Com crescimento expressivo no varejo brasileiro, as marcas próprias se apresentam como estratégia de aumento no faturamento e na fidelização de clientes
O setor farmacêutico vem enfrentando dificuldades perante a crise política e econômica que se instalou no País. Historicamente, o segmento tende a ser menos impactado por lidar com produtos essenciais à saúde, no entanto, devido à durabilidade e profundidade da crise atual, o setor acabou sofrendo alguns reflexos – ainda que em menor nível que outros segmentos da economia.
Depois de 20 anos, a indústria registrou o primeiro trimestre de desempenho negativo nas vendas entre maio e julho de 2017. No varejo, a participação das 28 maiores redes de farmácias no faturamento total do setor está estável há dois anos.
O principal motivo da estagnação é a queda nas vendas de não medicamentos, itens que hoje representam uma fatia importante do faturamento dessas empresas.
Enquanto esses números preocupam muitos empresários ao redor do País, há um setor que segue alheio às dificuldades econômicas e apresenta números de crescimento invejáveis: os produtos de marca própria – itens vendidos exclusivamente por uma organização que detém o controle da marca e que, normalmente, não possui unidade produtora.
Desde 2010, esse tipo de produto cresceu 68% no País, segundo dados da Kantar Wordpanel. E mesmo diante da crise, o mercado não se abateu. Em 2016, o faturamento do setor no Brasil chegou a R$ 4,3 bilhões, sendo que dez anos antes não passava de R$ 1,3 bilhão. Até agosto deste ano, as marcas próprias entraram em 32,8 milhões de lares, sendo que 48% do crescimento veio de novos compradores.
Categorias destaque
Dentro do varejo farmacêutico, 46 categorias apresentam produtos de marca própria. Duas delas se destacam e representam 60% do crescimento: produtos para tratamento de pele e lenços umedecidos.
Dos 424 lançamentos no canal farma em 2016, 48% eram de cuidados com a pele e 60%, lenços. Recentemente, novas categorias foram lançadas, como purificador de ar, bico de mamadeira e água mineral.
Em muitos casos, os produtos de marca própria não são aqueles que apresentam o melhor preço. A tendência do mercado é investir em itens de muita qualidade e alto valor agregado. De acordo com a Nielsen, o posicionamento tem dado certo e as marcas premium crescem 3,4 vezes mais que outras marcas próprias.
Uma das explicações para tamanha força, apesar do momento delicado que a economia brasileira atravessa, é que as marcas próprias são vistas pelos consumidores como um “porto seguro” em tempo difíceis.
“É comprovado que, quando o bolso está apertado, o consumidor busca produtos alternativos. Ao mesmo tempo, durante a crise, a indústria desacelera a inovação e o investimento em mídia, porque está vendendo menos. Enquanto isso, o varejo passa a oferecer a marca própria como uma opção. Como ele não gasta com propaganda, consegue vender um produto a um bom preço e atrai esse cliente que busca novos caminhos de consumo”, explica o diretor da consultoria Inteligência de Varejo, Olegário Araújo.
O interessante é que, apesar de se fortalecerem em momentos de crise, as marcas próprias conseguem manter o ritmo de crescimento mesmo quando os problemas econômicos são sanados.
“Todos os estudos mostram que, em momento de crise, a curva se acentua, mas depois que cresce, ela não cai novamente, se estabiliza e segue em um ritmo de crescimento. É algo contínuo”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro), Neide Montesano.
De acordo com a especialista, isso ocorre porque o consumidor conhece o produto de marca própria quando está mais aberto a experimentações, mas mantém o consumo ao ficar satisfeito com o custo-benefício do item.
“No ano de 2000, a percepção de qualidade dos produtos de marca própria era 17%, hoje temos 87% de satisfação. O varejo brasileiro fez a lição de casa. Está oferecendo um produto de qualidade, honesto, que atende à promessa feita para o consumidor”, garante.
Oportunidade em aberto
Apesar das altas taxas de crescimento apresentadas ao longo da última década, as marcas próprias ainda têm muito que se desenvolver no mercado brasileiro.
Segundo a Kantar Worldpanel, hoje, elas representam em torno de 1,2% do mercado total, enquanto que, na Europa Ocidental, esse tipo de produto já detém mais de 30% do mercado e, nos Estados Unidos, chega a 20%.
A estrada é longa, mas o Brasil tem potencial para expandir – e muito – a representatividade das marcas próprias dentro do varejo brasileiro. E o caminho para esse crescimento passa justamente pelas farmácias.
Apesar de 90% dos produtos de marca própria hoje serem adquiridos nos supermercados, é o varejo farmacêutico que apresenta os maiores índices de crescimento.
Dados da Nielsen mostram que, entre 2015 e 2016, o segmento de marcas próprias cresceu 13,3% no ramo alimentar. No mesmo período, as farmácias registraram aumento de 46,2%, crescendo mais até que o chash&carry (40,1%), canal que sofreu um boom de consumo durante a crise.
Com índices de expansão tão expressivos, o faturamento das marcas próprias nas farmácias aumentou cinco vezes em seis anos. Em 2016, as marcas próprias cresceram mais de 46%, enquanto as de fabricante tiveram desempenho de 22,3%.
“Existem inúmeras categorias que o consumidor compra sem que as marcas tenham tanta relevância no fator de escolha, como artigos da chamada ‘farmacinha’, por exemplo. Este tipo de produto pode abrir mais facilmente o caminho para categorias mais elaboradas e de maior competitividade, como fraldas, suplementos e vitaminas”, destaca a sócia da Step Stone e referência em marca própria, Alexandra Jakob.
Case prático
Uma das pioneiras no segmento de marcas próprias dentro do varejo farmacêutico foi a Assifarma, rede de farmácias associativista, que há 11 anos já investe nesse mercado.
“Hoje, temos 35 marcas diferentes e mais de 600 SKUs (a sigla que representa o termo Stock Keeping Unit, em português Unidade de Manutenção de Estoque, é definida como um identificador único de um produto e é utilizada para manutenção de estoque). São produtos das mais diversas categorias, como polivitamínicos, tintura, xampu, filtro solar, entre outros”, conta a consultora farmacêutica da Assifarma, Giovanna Dimitrov.
“Conseguimos fazer produtos de qualidade muito boa, por meio de 23 fabricantes terceirizados. No fim do processo, os itens recebem o rótulo das diferentes marcas e um selo de garantia da Assifarma.”
Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tem uma legislação específica sobre o tema. “O que exigimos é que cada produto comercializado tenha registro na Anvisa, que é o que assegura a eficácia e segurança da formulação”, respondeu a entidade, por meio da assessoria de imprensa.
O percentual de ganho com as marcas próprias nas lojas da Assifarma apresentam muita variação de acordo com a categoria trabalhada e a região de atuação – a rede está presente em seis estados e no Distrito Federal. “Mas esse número pode chegar a até 6% do faturamento total”, revela Giovanna.
Em seis anos, o faturamento é cinco vezes maior
Além de incremento no lucro final, os itens de marca própria são tidos como excelentes instrumentos de fidelização, uma vez que só podem ser encontrados nas lojas detentoras da marca. Dados da Nielsen apontam que 60% dos shoppers que adquiriram marca própria em 2016 voltaram a comprar em 2017.
Os dados são corroborados pela Assifarma. “Temos uma excelente taxa de recompra e, com isto, conseguimos crescer 64% no ano passado. Esse percentual não é só de lançamentos, é de consumidores que gostaram dos produtos e voltaram a comprar nas nossas lojas”, garante Giovanna.
Execução no varejo
Apesar dos números serem tentadores, é preciso ter cautela antes de investir em uma marca própria. O primeiro ponto a ser considerado é a escala. Para tornar o investimento viável, é preciso ter um alto volume de vendas por produtos.
“Pequenas farmácias tendem a ter maior dificuldade nesse tema. O caminho para elas é trabalhar por meio de grupos organizados de compras ou passar a fazer parte de redes de franquias de farmácia, que hoje já oferecem o portfólio de próprias como um diferencial”, explica Alexandra.
Uma vez que a farmácia decida fazer o investimento, é preciso garantir que a marca própria tenha o posicionamento correto perante os outros fabricantes expostos nas gôndolas.
A exposição adequada varia muito de acordo com a categoria e o produto desenvolvido, mas, em geral, as marcas próprias devem ser expostas na altura dos olhos com destaque nas gôndolas. Quanto à precificação, as tendências mais recentes mostram que produtos com melhor preço, mas de baixa qualidade não trazem bons resultados em médio prazo, pois não fidelizam seus clientes. ”É melhor investir em produtos cerca de 10% mais barato que os líderes, mas com boa qualidade”, aconselha a especialista.
Autosserviço ainda é fortaleza da Marca Própria
Outro ponto importante é garantir a continuidade da marca dentro da farmácia, de modo que o consumidor possa criar o hábito de consumo e se fidelizar àquele produto.
“Não dá certo quando a marca própria não é uma prioridade estratégica. O varejista introduz o produto, mas não cuida da execução ou o abandona diante de uma negociação com a indústria. Os cases de sucesso são de varejistas que criam uma unidade de negócio, que pensam com a mesma mentalidade da indústria no cuidado com a marca”, alerta Araújo, da Inteligência de Varejo.
Em casos de dúvidas quanto à escolha de fabricantes terceirizados, precificação, exposição e ao posicionamento da marca, uma alternativa é recorrer aos serviços de entidades de classe, como a Abmapro.
“É uma associação de caráter informativo. Temos cursos, oferecemos orientação para quem está entrando nesse mercado. É importante que os varejistas comecem sabendo o que vão fazer. Tem de entrar com pé no chão. Buscar informação para não perder a chance de um grande negócio”, orienta Giovanna, da Abmapro.
Fonte: Guia da Farmácia