Em outubro de 2018, o CEO Marcelo Araújo anunciou que trocaria o comando das Lojas Marisa pela rede de postos Ipiranga, do grupo Ultrapar. Durante os dois anos em que ficou na varejista de roupas, ele iniciou um plano de reestruturação para encerrar o ciclo de maus resultados que a empresa tem enfrentado. Sem Araújo, o controlador Márcio Goldfarb voltou à operação e assumiu o cargo interinamente, mas a busca por um novo CEO continua. No mercado, comenta-se que executivos com larga experiência em varejo foram avaliados e convidados, mas a contratação não se efetivou. Entre eles, Marcelo Doll Martinelli, atual CEO da DPSP (das redes de drogarias Pacheco e São Paulo) com passagens pela C&A e Pernambucanas.
A posição de diretor de Recursos Humanos permanece aberta desde a demissão do responsável por Araújo, pouco antes de sua saída. Há um mês, a empresa perdeu também o diretor de tecnologia da informação. São muitas baixas.
O mundo e os negócios não esperam. A Marisa foi a única das cinco maiores varejistas do País a perder participação de mercado entre 2013 e 2015. Suas ações, que atingiram valor acima de R$ 30 em 2013, hoje são cotadas em R$ 6,50, enquanto todas as outras redes já reagiram à crise. Algumas, como a Renner, sentiram muito pouco a perda do poder aquisitivo da população. Riachuelo, Pernambucanas, Arezzo e Hering apresentaram resultados trimestrais que indicam crescimento. A Marisa, no entanto, segue sem reagir. No terceiro trimestre do ano passado, registrou prejuízo líquido de R$ 65 milhões.
reconquista da cliente A equipe de gestão, mesmo sem a efetivação de um novo CEO, continua o trabalho de reestruturação. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, concedida no dia 8 de fevereiro, Adalberto Santos, diretor financeiro e de relações com os investidores, afirmou que os resultados começarão a aparecer ainda este ano. “A equipe da primeira e da segunda linha de gestão está junta há um ano e meio e já consolidada”, diz Santos, que está na companhia há quatro anos e meio, depois de uma passagem pela Renner. “Não apresentamos em 2018 melhorias significativas, mas isso vai acontecer. Realizamos 300 iniciativas em dois anos, incluindo a melhoria de processos e a atualização de sistemas de software”.
As mudanças iniciadas por Araújo envolveram toda a cadeia comercial e logística. Algumas trazem grande impacto operacional, como a diminuição do tamanho dos pacotes, por exemplo. A medida permitiu customizar as entregas a cada loja de acordo com as características do ponto de venda e, assim, diminuir o volume de estoques. Antes de dar início a todos esses projetos, a Marisa contratou a consultoria de gestão McKinsey, que entregou o diagnóstico no fim de 2017. Uma das primeiras conclusões foi que o nome Marisa limitava o alcance dos produtos ao público feminino. Então, iniciativas junto a novos perfis de clientes poderiam não trazer resultado. Para contornar esse entrave seria preciso reforçar a relação com o público-alvo, abalada por diversas mudanças de estratégia no início da década. Só assim seria possível voltar a crescer, concluiu o estudo. O grande desafio, portanto, é convencer a cliente tradicional a ir às lojas.
No começo da década, antes da má fase, a Marisa passou por um período de forte expansão. Enquanto as ações subiam na Bovespa, ela ampliava a sua rede e buscava aumentar a rentabilidade das vendas. A estratégia foi subir os preços para conquistar público na classe B e aumentar o tíquete médio. “A expansão foi agressiva e a empresa ficou com um conjunto heterogêneo de lojas, diversas delas em pontos que não são dos melhores e que sofreram com um mercado mais competitivo”, diz Alberto Serrentino, consultor de varejo e fundador da Varese Retail. A Marisa, que chegou a ter 418 unidades, hoje opera com 371. “Quando o mercado ia bem, até as piores lojas vendiam, mas, com a chegada da crise, ficaram deficitárias”, afirma.
Ao mesmo tempo, a estratégia de aumentar os preços não alcançou o resultado esperado. “Eles tentaram elevar a qualidade e o preço para acompanhar o cliente que estava migrando das classes D e E para as mais altas, mas acabaram perdendo a identidade da marca”, diz Maria Paula Cantusio, analista do Banco do Brasil. “Quando veio a crise, o cliente das classes D e E já não reconhecia a marca como acessível e muitos migraram para a Renner, que já era percebida por oferecer qualidade e durabilidade. Em tempos de crise, as pessoas das classes mais baixas não têm muito espaço para testar, então preferiam a certeza de estar comprando algo melhor, mesmo que mais caro”, afirma Maria Paula. Essa consequência é reconhecida pela atual gestão. “No ano passado, houve o erro de estratégia de construir uma coleção com um preço mais alto, mas o melhor valor de produto não foi percebido pelo cliente”, diz Marco Muraro, vice-presidente comercial da Marisa. “Ao aumentar e baixar os preços, podemos ter perdido público”.
Internamente, as mudanças constantes causaram indecisão. Um ex-funcionário ouvido pela reportagem diz que, para grande parte da equipe, ainda não ficou claro se a empresa quer manter como cliente-alvo uma mulher madura ou se pretende rejuvenescer o seu público. Uma atual tentativa de reposicionamento passa pela qualidade dos artigos. Na empresa há pouco mais de um ano, depois de 22 anos na Riachuelo, Muraro revisou fornecedores num esforço para melhorar o acabamento, costura, qualidade da matéria-prima e da modelagem. “Se descuidamos do cliente no passado, isso não é mais verdade”, diz o executivo. No entanto, como em moda o ciclo de vendas é longo, até que as mudanças realizadas sejam notadas pelo consumidor, o tempo é considerável. É preciso alterar o estilo das coleções, rodar o estoque e esperar que os clientes percebam que o perfil mudou. A empresa também otimizou os seus estoques. Anteriormente, os itens produzidos eram automaticamente distribuídos para as lojas. Agora, um sistema permite direcionar parte da produção para as unidades que vendem mais de cada peça. Assim, características regionais e de perfil do público são respeitadas.
Marcelo Pimentel, vice-presidente de operações: “Cerca
de 40% das vendas em e-commerce são de produtos
que não estão nas lojas — e 18% dos clientes
que compram pela internet são novos”
Além disso, um grande redesenho das estruturas de gestão foi realizado agora em fevereiro. O escritório principal da Marisa, na Zona Oeste de São Paulo, sofreu um grande corte de funcionários, que se aproximou de 10% do pessoal administrativo. As demissões já eram esperadas, mas ninguém conhecia a extensão dos cortes. A justificativa foi a economia de custos, a diminuição do número de projetos para 2019 e o redirecionamento de recursos para as principais iniciativas comerciais, de produtos e de melhorias de lojas. Programas para treinamento de pessoas e um sistema de software da SAP para recursos humanos foram abortados. Essa área, como outras de apoio, perdeu até 15% das pessoas, na nova reestruturação. Por outro lado, a equipe de produtos cresceu em 30% no último ano. A empresa, que chegou a ter 15 mil funcionários em 2015, hoje possui 12 mil.
Outro foco importante da reestruturação dos negócios está na operação de e-commerce, área na qual a Marisa foi uma das pioneiras no Brasil. Durante 2018, a empresa demonstrou resultado melhor nas vendas do canal e espera-se que registre agora um crescimento acima do desempenho do mercado. A internet também é usada para diversificar os itens comercializados. Se os pontos físicos atraem principalmente mulheres, na internet é possível contemplar outros perfis de consumo. “Cerca de 40% das vendas são de produtos exclusivos, que não estão nas lojas”, afirma Marcelo Pimentel, vice-presidente de operações, responsável pelo e-commerce e pela logística. Os calçados, por exemplo, representam 40% dos negócios nos canais digitais, que também incrementam produtos infantis e voltados ao público masculino. “Também ajudamos a trazer fluxo para as lojas, já que 18% dos clientes na internet são novos”, diz o executivo.
FOCO NA ENTREGA Pela frente, ainda vêm novas formas de entrega. O modelo em que o cliente retira as compras nas lojas já existe em alguns pontos. No segundo trimestre, isso deve ser replicado em toda a rede. Já o formato “pick from store”, em que os itens são enviados diretamente da unidade e não do centro de distribuição, começa a funcionar no segundo semestre deste ano. Essas iniciativas poderão dar mais agilidade às entregas e mais opções aos clientes.
Por fim, a Marisa espera contar, em 2019, com um ambiente macroeconômico mais favorável. “Como o foco da empresa é nas classes D e E, só devemos ver uma recuperação mais substancial quando o mercado de trabalho mostrar uma reação”, diz Cantusio, analista do Banco do Brasil. “Com a economia deixando de nos atrapalhar, a empresa estará muito melhor posicionada para concluir a sua retomada”. Assim, a última das grandes varejistas brasileiras a sair da crise poderá reencontrar seu caminho. Talvez antes mesmo de encontrar um CEO.
Fonte: IstoÉ Dinheiro