Por Marcelo Sakate | O ambiente econômico de juros elevados e consumo em desaceleração, aliado à concorrência com players asiáticos, tem causado estragos no varejo nacional. Nesse quadro adverso, o Mercado Livre (MELI) tem despontado com um momentum de crescimento de dois dígitos, ganho de market share e melhora da rentabilidade, além do avanço em verticais como serviços financeiros, que permite uma jornada integrada (leia-se cross sell) para quem vende e consome.
O discurso recorrente da empresa tem sido o de que há muito potencial ainda para crescer nas duas principais verticais de negócios, o e-commerce e a fintech, o Mercado Pago. Mas há oportunidades também que estão além do que se pode enxergar no resultado de curto prazo e que ganham viabilidade crescente graças ao avanço da tecnologia e ao ganho de escala. É o que defende Sean Summers, vice-presidente executivo (EVP) e executivo-chefe de Marketing (CMO) do Mercado Livre.
“Nossa grande ambição [nessa frente] é ir além dos dólares que as pessoas querem gastar em nossa plataforma ou dos sellers que buscam acelerar as suas vendas. Esse é um orçamento específico. Com as soluções que temos de ads, de displays e vídeos para os anunciantes, estejam ou não vendendo no e-commerce, podemos nos transformar em uma plataforma de mídia muito maior”, disse Summers em entrevista à Bloomberg Línea no início do mês durante o Web Summit Rio.
Um dos diferenciais do MELI, defendeu, é o volume de pessoas que passam pela plataforma com recorrência: foram 100 milhões de usuários ativos no primeiro trimestre de 2023.
O executivo, que está à frente do Mercado Ads, a unidade de negócios de publicidade para empresas interessadas em posicionar suas marcas na plataforma, disse que o objetivo é ir além da chamada Retail Media – o uso de canais digitais do varejo para oferecer anúncios às marcas. A empresa desenvolveu ads que buscam ser assertivos a depender do momento do consumidor.
O Mercado Livre revela pouco por ora sobre os números e o alcance do Mercado Ads no seu resultado. Na Amazon (AMZN), as receitas com publicidade chegaram a US$ 9,5 bilhões no primeiro trimestre, com expansão anual de 23% livre de efeitos cambiais, o que ilustra o potencial. É uma frente de negócio que representou 8% das vendas totais no período.
Summers está no Mercado Livre há quase 11 anos e já foi também vice-presidente executivo de Marketplace. Anteriormente, atuou como diretor de marketing de duas empresas de bens de consumo no Reino Unido, a PepsiCo e a Twinnings.
“Varejistas percebem o mundo se movendo do físico para o digital e precisam fazer o rebrand. Uma coisa é oferecer o produto equivalente ao trade marketing. O desafio é ir além e oferecer algo competitivo diante de canais de comunicação tradicionais. Conseguimos fazer isso porque temos tecnologia e muitas pessoas vindo para a plataforma em diferentes momentos da jornada de compra.”
Leia a seguir a entrevista editada para fins de clareza:
Quais as estratégias para continuar a crescer olhando o médio e o longo prazo?
Acreditamos que há duas grandes oportunidades. E somos muito consistentes em nossas estratégias. Somos um e-commerce e estamos aqui há 24 anos. Vemos oportunidades ainda para aumentar penetração, adoção e frequência. Portanto, como líderes de mercado no Brasil em todos os segmentos, o que tentamos fazer é crescer a categoria e aumentar a nossa participação. E, se fizermos as coisas da maneira certa, seremos capazes de oferecer um crescimento sólido no futuro próximo.
Você pode ver que, mesmo agora quando os mercados estão mais fracos, o MELI está indo muito bem. Quando se trata de e-commerce, obviamente você tem que continuar a evoluir as estratégias. O básico do varejo é sempre oferecer uma experiência melhor para o cliente, preços muito competitivos e mais sortimento, mas de certa forma nos reinventando ou cada vez melhor no dia-a-dia.
Analisamos muito os dados e nossos consumidores também nos passam muitos comentários sobre o que está funcionando e o que não está. Estamos constantemente encontrando oportunidades de melhoria e, com isso, reduzimos os atritos na experiência de compra, na experiência de pagamento, no recebimento e até mesmo na devolução de produtos. E o que isso está gerando é a lealdade. As pessoas voltam com mais frequência e em maior número e isso tem um efeito multiplicador.
Isso na frente de e-commerce, certo? Qual a outra oportunidade?
Em fintech, estamos mais atrás. Temos falado muito sobre inclusão financeira. Acho que temos contribuído para melhorar a situação na América Latina junto com outras fintechs. Mas ainda há muito espaço para crescer. E achamos que [a oportunidade] diz respeito muito sobre inovação em produtos. Começamos como um produto apenas para pagamentos online. Mas, ao longo dos anos, identificamos outros produtos necessários aos clientes. E agora eu diria que provavelmente somos um one-stop-shop único, que vai de pagamentos a contas, de tecnologia a crédito e cripto.
Sendo uma espécie de supermercado financeiro, algo que gera mais adoção pelos consumidores e para que venham com mais frequência. As estratégias de ambas as empresas operam de forma independente, enquanto estamos constantemente atentos para a sobreposição. O que por si só já é uma estratégia diferente, garantir que estamos alavancando o máximo possível essas relações. Talvez alguém possa entrar no ecossistema por meio do aplicativo azul [do Mercado Pago] e tentamos descobrir maneiras de fazer o cross-sell de parte do aplicativo amarelo [do Mercado Livre] e vice-versa.
E como o Mercado Livre decide se vale a pena entrar em um novo negócio?
Abaixo desses dois mundos, estamos constantemente procurando coisas novas para fazer, como retail media. Nosso negócio de mídia existe há 12 ou 13 anos e por muito tempo não descobrimos qual era o papel do produto que tínhamos. Três ou quatro anos atrás, finalmente, isso mudou. Acho que entendemos onde e como podemos agregar valor. E começamos a operar esse negócio.
Por quê? Porque era uma solução óbvia para nossos clientes. E estamos aperfeiçoando. Ao fazer isso, identificamos novas oportunidades ou novas dores para os anunciantes existentes e novos em potencial. E é por essa razão que decidimos avançar. Obviamente é uma tarefa difícil.
Todos estão em busca do Santo Graal de oferecer uma solução financeira completa, por exemplo. Portanto, não é fácil, mas gosto das chances que nós temos. Temos bastante paciência para entender qual é o momento certo para fazer isso. Há muitas ideias que temos em nossas mentes por um longo tempo até descobrirmos que agora chegou o momento de colocá-las em prática.
Qual exemplo que se encaixa nessa descrição?
Por exemplo, distribuição de conteúdo. Identificamos e partimos de uma dor que tínhamos em nosso programa de fidelidade em relação ao principal concorrente, que é a Amazon com o serviço Prime. Dissemos: ‘Como fechamos esse gap?’ Ao mesmo tempo, a indústria e os proprietários de conteúdo estavam começando a chegar diretamente ao consumidor [por meio do streaming] e isso não fazia parte de seu DNA. Enxergamos uma oportunidade e entramos em contato [com parceiros como a Disney]. De repente, é como se tivéssemos o conteúdo, a distribuição e os produtos financeiros para uma assinatura.
Essa foi uma ideia que tivemos por muitos anos, mas não ganhou vida até 2020 até que fosse o momento certo com a execução certa. É assim que olhamos para as inovações. No fim do dia, é como tentamos nos manter um passo à frente da concorrência. O bom desses mercados é que há muita concorrência e isso nos mantém alerta. Se você relaxar um pouco, simplesmente te ultrapassam.
Como a estratégia de marketing é definida a partir das verticais de negócios?
Eu não estava pensando do ponto de vista do marketing, mas do produto. Somos de certa forma agnósticos. Não pensamos em plataforma. Olhamos para a dor do consumidor que estamos tentando resolver. E então, na maioria das vezes, acontece que essa é uma dor que se encaixa naturalmente sob o guarda-chuva da fintech ou do e-commerce.
O conteúdo [como produto] não era uma dor óbvia, mas tinha relação com o nosso programa de fidelidade e estava ligado à concorrência com a Amazon. Começamos, portanto, com as dores do consumidor. Olhamos para o desenvolvimento do produto e em que vertical ele se encaixa, é fintech ou é e-commerce? E então discutimos se devemos nos comunicar conjuntamente ou não. A maioria das coisas é comunicada pelo aplicativo azul ou pelo aplicativo amarelo.
Quais as principais avenidas de crescimento neste momento?
Felizmente, temos muitas avenidas de crescimento. Em e-commerce, somos o maior player e crescemos mais do que o mercado. Em fintech, estamos crescendo significativamente tanto em nossos negócios de pessoas físicas quanto em empresas. Em Mercados Ads a mesma coisa. Em geral, vejo todo o ecossistema como uma avenida de crescimento. E vamos continuar inovando em diferentes áreas e, eventualmente, encontramos coisas novas, como fizemos em criptos.
Você mencionou o negócio de retail media. Quais as oportunidades que enxergam?
Hoje todos estão falando de retail media. Varejistas percebem o mundo se movendo do físico para o digital e precisam fazer o rebrand. Mas uma coisa é oferecer o produto equivalente ao trade marketing. O desafio é ir além e oferecer algo competitivo diante de canais de comunicação tradicionais.
Conseguimos fazer isso porque temos muitas pessoas vindo para a plataforma em diferentes momentos da jornada de compra. Temos muitas pessoas chegando muito cedo no processo. “Quero comprar um iPhone.” É o começo da pesquisa, de entender as opções. Talvez não seja mais um iPhone, mas um celular. “Estou buscando saber quais são as marcas, quais os preços.”
Isso nos dá condições de desenvolver os produtos certos para os anunciantes para ir além de apenas um trade marketing e conseguir oferecer algo que seja competitivo em relação a outros canais de comunicação no momento do awareness e de considerar os produtos.
Nossa grande ambição é ir além dos dólares que as pessoas querem gastar em nossa plataforma ou dos sellers que buscam acelerar suas vendas. Esse é um orçamento específico. Com as soluções que temos de ads, de displays e vídeos para os anunciantes, estejam ou não vendendo no e-commerce, podemos nos transformar em uma plataforma de mídia muito maior.
Obviamente, temos que executar essa visão e é mais fácil dizer do que fazer, mas acho que podemos conseguir com a quantidade de variáveis que temos para as diferentes etapas da jornada de compra e com o uso de tecnologia, porque nossos produtos são realmente bons.
Como funciona o processo de uso de dados para entender o cliente?
Há casos interessantes em que os clientes fornecem feedback para melhorar a plataforma. Se você fizer alterações na plataforma, o caso desaparece. O problema desaparece. Isso se encaixa muito no desenvolvimento de nossos produtos. Quando vemos uma lacuna em relação a um concorrente, pensamos: precisamos de uma mudança de processo ou é algo que temos que mudar ou adicionar à experiência da plataforma? É a melhor maneira de melhorar nosso trabalho.
Isso tem sido uma fonte de insights infinitos sobre como melhorar a experiência geral. E, obviamente, há muitos insights para melhorar a experiência do produto e sob o ponto de vista da marca, como os consumidores nos percebem, em que áreas temos pontos fortes e em quais pontos fracos. Portanto, há um elemento não apenas do produto mas também da marca. E a combinação de ambos, que acompanhamos regularmente, eu diria que toda semana.