Boa localização, 94 caixas para evitar filas, estacionamento com 1,2 mil vagas, resposta ágil às reclamações da clientela, financiamento da compra e preço baixo levam o Andorinha a crescer na Vila Nova Cachoeirinha
Há cerca de um ano, uma cliente trajando uma burca típica de mulheres muçulmanas, que lhe cobria o corpo, estava na fila do caixa do hipermercado Andorinha, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte paulistana. Como aparentava gravidez, uma funcionária pediu que tomasse a frente da fila, na condição de cliente preferencial. Ocorre que a consumidora não estava grávida, irritou-se com a falsa dedução da funcionária e encaminhou uma reclamação para a gerência.
Como a loja reagiu a uma situação tão inusitada? Talvez nada fosse feito em outro estabelecimento. Mas no Andorinha resultou em brainstorm com um grupo de funcionários. Decidiu-se que a funcionária responsável pela gafe daria um telefonema de desculpas. Final feliz: a cliente tornou-se uma frequentadora assídua da loja.
A solução rápida de casos tão corriqueiros como esse é uma das razões apontadas pela família Gouveia, proprietária do Andorinha, para explicar porque o hipermercado ocupa a primeira posição entre as empresas do setor com o maior receita por metro quadrado no Brasil.
De acordo com mais recente levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) , divulgado no ano passado, o Andorinha, com apenas uma loja, faturou R$ 61,9 mil por metro quadrado em 2015.
Não é pouca coisa. Significa um valor mais de duas vezes superior à média do setor de autosserviços, e bem acima de gigantes como Carrefour, Cia. Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar) e Walmart.
A venda média das lojas por metro quadrado dessas redes foi de R$ 25,9 mil, R$ 23.3 mil e R$ 19,4 mil, respectivamente, no período. A Abras está para lançar um novo ranking. Tudo indica que o Andorinha manterá sua posição de liderança.
Para alcançar o que qualquer empresa do varejo mais almeja, a família Gouveia diz que segue à risca o legado de Thomaz Gouveia Netto, fundador da empresa há 42 anos.
Thomaz estabeleceu a seguinte filosofia para o seu negócio: é preciso tratar os clientes como você gostaria de ser tratado. Simples assim.
O lema é repetido a cada dia, por meio de treinamento e conversas informais, aos 1,2 mil funcionários que circulam pelos 7,5 mil metros quadrados de loja.
Recentemente, um cliente aguardava em espaço reservado para descanso uma pessoa da família que fazia compra no supermercado.
Ao levantar da cadeira, sua camisa enroscou em um parafuso e rasgou. Ele reclamou. No dia seguinte, ele foi chamado à loja para retirar uma nova camisa.
Em uma urna no saguão de vendas, clientes depositam sugestões e reclamações. Todas são lidas e consideradas pela loja.
Além de agilidade para satisfazer a clientela, um dos filhos do fundador, Alécio Gouveia, 54 anos, diretor administrativo do Andorinha, lista outras razões que contribuem para que o supermercado, com faturamento anual próximo de R$ 500 milhões, cresça até na crise.
* A loja está localizada em uma rua de grande tráfego de pessoas, na Avenida Parada Pinto, número 2.262, no meio da Vila Nova Cachoeirinha, na zona Norte de São Paulo.
* Os concorrentes mais próximos estão num raio de um quilometro, aproximadamente.
* A política da empresa é ter preço baixo – no máximo igual ao da concorrência, nunca acima. E, para isso, conta com pesquisas e informações dos próprios clientes.
* Com tíquete médio de R$ 88, mantido durante a crise, o Andorinha tenta trabalhar com preços ao menos 5% inferiores aos da concorrência.
* Os espaços entre as gôndolas são maiores do que os encontrados em supermercados tradicionais, evitando as batidas de carrinhos de clientes.
* Há 94 checkouts na loja, quase todos operando o tempo todo.
* O estacionamento possui vagas para 1,2 mil veículos.
* A loja permite que o cliente parcele a compra com o cartão próprio, modalidade que participa com cerca de 35% do faturamento da empresa.
NOVOS NEGÓCIOS
Em 2009, a família inaugurou um centro comercial acoplado ao supermercado, com 90 lojas em uma área de aproximadamente 6 mil metros quadrados.
A ideia era testar o negócio, aproveitando o fluxo de um milhão de pessoas que passam mensalmente pelos caixas do Andorinha.
Apesar da crise, hoje há fila de lojas para entrar no empreendimento. A família decidiu comprar mais espaço ao redor para transformar o centro em um shopping center.
“Havia dúvidas se o centro comercial iria dar certo. E deu. Há pedidos de grandes marcas para entrar aqui”, afirma Samir Gouveia, 31 anos, sobrinho de Alécio, encarregado de cuidar da expansão dos negócios.
Samir, formado em engenharia e arquitetura, com experiência em outras empresas, é filho de Aderlene Gouveia, 59 anos, filha do fundador, que teve seis filhos.
Aderlene e outros três irmãos -Alécio, Amauri e Adilson -foram os que mais ajudaram Thomaz, que morreu em 1993, com 60 anos, a tocar a loja.
Nenhum deles tem curso superior, mas todos aprenderam com o pai como lidar com o público, comprar mercadorias, estabelecer preços, fisgar o cliente e crescer.
Da pequena loja, que só tinha uma portinha, a família foi adquirindo os terrenos ao redor até conseguir espaço para a construção de um shopping center.
A terceira geração da família, na faixa dos 20 a 30 anos, está começando a chegar agora à empresa.
Carla, filha de Alécio, cuida de assuntos administrativos, Alene, a outra filha de Alécio, do marketing, e Débora, filha do Adilson, do departamento pessoal. Como costuma ser recorrente em empresas familiares, já surgiram conflitos.
Recentemente, Amauri, um dos herdeiros de Thomaz, decidiu sair da sociedade com os filhos para tocar o Bergamais, um supermercado adquirido de primos, que também está localizado na região.
O Andorinha ficou agora nas mãos dos irmãos Alécio e Adilson, que administram a loja de maneira compartilhada, com a ajuda dos filhos e do sobrinho Samir, que vai cuidar do shopping.
“Houve um pouco de conflito de gerações. Mas toda a família se dá muito bem. Nós resolvemos assuntos da empresa em reuniões de comitê”, diz Samir, que começou a trabalhar na loja em agosto do ano passado.
“Embora tenha crescido muito nos últimos anos, a cultura de prestação de serviço da empresa foi preservada com maestria pela família”, afirma Luis Henrique Stockler, consultor que apoia os Gouveia na expansão do centro comercial.
HISTÓRIA
A história do Andorinha começa em Martinópolis, interior de São Paulo, e é muito parecida com a de outros supermercados com origem em famílias humildes.
Com 14 anos, Thomaz, filho de portugueses, já levava de tudo nas costas de uma mula para vender na pequena cidade, até abrir a sua lojinha de secos e molhados.
O negócio prosperou e ele acabou se juntando ao cunhado, que tinha o sobrenome Gouvea, sem o ‘i’, para abrir um comércio em São Paulo, na região onde está hoje.
Mais tarde, desacordos sobre a condução do negócio impulsionaram Thomaz a partir para um negócio próprio. Em agosto de 1974, ele abriu o Andorinha.
O nome Andorinha é uma espécie de homenagem à empresa de ônibus Andorinha, que trouxe ele e a família para São Paulo. Thomaz fez escola no setor de supermercados na região da Vila Nova Cachoeirinha. Os irmãos de sua mulher, Cecília Bergamini, também estão no ramo.
Pelo menos cinco donos de redes de supermercados situados na Vila Nova Cachoeirinha têm laços familiares: Andorinha, Bergamais, Bergamini, Ourinhos e D´ Avó.
A família Gouveia entende que a concorrência entre eles é saudável. Há espaço para todos, costumam dizer os parentes.
Agora mesmo, parte da família Gouveia decidiu contratar profissionais de mercado para ajudar no processo de expansão dos negócios e no próprio Andorinha.
Além do consultor Stockler, o consultor Odair Gazzetta está conduzindo um trabalho com líderes do supermercado para aplicação de modelos de gestão focados em trabalho de equipe, engajamento, com o objetivo de melhorar o desempenho da empresa.
Geralmente, trabalhos como este costumam causar discordâncias entre pessoas da família, de acordo Marcelo Rodrigues, consultor em governança e gestão da Pulsar.
Os conflitos surgem, geralmente, diz ele, entre os que comandam o negócio e aqueles que estão fora.
“Quem está de fora costuma achar que não é preciso pagar consultores para dar palpites na empresa, e que não se deve mexer em time que está ganhando”, diz Rodrigues.
Uma empresa em expansão, como o Andorinha, de acordo com ele, apesar de bem-sucedida, não pode parar no tempo. Precisa estar o tempo todo motivando as equipes, melhorando ambientes internos para aprimorar o funcionamento dos grupos e dos negócios.
Para Rodrigues, o cronograma ideal para uma empresa que deseja profissionalizar a gestão começa com a seleção de profissionais em comum acordo com os membros da família.
Após as escolhas, esses profissionais devem trabalhar com os fundadores, membros da família, para assimilar a cultura da empresa.
Na etapa seguinte, os fundadores podem até se afastar e permanecer no conselho de administração supervisionando a gestão, se assim desejarem.
Fonte: Diário do Comércio