘ataques de prompt’ – ataques que tentam manipular modelos amplos de linguagem (LLM), ‘enganando’ ferramentas de IA generativa com comandos específicos para burlar medidas se segurança ou ter acesso a conteúdo sigilosos.
“Temos uma equipe dedicada a colocar barreiras e os devidos firewalls nos diferentes vetores de ataque”, explicou. E continuou: “Além de aprender sobre as possibilidades, aprendemos sobre as limitações [da IA generativa]. Há muitas limitações nesses modelos, as principais são as alucinações. Essa é uma área de investigação aberta.”
Por fim, Barrios falou brevemente sobre o impacto da IA generativa junto aos times de TI do Mercado Livre. Uma das preocupações que a empresa tinha era se desenvolvedores – em especial os de nível júnior – passariam a aceitar qualquer código sugerido pela IA generativa, inclusive aqueles com erros de segurança ou má performance. A suspeita, no entanto, se provou infundada.
“Descobrimos que desenvolvedores, seniores e juniores, não aceitam as sugestões sem pensamento crítico. O princípio cultural que geramos com a ferramenta é que eles são responsáveis pelo código. Se você aceita uma sugestão, é responsável pelo resultado”, explicou.
Fonte: IT Forum