Por Rodrigo Loureiro
Nos anos que antecederam a pandemia, a Marisa recebeu uma série de propostas de interessados em ocupar os locais que abrigavam as lojas da varejista de moda. No bairro da Sé, no centro da capital paulista, a Marisa tem uma megaloja que fica instalada em um imóvel localizado na esquina da rua Direita com a rua São Bento.
“Por volta de 2017, eles receberam uma proposta de mais de R$ 10 milhões para desalojar aquele imóvel, mas não quiseram”, disse ao NeoFeed uma fonte que conhece a operação da varejista por dentro. “Agora, estão negociando o pagamento do aluguel.”
O episódio é mais um exemplo dos problemas da varejista da família Goldfarb, que há seis anos vem realizando sucessivos turnarounds. Agora sob o comando de João Pinheiro Nogueira Batista, a companhia está tentando renegociar aluguéis atrasados ao mesmo tempo em que estuda um plano de fechamento de seus pontos comerciais.
“Eles querem fechar pelo menos 25% das unidades, mas esse número pode aumentar”, disse um gestor com posição relevante na ação. Outra fonte disse à reportagem que o corte pode ser de até um terço das lojas.
Como a varejista tem atualmente 334 lojas em operação (sendo cerca de 15% delas controladas pela própria família Goldfarb), isso que significa que pelo menos 80 lojas seriam fechadas. Se o plano sair do papel, entre 3 mil e 3,5 mil funcionários poderão ser demitidos.
A medida faz parte do plano de recuperação financeira que a Marisa começou a desenhar nos últimos meses, que foca, principalmente, na redução das despesas. A companhia já havia admitido que a nova reestruturação envolveria o fechamento de algumas de suas lojas – mas ainda não divulgou publicamente o número de pontos.
A escolha pelas unidades que serão fechadas leva em consideração a saúde financeira da operação e sua localização. No alvo estão principalmente operações de rua – o que contabilizava 163 unidades no fim do terceiro trimestre. “A cada dez lojas que deverão ser fechadas, sete são lojas de rua”, disse uma fonte.
Ao mesmo tempo, a Marisa vem tentando renegociar as dívidas referentes ao pagamento de aluguel dos espaços ocupados por ela. Nessas renegociações, executivos da rede varejista pedem a carência das cobranças. Em algumas unidades, a solicitação é para a suspensão dos pagamentos até o fim do ano. “Eles já disseram que não vão pagar aluguel em 2023”, disse uma pessoa presente nas conversas.
Esses não são os primeiros relatos de atraso no pagamento de aluguel. Em fevereiro, a gestora Rio Bravo Investimentos, que administra o Fundo de Investimento Imobiliário Brasil Varejo, informou via fato relevante que não havia recebido o pagamento do aluguel de janeiro da Marisa. A varejista é a principal locatária do fundo com 81,47% da receita imobiliária. Em período de silêncio, a gestora não se manifestou para esta reportagem.
Também em fevereiro, a Kinea Investimentos informou ao mercado que a Marisa não pagou o valor do aluguel referente ao mês de janeiro. Em fato relevante do fundo Kinea Renda Imobiliária, a gestora informou que a receita do contrato representa o equivalente a 4% do faturamento total da carteira de imóveis do veículo.
As despesas com aluguel da Marisa aumentaram de R$ 179 milhões no acumulado dos primeiros nove meses de 2021 para R$ 215 milhões no mesmo período do ano passado. Em setembro do ano passado, a Marisa devia R$ 22,4 milhões em aluguéis. Essa dívida era de R$ 19,5 milhões 12 meses antes.
Em nota, a Marisa informou que “está em processo de aprimoramento de seu modelo de negócios e decidiu priorizar pagamentos e/ou renegociar contratos, afetando aluguéis (predominantemente dos imóveis pertencentes ao grupo de controle da companhia)”.
A empresa também informou que esses e outros assuntos “estão sendo endereçados com velocidade”, mas sujeitos a ritos de governança corporativa que estão em fase de aprovação do conselho de administração. Questionada sobre a possibilidade de demissões, a companhia se limitou a responder que “não confirma a informação”.
Uma das medidas foi anunciada na manhã desta quinta-feira, 23 de março. Como parte das negociações que vem mantendo para equacionar sua estrutura de capital, a Marisa informou que fechou um acordo para a venda de parte dos direitos creditórios de natureza fiscal detidos pela companhia.
A transação envolve a venda para fundos de investimento geridos pela Quadra, pelo preço de R$ 100,1 milhões, além de um valor adicional sujeito à confirmação de determinadas métricas. A varejista informou ainda que esses direitos creditórios têm origem em um processo judicial referente a incidência de ICMS na base de cálculo de PIS e COFINS.
O fechamento de lojas da Marisa localizadas dentro de shoppings não deve impactar de forma severa no fluxo de consumidores naqueles centros comerciais. No entanto, as administradoras podem encontrar dificuldade para encontrar novos locatários para os espaços.
Choque de gestões
Essa política de corte de custos da Marisa está ligada à nova gestão da companhia, encabeçada por Batista. O executivo, que foi CEO da Suzano e da Swiss Re e diretor financeiro da Petrobras, está no comando da rede varejista desde fevereiro de 2023, quando sucedeu a Adalberto Santos no cargo, que renunciou.
Nos últimos sete anos, o comando da companhia mudou de mão pela quinta vez. Quando o primeiro turnaround teve início, em meados de 2017, Marcelo Araújo, atualmente no Grupo Ultra, era o CEO. Em seu lugar assumiu Marcio Goldfarb, membro da família controladora, que permaneceu à frente do negócio até 2019. Marcelo Pimentel (atual CEO do GPA) liderou a operação até 2021.
Pessoas com as quais o NeoFeed conversou disseram que a decisão de substituir Santos por Batista teve relação com uma mudança na estratégia da reestruturação.
Na gestão anterior, a Marisa trabalhava pontos que envolviam a recuperação, como a revitalização do parque de lojas e a otimização da malha logística. No mandato de Batista, a tendência é de que o foco esteja na recuperação da contabilidade através da redução de custos.
Atualmente a Marisa conta com a ajuda de consultorias externas que estão analisando diferentes pontos do negócio. A BR Partners foi contratada para assessorar a empresa na renegociação de dívidas bancárias e com fornecedores, enquanto a consultoria Galeazzi está realizando um trabalho de aperfeiçoamento na estrutura de custos da varejista.
No último balanço publicado, referente ao terceiro trimestre de 2022, ainda sob a gestão de Santos, a Marisa reportou prejuízo de R$ 97,5 milhões. Há um ano, a empresa havia registrado lucro de R$ 44,4 milhões. Já o caixa e os equivalentes de caixa da empresa diminuíram de R$ 275,4 milhões para R$ 183,2 milhões no período de 12 meses.
A Marisa encerrou o terceiro trimestre do ano passado com dívida líquida ajustada de R$ 566,1 milhões. Deste montante, R$ 188,1 milhões são dívidas bancárias de curto prazo e R$ 42 milhões de longo prazo. Além disso, a empresa também tem R$ 558 milhões em financiamentos à operação do MBank, sua operação financeira.
Depois de chegar a valer mais de R$ 4,7 bilhões em fevereiro de 2020, a varejista viu seu valor de mercado derreter nos últimos meses. Desde o começo do ano a desvalorização é de 48%. Na quarta-feira, 22 de março, a companhia estava avaliada em R$ 229,5 milhões.
A Marisa vai divulgar os resultados do quarto trimestre do ano passado e os números consolidados de 2022 em 31 de março, após o fechamento do mercado. A divulgação dos resultados estava prevista para acontecer no dia 15, mas foi adiada pela empresa.
A crise na Marisa é mais um exemplo dos problemas pelos quais o varejo está enfrentando no início deste ano. Em janeiro, a Guararapes, dona da Riachuelo, fechou uma fábrica e demitiu 2 mil funcionários. No mesmo mês, o caso do rombo bilionário da Americanas sacudiu o setor.
Em março, o Magazine Luiza informou que abriu uma investigação interna para apurar possíveis irregularidades em operações com certos distribuidores e fornecedores.
Fonte: Neofeed