CEO do Magazine Luiza vê melhora nas lojas neste trimestre e fala dos ajustes feitos na companhia
Por Adriana Mattos
Há um ambiente mais positivo se formando entre investidores estrangeiros, em relação aos ativos brasileiros em bolsa, com sinais mais claros de um momento de virada em termos de entrada de recursos externos, diz Frederico Trajano, presidente do Magazine Luiza. O executivo vem recebendo gestores com maior frequência – parte da agenda de abril está voltada para isso – e diz que, apesar do ambiente macroeconômico difícil, num ano eleitoral, há fatores que pesam favoravelmente.
“Economicamente, ainda é um cenário complexo. Inflação e juros altos, PIB com tendência à estagnação ou levemente negativo. Mas hoje este é um quadro já dado, que já se esperava para este início de ano”, diz. “As medidas que estão sendo tomadas pelo BC estão corretas e hoje a questão fiscal está mais equacionada. Aquelas discussões passadas, muito heterodoxas, baixaram de tom. É uma situação no curto prazo ainda ruim, mas com tendências de melhora.”
Trajano cita ainda a queda no dólar, que está levando as redes a fazerem pedidos de novas compras a preços menores, e o efeito da desaceleração da economia nos EUA. “Está sobrando produto no mundo, com os americanos subindo juros e a demanda parando, e a Rússia, que comprava 5 milhões de IPhones ao ano, parou de receber”.1 de 1 Trajano, do Magalu: “Do ponto de vista político, caminhamos para um dos polos. Vejo pouco espaço para uma terceira via” — Foto: Julio Bittencourt/Valor
Trajano, do Magalu: “Do ponto de vista político, caminhamos para um dos polos. Vejo pouco espaço para uma terceira via” — Foto: Julio Bittencourt/Valor
Duas semanas atrás, após apresentar números abaixo do esperado por analistas no quarto trimestre de 2021, a ação de Magazine fechou o pregão em queda de 8,6% e acumulava recuo de 25% no ano. Relatórios de bancos revisaram o preço-alvo da ação, mas mantiveram recomendação de compra do papel – desde a publicação do balanço, a ação subiu 29% (no ano todo, cresce 2%). O recado que vem sendo dado ao mercado pelo comando do grupo é de que há uma tarefa feita dentro de casa, com congelamento de contratações e repasses de pressões em custos aos preços. E que as vendas em lojas dão sinais de recuperação, com um primeiro trimestre melhor que os três últimos meses de 2021.Estamos conseguindo [comprar] mais quantidade de produtos com custos menores em função do dólar em queda”
Em maio, a empresa se prepara para sair numa “caravana digital”, visitando centenas de cidades pelo país na busca por lojistas para sua plataforma on-line – com direito à presença do CEO e de Luiza Trajano, presidente do conselho de administração. A seguir, os trechos da entrevista concedida ontem, na sede do grupo:
Valor: O sr. acha que há um movimento de inflexão em termos de percepção do Brasil pelos mercados? Porque há essa liquidez de recursos no mundo, mas também há um quadro de incerteza. Como vê o país e o Magazine Luiza inserido nisso?
Frederico Trajano: O que eu tenho sentido mais claramente é um aumento muito grande da demanda de investidores internacionais para conversar conosco. Inclusive, temos recebido vários aqui presencialmente na arena [Arena Magalu, sede da empresa]. São grupos de cinco, dez investidores vindo para o Brasil, com perguntas muito construtivas e visão de longo prazo. Em relação ao Magalu, quando o investidor vem com esse nível, ele vem com interesse em aumentar a posição no país e na companhia. São muitos fundos diferentes, muitos dos quais nunca vieram ao Brasil ou que nunca me visitaram antes. Eu me lembro que em janeiro houve um aumento de fluxo de estrangeiros na bolsa e muitos comentavam ‘ah, tomem cuidado que pode ser temporário’. Só que a quantidade de entradas continua aumentando e a sua qualidade também. Há a crise na Rússia, que antes absorvia muito desse capital, e na América Latina não temos tantos países num bom momento. E o nosso cenário eleitoral está meio já desenhado, de uma maneira que não parece que vai haver grandes surpresas. O investidor com posição fundamentalista de longo prazo está olhando o Brasil esperando pelo momento certo para montar posições grandes. Então eu vejo uma mudança de ‘mood’, e esse capital antecipa o que acontecerá à frente. E a gente tem ouvido isso também de outras empresas. Acho que estamos possivelmente no momento de virada em termos de entrada de recursos externos na bolsa.
Valor: Então, há efeitos positivos ao país nesse cenário global, mesmo num ambiente eleitoral, que sempre afeta o humor dos mercados, e os indicadores ‘macro’ ainda ruins?
Trajano: Vamos separar o cenário macroeconômico do político. Economicamente, é um quadro ainda complexo e difícil. Inflação e juros altos, PIB com tendência à estagnação ou levemente negativo. Mas hoje este é um cenário dado, que a gente já esperava para este início de ano. As medidas que estão sendo tomadas pelo Banco Central estão corretas [alta nos juros] porque não há nada pior que o câncer da inflação. A segunda questão é a fiscal, que me parece mais equacionada. Aquelas discussões do ano passado, muito heterodoxas, baixaram de tom. É uma situação no curto prazo ainda ruim, mas com tendências de melhoria no longo prazo, tanto é que esse fluxo está vindo pra cá. Do ponto de vista político, tudo indica que caminhamos para um dos polos, e acho muito difícil que algo se configure de maneira muito diferente do desenhado agora.
Valor: O sr acha difícil uma terceira via a essa altura?
Trajano: Eu acho. Eu trabalho com internet há 22 anos, e a gente consegue entender muito bem o padrão das redes, o que viraliza, há uma relação muito simbiótica hoje das redes com a população, e a rede social tende a polarizar. Então acho muito difícil nesse momento, que haja algo vindo do centro. Vejo pouco espaço para uma terceira via, infelizmente. Mas não sou especialista em mercado, e quero frisar bem isso. O que pode atenuar um pouco essa situação é a eleição do Congresso Nacional, com novos nomes aparecendo, e acho que deveríamos fazer esforço de bons e novos nomes para Câmara e Senado.O que essas plataformas [estrangeiras] estão fazendo é digitalizando a sonegação, o contrabandista e a pirataria”
Valor: A empresa tem um cenário de curto prazo mais difícil, e no longo prazo, o sr. vem reforçando essa questão estratégica, que não mudou após crise. Pode detalhar melhor esses cenários?
Trajano: Eu administro essa empresa com foco no longo prazo, mas a gente tem ciclos, e para chegar no longo prazo tem que passar pelo curto prazo também, pelas volatilidades. Entramos no novo ciclo em 2019, voltado para nos transformamos numa plataforma digital com pontos físicos e calor humano. Com uma estratégia muito baseada no modelo de ecossistema, diversificação de categorias, nível de serviço alto, entrega rápida, novas fontes de receita. E usar o que estamos desenvolvendo para digitalizar o negócio analógico [por meio da plataforma de marketplace]. O foco é ajudar os 6 milhões de varejistas brasileiros a se digitalizarem. Há 6 milhões de varejistas físicos no Brasil e só 160 mil vendendo on-line. Se você pegar o Magalu pós-pandemia, a gente dobrou de tamanho. A gente triplicou o nosso comércio eletrônico e quadruplicou o marketplace. Temos 160 mil “sellers” [vendedores] no marketplace, a grande maioria vem desse mundo analógico e nunca vendeu no digital antes. Saímos da pandemia com números que indicam que a gente está caminhando muito bem do ponto de vista de longo prazo.
Valor: E sobre essa questão de que vocês sentiram mais a desaceleração nas vendas no fim de 2021 e o efeito no curto prazo?
Trajano: A gente esperava um segundo semestre muito mais pujante do que efetivamente aconteceu, mas acho que ninguém esperava inflação e juros tão altos no segundo semestre.
Valor: Mas já havia uma sinalização de que venda desaceleraria e vocês sempre conseguiam antever…
Trajano: A desaceleração foi mais forte do que todo mundo esperava. Você pega o boletim da Focus e vê, ninguém conseguiu antever o cenário de inflação e juros tão altos.
Valor: Olhando 2022 e 2023, o que tem sido feito pela empresa para esse período?
Trajano: Do ponto de vista de curto prazo o que nós fizemos foi um ajuste de dimensionamento da companhia, como por exemplo, em termos de redução de estoque, porque a demanda por bens discricionários caiu [após o terceiro trimestre]. Houve uma queda de mais de 20% em lojas físicas. Em termos de estoque, de área de armazenagem, contratos publicitários, e quadro [de pessoal]. Então entregamos anexos de centros de distribuição, reduzimos ou cortamos contratos de terceiros e redimensionamos o quadro. Nós fechamos a porta da entrada.
Valor: Então congelaram vagas e também demitiram?
Trajano: Fizemos algum ajuste interno e congelamos vagas, porque o “turnover” do varejo é alto. E o problema da demanda está mais em loja, logo, você consegue ajustar basicamente fechando a porta de entrada.
Valor: Quando essas medidas darão resultado?
Trajano: Acho que a partir de março, mas com certeza já no segundo trimestre. Então já estamos agora num nível adequado para a demanda atual, e em termos de estoque também. A gente também já repassou um pouco do aumento de custo das mercadorias [efeito da inflação] para o preço, e passamos a cobrar juros no parcelado, porque praticamente toda venda era sem juros. Então há uma série de medidas aqui de impacto em aumento da margem bruta.
Valor: A empresa tem que tomar medidas para ajustar o negócio à outra realidade agora e, ao mesmo tempo, tem que manter uma estratégia em investimentos, que de certa forma também impacta nos números. Como gerir isso?
Trajano: Como a estratégia da empresa está muito baseada no marketplace, isso são outras linhas do negócio. E ele acaba ajudando no curto prazo também. O que aconteceu com o marketplace é que os investidores estão cobrando das plataformas maior rentabilidade, e todo mundo veio revisando suas condições [dos contratos comerciais com lojistas]. Fizemos isso em fevereiro e o mês foi histórico pra companhia, pois o marketplace passou a vender mais do que as lojas físicas em fevereiro.
Valor: O marketplace continuou sendo maior que as lojas em março e isso é tendência mais gradual daqui para frente?
Trajano: Sim, e não é gradualmente, não. Vai abrir mais [essa diferença]. Mas a loja também está melhor no primeiro trimestre, até pela base de 2021, do que esteve no quarto trimestre e o faturamento do varejo físico vai melhorar no segundo semestre.
Valor: Depois da publicação do balanço do quarto trimestre, os analistas citaram em relatórios alguns desafios do Magalu, como rentabilizar os investimentos, escalar e rentabilizar soluções financeiras e o ambiente mais competitivo com outras plataformas ficando mais robustas, como Americanas. Como o sr. entende essas questões?
Trajano: Eu tenho falado com inúmeros investidores do Brasil e de fora. Acho que eu tenho zero ‘push back’ na nossa estratégia, nenhum questionamento em relação a isso. E todas as questões que eu tenho tido de investidores são referentes ao curto prazo, às lojas físicas, bens discricionários. Até porque, quadruplicamos marketplace, o TPV [transações de pagamento] atingiu R$ 65 bilhões em 2021, são 7 milhões de clientes com cartão de crédito e 5 milhões de contas digitais. Todos os negócios novos estão indo bem tanto em receita como lucro. Então o único “push back” do mercado em relação ao Magalu é o curto prazo.
Valor: O mercado está mais racional, mais focado em rentabilidade, mesmo com competição forte?
Trajano: Desde que assumi como CEO, a gente deu o lucro seis anos e gerou caixa em cinco dos seis anos. O que aconteceu no ano passado foi a desaceleração, e um mercado com os juros mais altos acaba exigindo que as empresas equilibrem melhor crescimento com rentabilidade. E esse é o lugar que a gente gosta de estar. Juros altos exigem que os “players” operem com maior racionalidade, diminui a liquidez daquele que é absolutamente ineficiente e que a acaba conseguindo levantar capital só com narrativa. A gente tinha “player” no Brasil operando com zero de “take rate” (taxa de comissão no marketplaces). Eu cheguei a ouvir declarações que “take rate” é um detalhe. Há um movimento voltado a um melhor equilíbrio entre crescimento e rentabilidade.
Valor: Ao mesmo tempo que há cobrança do mercado por maiores retornos, vemos marketplaces queimando caixa e sendo acusados de operar plataformas com venda de produtos falsificados ou que sonegam impostos. Parece que temos dois “Brasis”?
Trajano: O Brasil é um dos maiores mercados do mundo, então ele naturalmente vai atrair todas as plataformas. Para ter escala, ser rentável e cumprir a legislação tem que ser muito eficiente. Existem plataformas que acabam compensando a sua ineficiência e conseguindo lucros ou receitas de movimentações que são ilegais. Vendem um celular com o preço de capinha. O ponto é que essa evasão fiscal poderia bancar um Bolsa Família de R$ 600 por um período longo. Ou poderia aumentar investimentos em educação e saúde. Mas isso está indo para plataformas que ganham em cima da venda de “sellers”, na maioria, estrangeiros, que estão ganhando e até tirando empregos das empresas brasileiras.
Valor: Mas o sr. acha que o brasileiro já entendeu isso? Parte da população compra esses produtos nessas condições.
Trajano: O cidadão, o consumidor compra o produto mais barato, mas não percebe que tem uma economia pior porque não gera arrecadação de imposto para ele mesmo. Você não tem uma boa saúde, uma boa educação porque está tendo uma evasão fiscal enorme. É fruto de uma vista grossa que nós estamos fazendo. Não podemos ser coniventes com a sonegação porque achamos que pagamos muito imposto. O que essas plataformas estão fazendo é digitalizando a sonegação, elas tão digitalizando o sonegador, estão digitalizando o contrabandista e a pirataria.
Valor: Qual o efeito da guerra no leste europeu na cadeia de suprimentos e da queda do câmbio?
Trajano: Segundo nossas conversas com fornecedores há um cenário de melhora, e eu diria significativa. Há um aumento de juros nos Estados Unidos freando a demanda americana, que antes estava consumindo todos os produtos produzidos no mundo. E alguns fornecedores que tinham um mercado grande na Rússia viram isso cair muito. A Apple chegou a vender 5 milhões de iPhones na Rússia. Sinto que vamos ter uma normalização da cadeia suprimentos após o segundo trimestre. Estamos conseguindo mais quantidade com custos menores em função do dólar em queda. Então, estamos reduzindo estoque para a chegada de novo mais barato. A pressão hoje que há é no aço, na indústria de linha branca.
Valor: O Magalu vai expandir a atuação para outras categorias no marketplace? As aquisições de negócios devem se manter?
Trajano: Vamos focar na integração dos negócios, fizemos 20 aquisições recentemente e estamos mais focados em integrar isso agora. A KaBuM, por exemplo: temos uma perspectiva excepcional pra esse universo “gamer”, e a KaBuM vai entrar em outros segmentos também, e não só a venda de hardware. Nós vamos ter os nossos próprios jogos. Na categoria de mercado [alimentos], estamos trazendo parceiros novos para o marketplaces por meio da VipCommerce. Ela ajuda esses varejos a vender diretamente a seus clientes. Estamos em fase de teste com 10 lojas em Belo Horizonte, São Paulo e Campinas. Há 300 clientes da Vip em 280 cidades e a ideia é que eles entrem em nossa plataforma.
Valor: Então vocês não pretendem comprar uma operação de alimentos grande?
Trajano: A gente acredita que negócios com tíquete baixo, como alimentos, têm que ter entrega local, têm que ser feitos pelo varejo local. Claro que eu não digo que nunca vai ocorrer [uma aquisição maior no segmento alimentar]. Mas o que quero deixar claro é que há esse esforço da empresa em trazer o varejo local para dentro da empresa. Há milhões e milhões de negócios analógicos que não vendem on-line. Para mim, isso vai ser um dos grandes motores de crescimento. Nessa linha, estamos montando um projeto que chamamos de caravana digital.
Valor: O que é a caravana?
Trajano: Nós vamos rodar centenas de cidades a partir de maio e já começamos com o piloto em março. Já fizemos esse mapeamento, que ainda vamos divulgar. Será uma caravana com a presença de minha mãe, junto com nossa equipe e todo o ecossistema de negócios do Magalu. Vamos atrás de novos “sellers” que querem vender no Magalu, no KaBum, na Netshoes, e esse vendedor vai ser avaliado e credenciado e ter acesso a nosso ecossistema. Vamos passar dias nas cidades trabalhando nisso, dentro dessa ideia de digitalizar todas as cidades por onde a gente passa. Eu vou entrar nessa, também estarei nas visitas. Nós acreditamos que nosso forte é o nosso calor humano e ficamos dois anos falando no on-line, mas nós temos isso de gastar sola de sapato e de barriga no balcão.
Fonte: Valor Econômico