É um salão de beleza com serviço de manicure, depilação, barba e bigode — mas também é um bar com sinuca, videogames e mesa de pôquer. Outro caso é uma loja que tem todo o mostruário, mas não tem estoques e, no meio das roupas, pode-se dar uma paradinha em um café. E, por fim, existe um lugar especializado em quimonos, mas que também vende camisas e saias, tudo de marcas diferentes.
Poderia ser uma loja de departamentos (ao estilo da extinta Mesbla, lembram?) ou um shopping, não fosse o fato de que essas empresas são independentes e de pequeno porte. A diversificação de marcas, produtos e serviços em um mesmo espaço é uma tendência que vem sendo posta em prática e já está dando um novo conceito às lojas.
O crescimento das compras virtuais e as demandas cada vez maiores dos clientes têm feito as marcas repensarem sua relação com o consumidor, renovando o comércio varejista para não perder vendas. Se antes as lojas físicas brigavam com o e-commerce, agora, os dois tipos de negócio andam juntos, em sistemas que misturam online e offline.
PAREDES IMAGINÁRIAS
Também é cada vez mais comum a parceria entre diferentes marcas que se complementam e não concorrem entre si, bem como a proposta de oferecer uma “experiência” ao consumidor, considerando a venda um resultado disso.
— Uma das grandes revoluções dos anos 50 foi a queda do balcão que separava lojistas e clientes. Hoje, são as paredes. O varejo caminha para um movimento sensorial, com uma aproximação ainda maior e um atendimento mais personalizado — analisa Beto de Abreu, coordenador do curso de moda da Universidade Veiga de Almeida.
Outra tendência é que essas “experiências convertidas em vendas” sejam cada vez mais sensoriais, não só no atendimento, mas também na estrutura, acredita Diego Marcondes, gerente nacional de marketing da construtora de shoppings centers Ancar Ivanhoe, que acompanha as apostas voltadas para os centros de compra.
— A tendência é dos negócios feitos a quatro mãos. As lojas no passado eram muito grandes e depois foram reduzidas. Hoje já se fala em duas marcas compartilharem um espaço físico, tendo como limite entre elas um café, por exemplo, ou alguma divisão a partir de outros elementos, como cheiro ou música. Sem paredes físicas, como uma loja de departamentos, mas concentrando diferentes empresas — explica.
Marcondes ressalta que outro ponto fundamental é o alinhamento de propostas das marcas que se unem, pois isto está atrelado ao valor das empresas.
JUNTOS E MISTURADOS
Essa identificação, juntamente com o alto custo de abrir uma unidade própria, levou à criação da AColetiva, loja que, como o nome sugere, é fruto de parceria de um grupo de novos empresários que se conheceram em uma incubadora de negócios. São quatro empresas que funcionam financeiramente independentes mas se complementam em um mesmo lugar, sem divisórias.
— Não somos uma loja temporária e nem dividimos o espaço; nós compartilhamos conhecimentos. As nossas produções são independentes, mas nos ajudamos mutuamente em questões como produção, conceito das marcas e fornecedores — diz Rafaella Aloi, sócia da Ruth’z, que faz parte de AColetiva.
A marca de roupas Reserva é outra que está entrando nessa onda. A empresa acaba de lançar sua primeira loja integrada, onde é possível ver todo o mostruário e receber o produto em casa (ou pegar na própria loja, após cinco horas). É como uma compra online, mas que permite experimentar a peça e contar com a ajuda de um funcionário.
— Há sete anos, aperfeiçoamos nosso sistema de distribuição diária de peças nas lojas, reduzindo o estoque nas unidades. O faturamento aumentou 7%. Daí imaginamos esse modelo de estoque zero. O cliente tem um mostruário muito maior e o cai risco de perder a venda por falta da peça em estoque — conta o CEO da empresa Rony Meisler.
BARBEARIA, FARMÁCIA E CHOPE
As mudanças acontecem só em lojas de roupa. A rede de farmácias Pague Menos criou há três anos a Clinic Farma, sistema em que oferece salas para o atendimento de clientes por farmacêuticos.
Segundo Deusmar Queirós, presidente do conselho da empresa, a proposta não é substituir a consulta médica, mas desafogar consultórios, tirando dúvidas simples referentes a remédios, além de medir pressão e glicose.
Para o segundo semestre, outra mudança na loja física. A milésima farmácia da rede será inaugurada com um conceito de serviços integrados, como café, posto de envio de dinheiro e outro de cartas e encomendas para o exterior.
Já Gisele Ribeiro Torres e o marido queriam ser empresários. Há um ano, começaram a pesquisar sobre uma franquia para investir na área de estética e escolheram a Confraria da Barba. De um lado ficam as cadeiras e as salas para massagem e manicure. Do outro, estão o chope, mesas de bar e uma área com mesa de pôquer, videogame e TV para eventos.
— Muitas mulheres pedem, mas declinamos porque, ao se abrir exceção, perde-se a identidade. As mulheres são bem-vindas, mas esse é um lugar deles — conta ela. — A ideia é que o cliente se sinta em casa aqui, um lugar agradável e que também entretém.
O freguês Bruno Lago fez a barba no estabelecimento duas vezes, mas já foi outras tantas só para beber, pois a barbearia serve uma marca de chope que ele gosta.
Partindo da premissa de oferecer momentos de bem estar aos clientes, a maneira como o consumidor será recebido na loja é parte fundamental para atrair a atenção e estreitar o relacionamento de fidelidade.
Desinteresse e grosseria de vendedores e consultores não têm vez nesses novos conceitos de lojas físicas. Tais comportamentos podem decretar o fim de um longo e caro projeto concebido pela marca.
A VANTAGEM DO TÊTE-À-TÊTE
Assim, não só o atendimento se torna uma peça chave do processo, como o treinamento da equipe também. Tal dinâmica é parte, inclusive, de potencializar uma vantagem da loja do física sobre a compra online: o tête-à-tête com o cliente.
— O que se espera hoje vai além do produto e serviço. Os atritos no atendimento físico, por exemplo, são mais frequentes nas lojas físicas e as empresas estão de olho nisso para não perderem clientes — diz Alexandre van Beeck, da GS Consult, consultoria de varejo.
Para quem está estreando no “mercado físico”, o desafio é ainda maior. A Natura, ainda que seja uma empresa já consolidada pelo sistema de revenda, está reaprendendo isso.
A marca abriu sua primeira loja física no Rio na semana passada. É a primeira unidade fora de São Paulo, onde já foram inaugurados dez pontos de vendas.
— Nós identificamos em nossas pesquisas uma demanda muito grande dos clientes para novas experiências na escolha de produtos. Nosso modelo é e continuará sendo a revenda, e a loja será uma ajuda no conhecimento dos produtos — explica Daniel Silveira, diretor de vendas da Natura.
Outra que saiu do ambiente virtual para também vender nas ruas é a grife Tami. Além das compras “ao vivo”, nos pedidos online, o cliente pode receber o produto em casa, ou, se quiser, buscá-lo na loja em Ipanema.
— Com a loja física, entendemos melhor o que a nossa cliente quer, seja um novo modelo ou uma interação maior com a marca e o produto, e, assim, envolvê-la em nosso universo. Na loja estamos sempre promovendo ações diferentes, mudando a vitrine, além de oferecer sensações como o cheirinho, a música, o lava-pés — conta a sócia Moana Alfieri.
— Não adianta investir em tecnologia e em estratégia se o atendimento for ruim. É apenas jogar dinheiro fora — conclui Van Beeck.
Fonte: O Globo