Por Adriana Mattos | Nos últimos anos, o Mercado Livre passou a perceber uma evolução das técnicas dos falsificadores para tentar vender produtos em suas plataformas.
Em vez de colocarem o nome da marca pirateada no título do anúncio, por exemplo, passaram a incluir só o logotipo na foto da mercadoria falsificada, de forma a dificultar a detecção pelos controles internos da empresa.
“Hoje, já conseguimos identificar o logo [da oferta pirateada] e tirar o anúncio. Mas não dá para descansar um minuto. Temos que pensar usando a cabeça dele”, diz Jacobo Imach, vice-presidente sênior jurídico e de relações governamentais do Mercado Livre para América Latina, em visita ao Brasil na semana passada.
Outra tática recente é desfocar a imagem da marca do item pirata, de forma que não fique claro ao sistema de identificação. A ideia é dificultar o cruzamento de dados que busca coibir a violação das leis de propriedade intelectual.
É possível ver indícios de prováveis artifícios de falsificadores navegando pelo marketplace. Há erros de grafia, como copos Stanley a R$ 30, anunciados como “Staley” ou “Staiey”, ou pulseiras anunciadas como da Vivara ou Pandora a R$ 78 – uma original da linha Life da Vivara custa a partir de R$ 343.
O Mercado Livre teve 563,1 milhões de anúncios criados ou modificados em seu marketplace de julho a dezembro de 2022 na América Latina, e destes, 3,1 milhões (0,56%) foram banidos por violação das regras da plataforma.
Quase a metade dos que foram derrubados veio do Brasil (1,4 milhão), segundo relatório anual de transparência – o país responde por 54% das vendas na região.
No primeiro semestre, 889 mil anúncios no país foram removidos, de um total de 2,3 milhões de itens retirados na América Latina.
Esse trabalho de identificar [pirataria] já foi como ‘enxugar gelo’, hoje não é”
Há poucos anos, esse número era bem maior. De julho a dezembro de 2020, primeiro ano do relatório, 13,2 milhões de anúncios no país foram removidos por violar regras, 70% do total de 18,5 milhões na América Latina.
Ao se olhar essa queda, a dúvida é se as ações de falsificadores para burlar as regras se aprimoraram – e tem ficado mais difícil detectá-los – ou se há uma redução de ofertas pirateadas na plataforma.
“Nossa visão é que o trabalho está funcionando”, diz o diretor sênior jurídico, Ricardo Lagreca. Segundo Imach, a queda no número de violações no Brasil reflete um endurecimento nos controles.
“Nós fomos mudando os critérios e as ferramentas para detectar as violações, juntando ‘machine learning’ e inteligência artificial. Nem detalhamos porque não queremos abrir como é feito, porque eles se adaptam rápido”.
Imach diz que os vendedores de itens piratas vão testando os preços na plataforma até encontrarem um patamar que gere menos desconfiança e fique fora do radar do sistema. “O que aconteceu é que eles tiveram que ir subindo os preços, por causa da aprimoramento das ferramentas, e ficou caro para eles vender no Mercado Livre. E eles mudaram para outras plataformas”, afirma.
São cerca de 200 funcionários na América Latina envolvidos no trabalho de combate à falsificação.
Parte desse movimento da companhia, na visão de consultores, é uma resposta à pressão do mercado nos últimos anos. Varejistas locais elevaram as críticas aos marketplaces estrangeiros de três anos para cá, com ações junto ao governo para endurecer a fiscalização.
Outro ponto tem relação com o forte avanço de plataformas asiáticas no Brasil, criticadas pela importação de mercadorias da China. A venda de importados no Mercado Livre é pequena, quase irrelevante, diz o grupo. “A entrada [das asiáticas] reforçou uma percepção de que os marketplaces em geral toleram a pirataria. E o Mercado Livre busca se descolar disso, mas é um esforço contínuo, quase como enxugar gelo”, diz um fornecedor de serviços aos lojistas.
Imach não tem essa percepção e vê injustiça em generalizar as empresas do setor. “Eu acho que em alguns momentos na nossa história ficou isso de enxugar gelo até pelas limitações que existiam [em identificar a pirataria]. Mas hoje, de cada dez anúncios removidos, nove vem do nosso trabalho interno e 70% dos denunciados não voltam a anunciar produtos falsos”.
Para ele, o grupo faz um trabalho proativo, diferentemente de outros marketplaces. “Nós não somos iguais a outros ‘players’ estrangeiros, pagamos os impostos, cuidamos da pirataria, e eles não. Então achamos injusto que a gente seja tratado de forma igual”.
Os marketplaces vendem, armazenam e entregam produtos de terceiros, e cobram por isso, mas pelo Marco Civil da Internet, atuam como provedores e não têm responsabilidade pelos produtos.
O Mercado Livre adota a política da notificação aos lojistas quando identifica pirataria ou há denúncia de consumidores. Se há violação, pode advertir, suspender ou encerrar o anúncio.
Para que essa estrutura de combate à pirataria amadureça, a companhia depende do apoio das marcas, que têm o poder de levar a questão à Justiça. Hoje, há 17 denúncias criminais da empresa na America Latina, e nove no Brasil, com envolvimento de grupos como Nike, Apple e Diageo.
Desde o fim de 2021, o Mercado Livre coordena também uma Aliança Antifalsificação, com apoio de 16 empresas como Adidas, Puma, Levi’s, Microsoft, Tommy Hilfiger, Diageo e Apple.
Fonte: Valor Econômico