Corrida pela entrega mais rápida envolve diferentes opções logísticas para reforçar a presença física do e-commerce nos grandes centros urbanos
Por Adriana Mattos
Desde o ano passado, a papelaria e “lan house” Aquarela, no centro de São Paulo, é ponto de retirada de produtos vendidos no Mercado Livre. Na gráfica rápida Babel Graf, na zona oeste da capital, vendedores do Mercado Livre, ou “Meli”, como os lojistas apelidam a empresa, podem deixar produtos já comercializados para a coleta das vans e também para retirada dos clientes. Uma placa na porta avisa que o local é parceiro do Mercado Livre, e da sua empresa de logística, a Kangu. “Isso tem tudo para crescer, mas não dizemos quantas agências temos, não é um número que queremos dividir”, desconversa o presidente Stelleo Tolda.
A escalada do varejo on-line na pandemia tornou a presença física em grandes centros ainda mais estratégica, na corrida dos “marktplaces” (shoppings virtuais) para ocupar mercado. Consultores calculam que é crucial ter um sistema de entrega ultrarrápido em 20% a 30% das cidades que respondem por 70% do consumo no país (cerca de 1,5 mil municípios).2 de 2 Tolda, do Mercado Livre: “Temos uma visibilidade que gera confiança” — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor
Ninguém discorda que um modelo logístico robusto e redondo tem mais chance de ganhar o jogo. Mas a pergunta central é: até que ponto é preciso ter loja para ser digital? É possível sair na frente tendo “apenas” uma boa rede logística sem loja?
Há claramente dois grupos em situações opostas: Magazine Luiza, Via e Americanas exploram o ponto físico, e Amazon e AliExpress, como “digitais puros”, seguem outro caminho. Mercado Livre tem ido para um modelo mais híbrido, com pontos parceiros.
As redes brasileiras são negócios que nasceram no mundo físico e lançam mão de suas lojas como uma das táticas centrais no universo digital – as três somam mais de 4 mil pontos no Brasil e têm mais da metade das vendas totais do on-line. De 2020 para cá, loja virou ponto de estocagem de produtos dos “marketplaces” para entrega da compra on-line, funcionando como “minihubs”.
No grupo dos estrangeiros, os chineses da Aliexpress, a americana Amazon e os argentinos do Mercado Livre replicaram por aqui os seus modelos globais. Há ajustes pelo meio do caminho lá fora – a própria Amazon vem abrindo aos poucos redes nos EUA, de supermercado a varejo eletrônico – mas por aqui, a estratégia tem sido ganhar tração espalhando a malha de logística mais pesada (centrais, “hubs” e “cross-dockings”, espécies de entrepostos de giro rápido).
“Se a minha estrutura sem loja consegue fazer o ‘last mile’ [entrega final] ser eficiente, loja para quê? Mas você pode pensar que loja é um ponto de fortalecimento de marca, da compra pela experiência, traz segurança ao cliente. Então, ok, faz sentido ter loja. Mas se eu já for uma marca global forte, ou investir em mídia, com atendimento nota 10, e um site interativo de alta excelência, vale a pena ter ponto? Pela complexidade da questão, não há uma resposta padrão, única”, diz André Bolonhini, sócio da Bain & Company.
“Essa é uma discussão em que cada um foca na vantagem que tem e tenta explorá-la ao máximo”, diz ele. “Esse é o grande debate que há no mundo hoje sobre os modelos de Amazon e Walmart”, completa Alberto Serretino, sócio e fundador da Varese Retail.
“A Amazon vem abrindo lojas de supermercados e de varejo eletrônico nos EUA. Mas não abre nos países em geral. Já o Walmart tem uma loja a cada duas horas de 70%, 80% dos lares americanos. Mas lá, ambas têm suas vantagens bem desenvolvidas, o varejo é muito maduro e digitalizado. Aqui é um digital em plena formação, que leva a todo esse questionamento”, acrescenta.
Para Serrentino, o problema no Brasil é a dispersão territorial. “É preciso escalar venda a custo baixo, o que é um desafio imenso. Não teremos modelo vencedor, mas grupos com soluções distintas”.
Dados de 2020 dão uma ideia dos ritmos de expansão dos grupos, mas são uma fotografia num período de pandemia, logo, fora da “normalidade” do setor. E sofrem efeitos de base de comparação mais fraca para alguns negócios. Ressalvas feitas, pelos números, as maiores expansões no ano passado, nesta ordem, foram Via (152%), Magalu (131%), Mercado Livre (60%) e Americanas (48%).
Para Magazine e Via, a defesa da loja como fundamental ao digital se baseia em alguns pontos: cerca de 30% a 50% das vendas de itens duráveis ocorrem pelo “click e retire” ou seja, o brasileiro vê valor nisso. A loja também diminui o custo de aquisição do cliente, porque quanto mais perto a rede está da casa do consumidor, menor o gasto logístico. E isso pode ser repassado ao preço, levando a todo um ciclo de ganho de mercado.
“Cada loja que eu abro numa cidade onde eu só vendia on-line, e não tinha ponto de venda, após a abertura o meu on-line cresce 40%, 45% a mais. Porque um canal puxa o outro”, afirma Abel Vieira, vice- presidente comercial e de operações da Via. “Quando você vende uma geladeira pelo aplicativo, o cliente sabe que a troca é mais simples na rede que tem loja. Ele acessa a linha de crédito pelo site, ou paga pelo nosso carnê digital, e se precisar trocar pode usar a loja. Como ele faz isso numa plataforma sem loja e sem crédito?”
Na visão do Magazine Luiza, a loja abre uma infinidade de caminhos. “Começamos a entregar produtos dos lojistas, depois a pegar os produtos neles e entregar, e agora a armazenar esses produtos nas nossas lojas. Se podemos usar lá na frente até a loja dele ou avançar para outras parcerias? Tudo são possibilidades, mas que podem evoluir porque temos o ponto físico”, diz Eduardo Galanternick, vice-presidente de negócios do Magazine, com 1,3 mil lojas. “Se o ponto é um negócio secundário e não central na estratégia, acho difícil fazer uma logística de excelência no Brasil”.
Para Serrentino, há uma estratégia possível que Amazon e Mercado Livre já traçam, e este último vem mostrando resultados. A Amazon não divulga números. “Nada disso que vemos hoje também é uma regra ‘inabalável’”, afirma o consultor. Ele lembra que, sem nenhuma loja, mas com sistema de centrais, “hubs”, entrepostos e agências, Mercado Livre entrega cerca de 75% de sua vendas em até 24 horas, acima das redes físicas. E 80% dos envios passam pelo seu sistema próprio de logística (era cerca de 30% há quatro anos).
“Esse modelo de ter agências parceiras nas capitais tem custo baixo para ele, e resolve o problema de quem mora em casa e não tem como receber pedidos”, diz Bolonhini. A empresa paga um valor fixo por pacote à agência, abaixo de R$ 1, dizem fontes. “Eles deram um salto no nível de serviço depois que investiram na rede própria de entrega, e utilizando de forma integrada o Mercado Envios e o Mercado Pago”. Neste ano, o investimento total é de R$ 10 bilhões. O grupo tinha só um centro de distribuição há três anos, e deve terminar o ano com oito.
Para Tolda, CEO do Mercado Livre no país, há ainda um efeito do crescimento da força da marca. “Temos nossas vans, aviões, todos envelopados, e um investimento em mídia consistente ano a ano, além de um avanço no nível de serviço que amarra tudo isso. É uma visibilidade que gera confiança”.
“Não acho que nesse mundo de mais facilidades, o ponto seja tão necessário. O fato de ganharmos escala há tanto tempo mostra que exploramos bem a tecnologia, cuidando da experiência do cliente. Pode ser que venhamos a ter loja? Até pode, mas hoje não vemos razão”, acrescenta. O grupo não revela se tem lucro ou prejuízo no país.
O foco na malha logística é também citada pelo diretor-geral da Amazon no Brasil, Daniel Mazini, para sustentar sua visão de operar sem lojas por aqui. A empresa chegou a ter quiosques para vender o leitor Kindle, mas fechou todos. “Hoje [no site da Amazon] você pode comprar o Kindle e os aparelhos da Linha Echo e experimentar por 30 dias grátis sem compromisso, o que substitui a necessidade dos quiosques”, diz Mazini, em nota.
Mazini defende que a Amazon tem uma “promessa de entrega confiável”, reflexo da força da marca no Brasil, e vem acelerando lançamentos e inovações desde 2019 (como o Prime, com frete grátis por R$ 9,90 ao mês). E cita os 9 centros abertos em três anos, e a entrega a cerca de 700 cidades a partir de dois dias, ao clientes Prime. Magazine e Americanas enviam metade das vendas on-line em um dia. “Eles podem estar um pé atrás em entrega, mas tem caixa robusto se precisar queimar e acelerar isso. Não dá para descartar a Amazon desse jogo”, diz Serrentino.
Fonte: Valor Econômico