Parceria entre Instituto C&A e aceleradora Preta Hub deu origem a programa que selecionou 6 marcas de afroempreendedores brasileiros
Por Raquel Brandão
Quando o casal de empresários Glauber Marques e Izabela Matias buscou na loja de roupa infantil um pijama de herói que se parecesse com o filho Murilo, não tinha. Todas as representações eram de pessoas brancas. Foi assim que surgiu a ideia de criar a marca para crianças KIOO, cujo nome tem origem na língua banto Suaíli e significa espelho. A partir de 20 de outubro, ela e mais cinco marcas de afroempreendedores brasileiros terão peças comercializadas no marketplace da varejista C&A. “Vai ser um divisor na história da nossa marca”, diz Marques.
O Instituto C&A, braço social da empresa no Brasil, se juntou à aceleradora de negócios Preta Hub, idealizadora da Feira Preta, para lançar uma nova edição de uma programa voltado para negócios de moda, o Afrolab Moda. Foi a primeira versão apoiada pela empresa. Ao todo, 21 empreendedores negros, indígenas e afro-indígenas foram selecionados para o programa, que contou com mentoria de profissionais da C&A e workshops com nomes do mundo fashion, como o estilista Isaac Silva. Dessas, seis foram escolhidas para serem vendidas na plataforma.
“É uma ação inédita dentro desse mercado em que estamos inseridos e muito importante e significativa para os empreendedores e também para o Instituto C&A”, diz Gustavo Narciso, gerente executivo do instituto. “A importância dessa parceria possibilita que os empreendedores atuem em rede, desenvolvam um senso de comunidade e acessem a uma rede potente de networking”, diz Adriana Brabosa, presidente do Preta Hub.
Haitiano, o modelo Woolmay Mayden quase não acreditou quando viu seu nome na lista dos aprovados. Ele começou a criar peças em 2019, em parcerias com marcas de pequeno e médio porte. Neste ano, após um hiato por causa da pandemia, fez uma parceria com a KF Branding, de Porto Seguro (BA). A coleção foi apresentada em um desfile da Brasil Eco Fashion Week, na Semana de Moda de Milão deste ano. Apesar disso, não esperava ser aprovado no edital do Afrolab. “Foi uma escola para mim. Conheci muita gente, novas marcas. Procuraram realmente dar oportunidade para pessoas pretas.”
No marketplace da C&A, as peças da marca Mayden são de uma coleção própria recém-lançada, conta o empreendedor, que mantém os projetos da empresa com o dinheiro que ganha como modelo.
Das seis marcas escolhidas, serão 530 peças vendidas por meio da Feira Preta no marketplace da C&A. Os produtos estarão reunidos dentro da plataforma em um espaço batizado de “Nosso Encontro”, iniciativa que o Instituto quer tornar perene promovendo marcas e empreendedores ligados a diversas causas sociais, explica Narciso. Nesse primeiro momento, não há previsão para venda das peças nas lojas físicas.
Em suas redes sociais, a C&A vai realizar campanhas para divulgar a Feira Preta, plataforma que neste ano completa 20 anos e que se dedica a impulsionar o empreendendorismo e a cultura negra, além de contar as histórias das seis marcas selecionadas e seus criadores.
A ideia, diz o executivo do Instituto, é que essas potências negras também tenham destaque no mundo da moda, “ainda extremamente branco, heterossexual e, dentro da liderança, masculino”. Narciso destaca que embora o número de inscrições — 379 no total — tenha sido expressivo, o fator de atenção foi a qualidade das marcas. “Eram muito bem desenvolvidas, bem construídas. Que já tinham venda on-line e mesmo 20 mil ou 30 mil seguidores nas redes.”
Por isso, com as campanhas de divulgação e a participação na plataforma de marketplace, o Instituto C&A e a Feira Preta pretendem ampliar os horizontes para os empreendedores negros. “A proposta não é de que preto compre de preto, mas que ocorra um consumo plural, multirracial. Trata-se de um fomento ao empreendedorismo negro, para que todos comprem de empreendedores pretos”, argumenta Narciso.
Esse é um valor compartilhado por Marques, da KIOO. “O que queremos é que seja normal para uma criança não-preta também usar uma roupa com uma personagem preta.”
Fonte: Valor Econômico