Por Laura Ré | No dia a dia atual, super conectado, as compras online se tornaram parte da rotina de muitos consumidores. A conveniência, a facilidade e o conforto na hora de comprar certamente contribuem para o avanço das “vitrines virtuais”, mas não substituem papel importante dos ambientes físicos, capazes de proporcionar uma experiência tangível e emocional, impossível de replicar no online.
No dia a dia atual, super conectado, as compras online se tornaram parte da rotina de muitos consumidores. A conveniência, a facilidade e o conforto na hora de comprar certamente contribuem para o avanço das “vitrines virtuais”, mas não substituem papel importante dos ambientes físicos, capazes de proporcionar uma experiência tangível e emocional, impossível de replicar no online.
É o que defende a arquiteta Renata Gaia com base na sua atuação no segmento (responsável por projetos para grandes nomes como FARM, Shoulder e Hering) e também em insights fruto de visita feita por ela à edição 2024 do Retail’s Big Show, evento realizado em Nova York pela NRF (National Retail Federation, ou Federação Norte-americana do Varejo, em tradução livre), maior associação do setor no mundo.
Em entrevista a HAUS, a arquiteta fala sobre a importância de um bom projeto arquitetônico para o sucesso de uma loja física. Confira:
HAUS – Qual a sua visão, como arquiteta, sobre a importância do ponto físico depois da revolução das compras online?
RG – O ponto físico sempre vai ser muito importante: 85% das vendas ainda são feitas na loja. Claro que a compra online aumentou muito, mas a loja física é o momento de conexão, ela é a encarnação do que é a marca. Então, a relação com o cliente é criada no ponto físico e ele não vai morrer, essa é a realidade, mas o que vai fazer o consumidor ir até lá?
Tem que ter uma experiência muito legal para recebê-lo. A importância do físico é essa: é o ponto de contato, é quando se consegue viver aquela marca 360. É quando o cliente vai sentir o cheiro, o toque daquela marca, e se conectar de alguma forma.
Além disso, eu acho que a loja vai ter que se aproximar cada vez mais da compra on-line, principalmente na facilidade e na eficiência. O online é muito eficiente na venda, então o projeto arquitetônico tem que mirar nessa eficiência. Como arquitetos, precisamos pensar o que podemos fazer para facilitar a ida do cliente até a loja, como agilizar o pagamento, isso tem que se aproximar muito do online.
Por outro lado há toda aquela experiência da arquitetura: o cuidado com os materiais, a iluminação, com a maneira como o produto vai estar exposto, com o mobiliário, o conforto dos provadores, até o acesso aos produtos. Eu acredito que tudo isso precisa ser pensado, é essa sensação que a gente precisa criar no ponto físico.
HAUS – Como a arquitetura pode influenciar no sucesso de uma marca na loja física?
RG – A arquitetura precisa transcrever no espaço físico tudo o que aquela marca é. É uma responsabilidade gigante! Quando você está no site, o que influencia na experiência do cliente é a fonte, a coloração, como você clica. Na loja, é o material que você pisa, o cheiro, a música, os revestimentos escolhidos para as paredes, a iluminação. Tudo pode agregar muito ao produto. Por exemplo, a luz que vai ajudar a valorizar o produto e direcionar o cliente a comprar mais também.
A arquitetura traduz o conceito da marca, mas o nosso trabalho como arquiteto é mergulhar na marca e transcrevê-la no espaço físico. O que uma mesa, uma cadeira ou uma poltrona vai dizer sobre aquela marca? Se a FARM fosse uma mesa, se a Shoulder fosse uma cadeira, qual seria? Cada vez mais o arquiteto precisa trazer essa identidade da marca para todos os elementos. Qualquer elemento presente na loja precisa contar a história da marca, porque senão o cliente compra no site. Tudo que envolve aquele espaço precisa ser pensado para trazer uma experiência.
Eu acho que o papel do arquiteto é cada vez mais fundamental porque ele precisa trazer uma eficiência no layout, uma eficiência de venda, junto com uma experiência emocional, algo que vai te conectar o consumidor com a marca, emocionalmente.
Isso foi algo muito falado no evento da NRF: todas as lojas são flagships [em potencial] porque todas as lojas precisam trazer uma experiência diferenciada. Não é simplesmente entrar na loja, comprar e sair porque, se for assim você compra pelo site. Ou seja, toda loja precisa trazer uma experiência diferente.
Eles trouxeram um exemplo de uma loja da Yeti [especializada em caixas de gelo, copos, coolers e afins para uso outdoor] em Austin, Texas, que tem palco para shows, bar, são experiências que fazem com que a pessoa queira ir à loja. Então, o papel do arquiteto que trabalha hoje com varejo não é pensar que a pessoa tem que ir à loja (porque ela não tem que ir), mas pensar no que levará a pessoa até lá. Quais são as experiências e os diferenciais que você pode ter no ponto físico que farão alguém querer visitá-lo? Esse é um ponto fundamental.
No Brasil a gente tem um bom exemplo que é a loja conceito da Dengo [em São Paulo, que propõe uma imersão no universo do cacau e do chocolate, com a recriação de uma pequena fábrica e uma cozinha envidraçada, permitindo conhecer toda a produção, além de cafeteria e confeitaria, para a degustação]. A ideia é que todas as lojas sejam um pouco daquilo. É gerar esse sentimento de: eu quero ir naquela loja, conhecer aquele produto, viver a experiência, tomar um café lá, comer um chocolate, sabe? Eu quero “beber” dessa marca. E eu acredito que a loja tem esse papel. A compra online é muito distante nesse ponto e o arquiteto pode trazer esse diferencial.
HAUS – Você tem experiência com loja física. Quais são os pontos principais que você leva em consideração na hora de fazer um projeto deste tipo?
RG – Primeiro precisamos mergulhar muito na marca que estamos trabalhando, entender o produto, como é o dia a dia da loja e trazer soluções que vão ser eficientes (por exemplo, especificar materiais de baixa manutenção). O projeto precisa ter esse ponto de vista estratégico e eficiente, mas também precisa se conectar emocionalmente com o cliente, então, como você vai trazer essa emoção? Você pode trazê-la com uma experiência muito diferente, ou com materiais que vão remeter a isso. Tudo sempre como conectar com a essência da marca. Por exemplo, uma marca infantil, tentamos sempre ser bem lúdicos na escolha dos materiais, das texturas, em cores que vão vibrar e que vão criar essa conexão com o usuário.
Mas o que eu mais penso na hora de criar um projeto é: como traduzir a marca? Quais materiais que vão traduzi-la e como trazer isso para a experiência? Tem que ser inspiracional também, para sempre agregar e elevar o produto – como já falei, a iluminação, o acabamento, o material.
No escritório, nós tentamos mesclar entre materiais eficientes (por conta da manutenção), mas com um toque diferente no detalhe. Eu sempre miro em trazer essa experiência diferente e trazer algo que a pessoa entre [na loja] e fale “Uau! Como eles pensaram nisso? Por que pensaram isso?”. Porque, teoricamente, não precisava, né? O cliente só foi fazer uma compra… mas eu preciso ir além, preciso surpreender. Justamente porque a concorrência é a própria compra online. É muito cômodo e confortável você estar no sofá e comprar em casa, com um clique.
Isso está muito enraizado nos nossos pensamentos quando fazemos um projeto de loja: o que é esse “efeito uau”? Precisamos pensar em todos os detalhes para trazer algo diferente para promover conexão.
HAUS – Conte um pouco mais sobre a sua experiência no evento da NRF. Quais aprendizados você tirou de lá?
RG – A feira é muito legal e também muito voltada para tecnologia. Hoje o varejo é totalmente apoiado na tecnologia, principalmente em questões de logística e para facilitar o dia a dia do consumidor. O evento em si é bem pautado em estandes com soluções tecnologias para o setor, mas, por outro lado, o que eu mais gostei foram as palestras que acontecem durante o dia todo, com pessoas incríveis do mercado, como CEOs de várias empresas.
Alguns pontos que me chamaram a atenção foram que o varejo precisa sempre estar à frente. Se hoje está vendendo desse jeito, precisamos olhar e entender como podemos customizar cada vez mais a experiência e personalizar mais os produtos para que você realmente traga um diferencial.
Houve várias palestras legais como, por exemplo, com a CEO da Glossier, que acabou de abrir corners dentro da Sephora. É uma que marca tem 50% de branding awareness (ou seja, 50% da população conhece a Glossier), mas que só que tem 1% de market share, então eles não tinham distribuição. Analisando esses dados, eles se juntaram com quem tinha distribuição. Só que quando a Glossier, que é uma marca super conceito, entra em uma Sephora, que é muito mais sem identidade, eles querem entrar bem e forte, com a identidade deles.
Então, aqui, temos – de novo – a importância do físico: a Glossier poderia continuar vendendo online e nas suas lojas (que são poucas, mas incríveis e super impactantes), só que eles querem distribuir e escolheram uma collab. Como eles vão entrar forte nisso? Com design, com arquitetura, criando essa força. Como eu vou criar um microclima dessa marca dentro de outra marca gigante, que é a Sephora? Eu acredito que a arquitetura tem cada vez mais força, com identidade, com lastro e gravidade fortes, para contar a história da marca com o projeto mesmo.
Outro exemplo disso é a nova estratégia da Moët (marca de luxo de champagne). Eles estão investindo cada vez mais em espaços físicos porque todo mundo que vai comprar champagne vai na prateleira de um supermercado. Pode ser um lugar incrível, mas a relação de você comprar uma bebida de R$ 500 ainda é uma prateleira. Com design e com arquitetura, eles queriam descolar essa experiência, porque você está comprando luxo, mas está comprando em uma gôndola. No evento eles mostram vários exemplos de pop-ups da Moët: em shoppings de Dubai, em evento da Fórmula 1, eram mega designs para colocar um produto de luxo em um lugar de luxo, e não só em uma prateleira, entende? Essa é a força da arquitetura e do design, é o que a arquitetura pode trazer para um produto: descolar completamente a experiência e elevar aquele produto.
Esses foram insights que me trouxeram muito fôlego para continuar. Nós já fazemos isso no escritório, mas senti que o design autoral é a força. Fazer projetos de uma loja cada vez mais autoral, integrado com o branding, com o VM [Visual Merchandising]. Nessa lógica de que todas as lojas são flagships e que precisamos entregar uma experiência diferenciada, vamos ter que entrar em arquitetura e design com experiência, com identidade, em todos os pontos de contato com o cliente. Uma farmácia não precisa parecer um hospital, você pode trazer um material diferente, mais confortável ao usuário, porque senão – de novo – você compra online. Sempre precisamos tocar em alguma emoção e a arquitetura é esse transmissor de emoção.
Fonte: Revista Haus