O Magazine Luiza amplia seu ecossistema digital com a compra do e-commerce de livros Estante Virtual e o desenvolvimento de ofertas de pagamentos e de tecnologia. E se arma para enfrentar o avanço de Amazon, B2W e Via Varejo. Lu, a personagem virtual do Magazine Luiza De um valor de mercado de R$ 3 bilhões, em 2011, a uma avaliação atual próxima dos R$ 95 bilhões. O caminho percorrido pelo Magazine Luiza desde a sua abertura de capital é um tema de constante discussão entre investidores e analistas. Volta e meia, a empresa é apontada como o exemplo brasileiro a ser seguido na difícil transição do varejo para uma estratégia multicanal. Durante essa trilha bem-sucedida, consolidada em meio a uma das piores crises do País e do setor, a varejista acostumou-se a dividir esses elogios, no entanto, com os questionamentos sobre a ameaça representada pela Amazon. A empresa fundada por Jeff Bezos chegou ao País em 2012, um ano depois da abertura de capital da companhia brasileira. Embora negue constantemente que essa sombra permeie suas estratégias, o Magazine Luiza não tem medido esforços para encorpar seu negócio. E para ter condições de competir em pé de igualdade quando a gigante americana mostrar, enfim, todas as suas garras no mercado brasileiro. O exemplo mais recente dessa disposição veio justamente em uma categoria na qual a Amazon começou a fazer sua história. No fim de janeiro deste ano, o Magazine Luiza encaminhou a compra da Estante Virtual, e-commerce brasileiro de livros novos e usados. O martelo foi batido em um leilão realizado em São Paulo, como parte do processo de recuperação judicial da Livraria Cultura, controladora do site. Responsável pelo único lance no certame, a varejista arrematou o ativo, avaliado em R$ 44 milhões, com uma proposta de R$ 31 milhões. Sem alarde, a empresa levou para dentro de casa uma plataforma com seis mil vendedores e um acervo de cerca de 18 milhões de títulos. A aquisição reforça a presença do Magazine Luiza em livros, uma categoria que a companhia passou a explorar em abril de 2019, com um catálogo inicial de 240 mil títulos. E é mais um capítulo da estratégia que a varejista vem escrevendo nos últimos anos. “O Magazine Luiza está acelerando a migração de seu modelo sob a perspectiva de que vai ter uma Amazon competindo de forma mais agressiva no Brasil”, afirma Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail. “E de que, em algum momento, possa ter chinesas como o Alibaba desembarcando de vez no País”. Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza Procurado, o Magazine Luiza não retornou ao pedido de entrevista do NeoFeed. É fato, porém, que a compra de marcas fortes em suas respectivas categorias tem sido um dos nortes da empresa para diversificar a sua oferta e se preparar para um novo ambiente de competição. E não é de hoje. Foi assim em agosto de 2013, quando a rede desembolsou R$ 25,6 milhões para adquirir a Época Cosméticos. O ponto alto dessa estratégia, entretanto, veio em junho de 2019, com a aquisição da Netshoes, por R$ 448 milhões. Com o acordo, além de expandir sua atuação no segmento de artigos esportivos, o Magazine Luiza incorporou as marcas Zattini e Shoestock, de moda, calçados e acessórios. Essas últimas categorias estão entre as que mais crescem no e-commerce brasileiro. Segundo a Ebit Nielsen, as encomendas online de moda e acessórios lideraram os pedidos no primeiro semestre de 2019, com uma fatia de 18% do total, ao lado de perfumaria, cosméticos e saúde. Para Serrentino, as aquisições sinalizam o caminho traçado pela companhia para deixar de ser uma empresa de varejo puro e se consolidar como um ecossistema, muito mais focado em tecnologia e serviços. “O plano é ter uma base sólida de clientes, de dados e categorias que tragam volume e maior recorrência”, diz. “E com terceiros que gravitem no entorno dessa plataforma e permitam escalar o negócio rapidamente.” A ponta dessa estratégia é o marketplace que, até pouco tempo, funcionava como uma extensão do negócio. Na prática, o Magazine Luiza “protegia” as vendas das lojas físicas e do e-commerce ao oferecer, nesse formato, apenas produtos e categorias que não eram comercializadas em seus canais tradicionais. O balanço do terceiro trimestre de 2019 mostra, porém, que essa visão ficou para trás. Entre julho e setembro, o faturamento do marketplace do Magazine Luiza cresceu 300%, para R$ 854 milhões. O montante representou 26% das vendas do e-commerce. No período, a rede adicionou mais de 3 mil novos vendedores à plataforma, superando a marca de 11,4 mil parceiros, com cerca de 12 milhões de produtos disponíveis. Entre julho e setembro de 2019, o faturamento do marketplace do Magazine Luiza cresceu 300%, para R$ 854 milhões A importância desse modelo ficou clara em evento realizado pela companhia em setembro do ano passado, em São Paulo, o primeiro voltado aos parceiros do marketplace. “Com a loja física, nós demoramos 43 anos para faturar R$ 1 bilhão. E com o e-commerce, dez anos”, afirmou Frederico Trajano, CEO da rede, em sua palestra. “Já com o marketplace, em apenas três anos, vamos gerar mais de R$ 2 bilhões em vendas. Esse é o poder de pensar como uma plataforma.” Inspiração De um lado, a presença local da Amazon e a perspectiva da entrada de rivais chinesas no País ajudam a entender esse e outros movimentos do Magazine Luiza nos últimos anos. Ao mesmo tempo, é notório que a varejista busca referências na mescla dessas duas correntes para consolidar um novo modelo de negócios. Sem, no entanto, deixar de trazer um tempero próprio a essa receita. Se a gigante americana representa uma ameaça mais próxima, a maior inspiração parece vir de empresas do país da Grande Muralha. Enquanto na Amazon, as vendas diretas ainda têm um peso considerável, na China, nomes como Alibaba baseiam boa parte de seus esforços em seus respectivos marketplaces. Outras tônicas no modelo asiático são a construção dos chamados superapps e a oferta de uma gama de produtos e serviços digitais no entorno do negócio principal. Em especial, em segmentos como finanças e entretenimento. O Alibaba, por exemplo, é o controlador da Ant Financial, startup avaliada em US$ 150 bilhões e responsável pelo Alipay, aplicativo de pagamentos com 1,2 bilhão de usuários. Dona de negócios como o WeChat, a Tencent é mais uma a investir nesse filão. Mais do que um serviço de mensagens instantâneas, o aplicativo permite fazer transferências de dinheiro e pagamentos diversos, tanto em lojas físicas como em canais online. No terceiro trimestre, a divisão de serviços financeiros e empresariais do grupo apurou uma receita de 26,7 bilhões de yuans (US$ 3,7 bilhões), alta de 36% na comparação anual. “O foco chinês em marketplaces e em áreas como pagamentos tem sido uma das influências na construção do ecossistema digital do Magazine Luiza”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Um exemplo recente desse direcionamento foi dado em meados de dezembro. Durante um evento para analistas e investidores, o Magazine Luiza anunciou o lançamento de serviços financeiros, em duas vertentes, a partir de janeiro deste ano. Voltada aos consumidores e alinhada com o plano de impulsionar o modelo de superapp da varejista, a primeira delas envolve uma carteira digital, com a possibilidade de realizar saques, depósitos, pagamentos e transferências. Já a segunda linha inclui sistemas de pagamentos e serviços como antecipação de recebíveis para os parceiros que compõem o marketplace do Magazine Luiza. Em contrapartida, tecnologia e logística são componentes nos quais a empresa brasileira tem a Amazon como um espelho. Depois de construir uma infraestrutura tecnológica de grande porte para apoiar sua operação, a companhia americana estendeu essa oferta a terceiros, a partir da Amazon Web Services (AWS), braço que faturou US$ 35 bilhões em 2019. O Magazine Luiza está seguindo essa mesma trilha. Em 2019, a empresa passou a investir em um portfólio de softwares e aplicações para seus parceiros de marketplace. Além de começar a compartilhar sua infraestrutura de logística e sua rede de 1.030 lojas físicas com esses vendedores. Uma tática muito adotada pela Amazon, o uso dos pontos-de-venda como mini-hubs de distribuição é outra frente que está ganhando corpo. Embora a Amazon e as chinesas venham apostando nessa seara em suas operações no exterior nos últimos anos, no Brasil, o canal ainda é inexplorado por essas gigantes. “Nenhum desses ecossistemas nasceu no varejo físico”, diz Terra. “Se o Magazine Luiza tem de consolidar sua migração digital, esses outros rivais têm o desafio de fazer o caminho inverso.” Nessa frente, o Magazine Luiza também tem direcionado esforços para ampliar a sua presença. Em 2019, a rede investiu, por exemplo, em sua expansão para a região Norte, em estados como o Pará e Maranhão. Ao mesmo tempo, a empresa fechou parcerias e pilotos com a Marisa e o Carrefour para a instalação de espaços próprios de vendas nas lojas dessas varejistas. “No fundo, o Magazine Luiza tem buscado fazer um híbrido das referências chinesas e americanas com o seu DNA no varejo brasileiro”, afirma Terra. Inspirações à parte, o fato é que a estratégia do Magazine Luiza segue mostrando resultados e agradando investidores e acionistas. No acumulado de janeiro a setembro de 2019, a empresa apurou uma receita líquida de R$ 13,5 bilhões, alta de 23% sobre o mesmo período do ano passado. Neste ano, as ações do Magazine Luiza já acumulam uma valorização de 18% Na mesma base de comparação, o lucro líquido saltou de R$ 407,8 milhões, no primeiro semestre de 2018, para R$ 753,8 milhões. E neste ano, as ações da companhia estão sendo negociadas na faixa de R$ 57 e já acumulam uma valorização de 18%. Em relatório recente, o BBI ressaltou as boas perspectivas da varejista. “Estamos confiantes na capacidade do Magazine de manter um crescimento sustentável. Em nossa opinião, a empresa se destaca de seus pares devido ao seu histórico e à sua rede logística diferenciada”, escreveu a analista Georgia Jorge, que destacou ainda iniciativas como o investimento no segmento de pagamentos, que reforçam a estratégia de superapp da rede. Concorrência A aceleração das estratégias do Magazine Luiza coincide com um novo momento da Amazon no Brasil. A empresa chegou ao País no fim de 2012 trazendo na bagagem o leitor de livros eletrônico Kindle. Pouco a pouco, a companhia acrescentou ofertas a esse portfólio, a começar pelos livros físicos, em 2014. Na sequência, vieram o marketplace e categorias como eletrônicos, moda e esportes. “Eles sabiam que o mercado brasileiro era complexo e demandava tempo. Mas essa fase de aprendizado acabou”, diz Serrentino. “Desde 2019, é visível que estão acelerando o passo no País. E quando chegam a esse estágio, a estratégia é brutal.” Ele cita como exemplo a estratégia agressiva de lançamento, em setembro, da versão local do Amazon Prime, plataforma que inclui a oferta de frete gratuito para produtos comprados pelo site da varejista e o acesso a serviços de streaming de vídeo e de música. O avanço do serviço no País foi destacado no balanço com o resultado global da companhia em 2019. “Desde o lançamento, em setembro, o Brasil registrou o crescimento mais rápido de assinaturas pagas do Prime na história da Amazon”, escreveu a Amazon, em comunicado divulgado em 30 de janeiro. A menção foi comemorada por Alex Szapiro, vice-presidente e principal executivo da Amazon no Brasil. Em postagem no LinkedIn, ele destacou que o comentário refletia “o trabalho incansável do talentoso time local na busca contínua” para melhorar a experiência dos clientes brasileiros. Desde o início de 2019, a Amazon investiu em quatro centros de distribuição próprios no Brasil Outro fator que reforça essa nova fase é a construção de uma infraestrutura própria de logística. Desde o início de 2019, a Amazon investiu em quatro centros de distribuição locais, sendo três em São Paulo e um no Recife. Nos últimos meses do ano passado, a empresa acelerou essa estratégia, na esteira do sucesso do Prime. Para as fontes consultadas pelo NeoFeed, a gigante americana não é, no entanto, o único ponto de atenção no caminho do Magazine Luiza. Esse cenário passa também por rivais mais tradicionais e próximas da varejista. “No curto prazo, é preciso olhar o Mercado Livre, que é o grande marketplace do País”, diz Terra.
Fonte: Têxtil e Indústria