Alessandro Lima, CEO da E-Life, consultoria de inteligência digital, tem uma visão clara do que deve guiar as empresas nas redes sociais nesse final de década: verdade. “As marcas precisarão ir além do discurso (que muitas vezes soa falso), adotando posturas e ações de inclusão das minorias e sendo realmente socialmente responsáveis”, diz ele.
Estas mudanças, pela primeira vez, irão à frente do discurso de comunicação. Ou seja, não adianta promover o Outubro Rosa na página do Facebook e não ter uma política de igualdade de gênero na empresa, por exemplo.
A evolução das relações na internet mostra isso. Lima faz essa linha do tempo: “Primeiro, o consumidor assumiu um novo peso como mídia mudando a face da comunicação, que passou a ser menos descendente (apenas os meios de comunicação falavam para as massas), se tornando mais circular (todos falam com todos). Vieram então os ad blockers (bloqueadores de anúncios), os influenciadores (muitos mais relevantes que algumas marcas) e, por fim, a mudança de algoritmo do Facebook que tem priorizado posts de famílias e amigos (ou seja, menos marcas na sua timeline)”, conta. Tudo isto tornou o ambiente das mídias sociais mais seletivo e hostil para as empresas.
Além das mudanças tecnológicas, de repente o discurso “vendedor” das marcas perdeu todo o encanto. “Sobrou uma cauda longa de causas sociais que as empresas não conseguem mais ignorar, como a inclusão de gênero, sexualidade, políticas de todos os tipos e questões de raça num mundo dominado por famílias de propagandas de margarina”, diz ele.
Para ele, o novo papel da marca na comunicação será compreender sua própria cauda longa de stakeholders e suas demandas, atuando de maneira permanente para que todas as vozes sejam ouvidas. Ou seja, menos content marketing e mais causas nas timelines. Leia a entrevista completa com Alessandro Lima:
Portal do Shopping – Como se destacar no ambiente das mídias sociais, que vem se tornando mais seletivo e hostil para as empresas?
Alessandro Lima – As marcas precisam entender o comportamento do consumidor e agregar algo a suas vidas, ao seu dia a dia, às suas lutas. No último ano, as publicações de marcas no Facebook passaram a ter menos peso na timeline, perdendo para publicações de familiares e amigos. Se por um lado isso reflete a necessidade do Facebook de incrementar seu faturamento, por outro a rede social entende que o interesse do consumidor não é ver propaganda em sua timeline. E por isso as marcas que fazem no Facebook o famoso “feijão com arroz publicitário” terão muitos problemas este ano. As redes sociais viraram um ambiente onde a geração Y busca e defende suas causas, seja o “Fora-Trump” ou o combate à homofobia e racismo, as causas estão lá, todos os dias. Assim como as notícias, falsas ou não. Diria que Causas, Amigos e Busca de informação se tornaram os grandes motivadores para o acesso a estas redes. Se o conteúdo das marcas não contribui para um destes três pilares, há algo errado na comunicação on-line desta marca. Muitas marcas também possuem telhado de vidro, e correm ainda mais riscos em não serem transparentes nas redes sociais.
Portal do Shopping – Você afirma que marcas serão protagonistas de inclusão e autenticidade. Quais os melhores caminhos para chamar para si este protagonismo?
Alessandro Lima – Ano passado, a LeanIn.org e McKinsey realizaram um estudo com 132 empresas dos EUA e concluiu que apesar de todos os avanços sociais, nas corporações americanas de 2016 as mulheres ainda estão muito atrás dos homens em igualdade de oportunidades. As mulheres são apenas 18% do C-level e as mulheres não-brancas ocupam apenas 3% destes cargos. Para se destacar neste ambiente uma marca precisa se engajar. Marcas não-engajadas, que estão em cima do muro, perderão cada vez mais espaço. No Brasil, porém ainda talvez estejamos um passo antes: como uma marca pode defender igualdade de gêneros se ela não tem salários iguais para homens e mulheres? Ou como promover o combate ao racismo e a homofobia se ela não pratica isso nas pequenas atitudes do dia a dia. Talvez as marcas ainda precisem encontrar e discutir suas causas antes de torná-las públicas e defendê-las.
Portal do Shopping – Nas redes, o discurso vendedor vem perdendo espaço. Você chama atenção para a cauda longa das causas sociais. Quais erros as empresas presentes das redes não podem cometer?
Alessandro Lima – Não é errado vender e ter um discurso vendedor. O problema é que cada vez menos gente liga para ele. Note como a Netflix nunca nos pediu para assinar seu serviço. Mas observem como a Netflix está sempre nas timelines, com histórias, sonhos e forte sentimento de diversão. Outro caso, o Nubank, se destaca pelo atendimento que faz nas redes sociais. Diria que nos dois casos, boas histórias e autenticidade são um componente importante para que o público se identifique com uma marca. Mas não podemos esquecer as causas. Outro erro é querer enviar a mesma mensagem para todo mundo. Fazemos mídia no Facebook como se tivéssemos fazendo um comercial no Fantástico: uma única peça, imutável para uma segmentação única. É como os primeiros filmes mudos, que pareciam um teatro filmado. Se há a possibilidade de fazer anúncios para mulheres que vão ao Shopping Morumbi, gostam de Roberto Carlos e têm interesse por capoeira, porque continuamos usando as segmentações sócio-demográficas tradicionais? E por que temos um único anúncio? É preciso esquecer o modo antigo de se trabalhar e pensar nas novas possibilidades e usar os dados para saber se o que a Netflix e o Nubank fazem, funciona para sua marca. É preciso testar, mudar, testar novamente até chegar próximo do resultado que queremos. Errará a marca que usar fórmulas antigas no novo mundo.
Portal do Shopping – Como uma tendência para 2017 você afirma: menos content marketing, mais causas nas timelines corporativas. Como abraçar uma causa sem parecer “superficial”.
Alessandro Lima – Creio que o ideal é a marca se conhecer. A regra número 1 é: não defenda uma causa para a sociedade se, internamente, com seus colaboradores, esta causa ainda é tabu. Igualdade de gêneros? Tudo bem, desde que seja praticada na remuneração dentro da própria empresa. Combate ao racismo? Desde que funcionários ou clientes não sofram com pessoas mal treinadas no ponto de venda. Enfim, causas podem mobilizar, mas há um risco muito maior do que a famosa propaganda de margarina. É preciso refletir sobre a melhor causa ou adotar uma causa ainda não defendida, mas que já é importante para um grupo de consumidores.
Estudando o universo das mães millennials recentemente descobrimos na E.life que estas novas mães falam em adotar um tipo de alimentação para seus filhos pequenos que prioriza alimentá-los quando eles têm fome, e não de hora em hora como nas gerações anteriores. Este novo hábito, discutido abertamente em redes sociais, pode eventualmente ter aprovação de médicos e se tornar uma causa importante para uma marca de comida para bebês. É preciso estar atento, monitorando, ouvindo para descobrir novos comportamentos e novas causas. É o que vem acontecendo recentemente no Brasil com o movimento low-poo, onde as mulheres descobriram que não precisam obrigatoriamente terem cabelos lisos e devem procurar produtos específicos para o cabelo brasileiro.
Portal do Shopping – Quais conselhos você dá para as empresas presentes nas redes, em face destes desafios?
Alessandro Lima – Acho que o principal conselho é: seja autêntica, fale numa linguagem humana e próxima. Ninguém está interessado na sua embalagem, mas nas suas causas, nas suas histórias como marca. A venda se torna uma consequência da venda de um conceito.
Fonte: Abrasce