Quando a pandemia obrigou o fechamento de lojas, começou a impactar o consumo e a mudar o comportamento das clientes, Marcelo Pimentel, CEO das Lojas Marisa não pensou duas vezes em acelerar o processo de transformação digital que, desde que assumiu a vice-presidência de operações, em 2017, passou a ser o seu norte.
No início de 2018, a multicanalidade tornou-se prática corrente. A presença em um número maior de marketplaces ampliou a oferta virtual e o clique e retire passou a responder por 40% de todas as vendas digitais da companhia. No fim de 2019, o digital representava 7% da venda total. Este ano, tirando o efeito pandemia, já ultrapassa duplo dígito. “Mas a nossa meta é ultrapassar 20% nos próximos dois anos”, comenta.
A mudança de cultura, com integração total das operações, permitiu ao executivo tomar as medidas necessárias para se tornar uma companhia mais digital nesse momento em que o digital passou a ser mandatório. O “ship from store” (envio de produtos comprados no e-commerce diretamente das lojas) foi implementado em 130 das 354 lojas já no início da quarentena. O programa “Sou Sócia” começou a transformar clientes em vendedoras digitais. Recém lançado, o primeiro app nativo tem KPIs mais positivos que os da web. E a empresa avalia agora a oferta de uma carteira digital.
“A gente quer ser a plataforma da mulher brasileira. Tem tudo a ver com a nossa missão e nosso objetivo de fortalecer a autoestima da mulher através dos nossos produtos e serviços. Tem muito a ver em poder falar a língua dela e em ser uma marca com a qual ela já tem essa cumplicidade”, diz Marcelo.
Seu desejo? Transformar as Lojas Marisa em uma empresa verdadeiramente seamless. “Não importa o canal ou o serviço, a experiência tem que ser uma só, sem quebras”, explica.
Nesta entrevista, Marcelo Pimentel revela parte de sua estratégia digital para as Lojas Marisa, como vem organizando o time e as operações da empresa para implementá-la e muito mais.
Disrupção é…
A capacidade de fazer algo novo, quebrar o mode do tradicional. Mas a maior disrupção para mim é entender a cliente. No nosso caso, para trazer produtos e serviços que façam sentido para ela. A gente quer ser disruptivo, mas o grande aprendizado dessa palavra é ser disruptivo no que faz sentido para o cliente, a organização e seus stakeholders.
Disrupção tem que ser algo que agregue valor. Algo que precisa ser contextualizado de uma forma na qual áreas, produtos, serviços e pessoas entendam o objetivo maior de uma organização, sua missão e seu propósito e, portanto, estejam imbuídos a fazer as mudanças necessárias para atingi-los.
A disrupção pode ser tecnológica, mas principalmente, tem que ser cultural, porque somente uma disrupção cultural gera frutos duradouros.
Uma das questões culturais que estamos mudando na Marisa é exatamente antes de qualquer projeto perguntar às clientes se ele faz sentido para elas. Temos um monte de gente super capaz, super bem intencionada, mas que não pode cair na armadilha de acreditar que sabe o que as clientes precisam.
Vou dar um exemplo do que aconteceu na loja nova de Campinas. Já tínhamos a loja toda planejada, e tivemos que mudar muita coisa depois de ouvir as clientes. Elas queriam uma loja que focasse no produto, focasse na iluminação e nos provadores. O resultado é uma loja conceito que oferece um ambiente mais intuitivo e agradável para as clientes, atributos atrelados à praticidade e à variedade de canais disponíveis para realizar compras – física e virtualmente ou até mesmo de forma híbrida.
O app também trouxe muito aprendizado. Antes de lançar perguntamos o que faria sentido para elas. Na parte de serviços financeiros, por exemplo, uma das coisas que pediram foi apoio sobre gestão financeira domiciliar. Um contexto que vai além do transacional, de criação de um ambiente onde ela se sinta segura pra comprar, vender, mas principalmente onde ela se sinta segura em interagir. Falar sobre o que não pode falar em casa. Por isso vamos lançar várias formas de interação que, inevitavelmente, vão trazer o transacional para o centro, mas não se limitarão a ele.
Hoje o app é o ponto central da estratégia digital, que começou lá atrás, em 99. A Lojas Marisa foi pioneira no e-commerce de moda. O que vi quando cheguei na empresa em 2017 foi uma oportunidade gigantesca de ampliar o digital, que representava só 2% das vendas totais.
Debaixo do meu guarda-chuva de responsabilidade havia a operação das lojas, e ainda todo o e-commerce, a logística e toda a parte de expansão e manutenção. O que me fez perceber, de imediato, a necessidade de uma mudança de cultura.
A Marisa era uma empresa que era líder de mercado em moda feminina e tinha uma conexão com a mulher brasileira, principalmente através do nosso portal de entrada, que é lingerie. Mas ainda era uma empresa muito dividida. O time do e-commerce era totalmente segregado. Tinha pouca sinergia com o time comercial e o time de operações. E tínhamos limitações tecnológicas também.
Em pouco tempo a multicanalidade passou a ser prática corrente. A Marisa passou a oferecer para as clientes a experiência de decidir como e onde começar e terminar uma compra. Depois vieram os pilotos do Clique e Retire e fomos avançando, gradativamente. Para você ter uma ideia, ao final de 2019 o Clique e Retire já representava 40% de todas as vendas do digital da Marisa.
A obsessão de conhecer mais a nossa cliente vem dessa época. Uma das coisas que ficou muito evidente foi que as nossas clientes não compravam no digital, não porque não quisessem, mas porque eram as provedoras de casa e tinham dificuldades para receber a mercadoria. Na hora em que a gente habilitou o Clique e Retire nas nossas lojas, principalmente nas lojas de rua, próximas aos pontos de transporte, elas passaram a comprar mais.
O Clique e Retire não só aumentou as vendas do e-commerce e o fluxo nas nossas lojas físicas, como as vendas nas lojas físicas.
A gente tem um índice de recompra acima de 30%, ou seja, das clientes que vão coletar uma entrega nas nossas lojas, 30% acabam comprando na loja física também. Estamos em mais de cinco marketplaces no Brasil e, no mês passado, atingimos um marco importante. Fomos a primeira loja oficial de moda dentro do Mercado Livre a ultrapassar a marca de R$ 1 milhão.
No fim de 2019 o digital representou 7% da venda total. Esse ano, tirando o efeito pandemia, já ultrapassa duplo dígito. Mas a nossa meta é ultrapassar 20% nos próximos dois anos. Agora, com a pandemia, aceleramos muito vários processos que estavam no pipeline.
O primeiro deles foi o Ship From Store. No fim de fevereiro estávamos com algo em torno de 30 lojas fazendo testes. E a venda ainda era muito incipiente. Perto de R$ 200 mil. No dia 17 de março formos obrigados a fechar nossas lojas. E o e-commerce passou a ser o único canal. Foi quando percebemos que teríamos que acelerar o Ship From Store. Em maio, as vendas pularam para R$ 9 milhões.
A gente fez bastante pesquisa e um dos aprendizados que a gente teve foi de evitar a competição entre canais. Então, toda venda do Ship From Store fica na loja que faz a entrega. Na realidade eu tenho um problema bom, de briga de gerente de loja querendo habilitar Ship From Store. Saímos de apenas um C.D. só de e-commerce para 140 lojas fazendo Ship From Store. No último mês mais de 50% de toda venda feita do e-commerce foi no Ship From Store.
Estamos em um movimento agora de aportar inteligência para entender onde a gente deve ter as lojas, qual o raio ideal para o last mile, para que a gente possa otimizar as entregas. O objetivo é chegar a ter 100% das lojas fazendo entregas.
Não importa de onde vai vir o produto, se a cliente quer a gente vai achar esse produto e vai entregar.
O app foi lançado no fim de junho. Estamos com mais de 700 mil downloads. O nosso MVP foi, desde o nascimento, uma combinação entre moda e serviços financeiros. O segundo passo, como disse, é exatamente oferecer mais experiências de interação. Acoplar principalmente uma inteligência de CRM, porque a gente quer que o app seja a grande ferramenta de interação, tanto off store, mas in store também. Já começamos todos os primeiros pilotos de push notification, e eles têm ido muito bem.
A gente também está trabalhando no projeto de digitalização dos nossos serviços financeiros, e não tenho ainda muito detalhe que eu possa abrir. Em 2 meses a gente vai falar disso. Temos hoje mais de 9 milhões de clientes na nossa base, mais de 2 milhões delas ativas no nosso serviço financeiro. É importantíssimo que a gente faça essa modernização do modelo tradicional para o modelo digital.
E lançamos o nosso modelo de venda digital, que a gente chama de Sócia Marisa. Em um espaço muito curto de tempo já ultrapassamos a marca de 19 mil sócias. Ainda é um MVP. Nosso objetivo é atingir 100 mil Sócias Marisa.
Esse programa está debaixo do guarda-chuva do movimento Volta Por Cima. Estamos passando por esse momento de crise, mas acreditamos que inevitavelmente vai chegar o momento de dar a volta por cima, né?
Até que uma vacina chegue a gente vai ter que aprender a administrar a pandemia e cada vez mais retomar uma certa normalidade da nossa vida. Essa mentalidade de dar a volta por cima vai vir através das mulheres, porque elas têm sido importantíssimas nesse momento, por serem multifuncionais. Muitas vezes estão trabalhando e cuidando da família.
Muitas dessas mulheres sofreram com a pandemia. Com o desemprego. A falta de renda. Mas são pessoas com garra e determinação, que conseguem fazer a diferença. Então queremos dar a essa mulher apoio para retomar o controle da sua vida e a independência financeira. Dar a ela a alternativa de vender um produto que ela já conhece, que já tem aceitação no mercado, já tem uma boa proposta de valor, custo-benefício para a cliente e, ao mesmo tempo, abrir um novo canal para a Marisa.
A nossa ambição é a de que seja algo mais completo que a venda de moda, para que a Sócia possa vender outros produtos e serviços que vão estar disponíveis. Até agora teve uma aderência boa. E tem sido muito bom para gente também. Mais de 35% das vendas são para novas clientes.
Nosso modelo de operação é o do sonha grande, começa pequeno e acelera. É isso que a gente está fazendo agora.
Desde cedo nós temos como visão na empresa 4 pilares. O primeiro é o pilar da moda. Somos uma empresa de moda que precisa se aproximar cada vez mais da mulher brasileira. O segundo é o nosso pilar de loja. E aqui tem muito dessa interação entre o ambiente de loja, a experiência de compra de loja, com a conexão e a digitalização. O terceiro é o pilar de digitalização como um todo. A gente acaba falando muito da parte da experiência digital da cliente. E o quarto é a parte de CRM e a digitalização de serviços financeiros. A tecnologia permeia todos eles.
Criamos uma estrutura que realmente facilite a nossa missão de ser a plataforma da mulher brasileira.
Nós tínhamos o diretor de e-commerce e o diretor de TI. Unimos as áreas. Hoje eu tenho o diretor digital que cuida de tudo. No marketing a mesma coisa, estamos unificando. E trazendo toda a inteligência de serviços financeiros para dentro do CRM, para que a gente fale com essa mulher de uma única forma, mas coerente. A nossa cliente não pode ser acessada por três áreas diferentes em um mesmo dia, tratando de assuntos que não conversam entre si.
A Marisa precisa oferecer uma experiência seamless. Não importa qual o canal, a experiência é única. A cliente decide como começar e terminar essa experiência.
Mas ainda vamos levar um ano ou dois para chegar lá, ser verdadeiramente seamless, considerando os movimentos de digital que está fazendo. É uma ambição.
Precisamos primeiro aportar inteligência ao CRM, usar o app como uma ferramenta de CRM, cada vez mais. Temos feito bastante trabalho em parceria com o Google, Facebook, de otimização de investimento de mídia pra entender como melhor usar o recurso no que tange ao investimento de marketing de performance e o investimento de marketing de branding.
A gente quer começar a se preparar para se tornar um Marketplace da mulher brasileira. Ninguém tem o posicionamento que a Marisa tem no Brasil para poder fazer isso.
E quando falo plataforma estou olhando mais para o modelo de um marketplace do que para o modelo de um superapp. Tem muita gente falando superapp que, na verdade não tem nada a ver com superapp. Então eu tenho muito cuidado de falar de superapp porque eu acho que a gente não vai ser superapp.
No nosso marketplace você provavelmente não vai encontrar material de construção. A menos que faça sentido para as nossas clientes. Nesse momento a gente está olhando para isso. Quais categorias fazem sentido para ela, para a família dela? O que é que realmente agrega valor?
Não adianta eu me distrair querendo ser tudo.
Então eu acho que se a gente for a plataforma da mulher brasileira, tem tudo a ver com a nossa missão e nosso objetivo de fortalecer a autoestima da mulher através dos nossos produtos e serviços. Tem muito a ver em poder falar a língua dela.
A Marisa vem de cinco anos de resultados difíceis e nos últimos 2 anos nós colocamos em prática um programa de turnaround, focado no digital, que nos levou a ter quatro trimestres consecutivos de crescimento de venda. O último trimestre de 2019 já foi um trimestre de resultado positivo e estávamos com resultados positivos no primeiro trimestre deste ano.
O lado bom é que a empresa mostrou ser tão resiliente quanto a marca, e vem se tornando uma empresa muito ágil.
Fomos muito ágeis durante todo esse momento. Tivemos 99% das lojas fechadas. Hoje já estamos aí com 350 das 353 lojas abertas. A gente não sabe ainda por quanto tempo a pandemia vai durar, mas o que a gente sabe é que a nossa proposta de valor tem tido uma aderência muito positiva. Exatamente neste momento, ter qualidade com acessibilidade de preço se torna relevante.
Então eu tenho falado muito com o time que não quero celebrar a sobrevivência. Quero celebrar o ganho de marketing. O nosso posicionamento, no qual acredito. No mix de loja que tem 50% de lojas em rua, o restante em shopping. As lojas de rua se tornaram uma fortaleza para a gente e o avanço digital nos colocou muito bem posicionados pra tirar proveito e continuar acelerando nesse projeto.
Fonte: The Shift