Nos últimos 10 anos, o mercado editorial viu seu faturamento minguar em 14%. A queda nas vendas de livros de ficção e não ficção, chamados de Obras Gerais, foi a principal responsável pelo desempenho negativo. É o que aponta a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). O levantamento, realizado em parceria com a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP), apresenta, pela primeira vez, a série histórica do mercado livreiro. Os dados, que levaram em conta o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) entre 2006 e 2015, não são nada animadores.
Para examinar as especificidades do segmento, em um primeiro momento, foi realizada uma divisão em quatro subsetores: Didáticos, Obras Gerais, Religiosos e Científicos, Técnicos e Profissionais (CTP). A partir de então, a pesquisa mediu a participação do governo nas compras, os índices de faturamento, o número de exemplares comercializados e a evolução em relação à economia. O que todas as categorias têm em comum, segundo a série histórica, é um desempenho inferior ao do Produto Interno Bruto (PIB) no período.
A situação fica mais bem exemplificada pelo subsetor de Obras Gerais, justamente o que apresentou o pior desempenho em faturamento. Os livros de ficção e não ficção não acompanharam o crescimento econômico brasileiro de 2005 e 2010 e, para piorar, sofreram duas quedas bruscas entre os anos de 2009 e 2011 e de 2014 a 2015, respectivamente de 24,6% e 22,8%. Com isso, o faturamento total, descontada a inflação, despencou de mais de R$ 1,8 bilhão em 2006 para menos de R$ 1,2 bilhão no ano passado.
Em 2015 e no primeiro semestre de 2016, a retração econômica brasileira ajudou a complicar o cenário geral, conforme o presidente do Snel e editor da Sextante, Marcos da Veiga Pereira. “O primeiro semestre deste ano foi a tempestade perfeita para o mercado editorial: alta da inflação e desemprego, crise política e a base comparativa com o fenômeno dos livros de colorir”, analisa. Os livros de colorir para adultos, aos quais Veiga se refere, trouxeram crescimento, ainda que passageiro, nos primeiros seis meses de 2015.
Enquanto isso, a lista dos livros mais vendidos no Brasil de janeiro a julho deste ano, coloca quatro youtubers entre os 10 primeiros colocados. Quem consegue acompanhar as personalidades jovens da internet em volume de exemplares é o padre Marcelo Rossi, ocupando o primeiro e o quarto lugares. Inclusive, Religiosos foi a subcategoria com melhor desempenho nos últimos 10 anos, na série histórica apresentada pela USP e Snel, com crescimento na linha do PIB ou acima dele em determinados anos.
Sem conseguir repassar inflação ao preço,livrarias apostam em outros produtos
É comum, no Brasil, culpar o preço pelo fraco desempenho do mercado livreiro. Ao contrário da hipótese normalmente difundida de que eles seriam caros, a pesquisa histórica apresentada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) mostra um barateamento expressivo dos exemplares na última década. Os preços, ajustados pela inflação, reduziram, de uma maneira geral, 36% se comparamos os valores de 2006 com os de 2015. No subsetor de Obras Gerais, a redução é ainda maior, alcançando os 44%.
“Se pensarmos a análise dos últimos quatro anos, o maior desafio dos editores e livreiros tem sido a incapacidade de repassar a inflação para os preços, o que tem diminuído as margens da indústria de forma dramática”, explica o presidente da Snel, Marcos da Veiga Pereira. Além disso, o baixo número de livrarias por habitante é pequeno e causa dificuldades na distribuição. “Mas as principais cadeias neste momento têm dificuldades inerentes à diminuição do consumo e ao aumento dos custos”, completa Pereira.
As grandes redes de livrarias acabam sendo obrigadas a trabalhar com margens de lucro menores nos livros e buscam crescimento em outros produtos. A Livraria Cultura, por exemplo, uma das maiores do País, subiu para 40% a participação de itens como CDs, DVDs, brinquedos, entre outros, em seu faturamento. “Se vender só livro, você perde rentabilidade todos os anos, pois o preço está ‘congelado’ há uma década. E ainda tem um agravante: o custo de ocupação das lojas e a competição do on-line dificultam o trabalho do ponto de venda fixo”, reclama o CEO da Cultura, Sérgio Herz.
Com isso, além da ampliação do portfólio, a aposta é no mercado on-line. “Mesmo na crise, enquanto as lojas reduzem o faturamento, o canal internet cresce dois dígitos”, afirma Herz, destacando que a comercialização pelo site representa 30% do total. Nesse caso, na luta por um consumidor cada vez mais raro e exigente, a empresa se vale da tecnologia. Um software é capaz de variar os preços de hora em hora. Somente no mês passado, a Cultura fez 70 mil precificações estudando o comportamento do cliente. Tudo para oferecer o preço certo, na hora certa, para o cliente certo.
Editoras diversificam catálogos como forma de sobreviver
Em um cenário bastante conservador, torna-se imprescindível perguntar como as editoras mantêm seu trabalho no Brasil. Com larga experiência no mercado gaúcho e brasileiro, o fundador e diretor da L&PM Ivan Pinheiro Machado é sempre taxativo em suas respostas. “Acho que, no momento, todo mundo está pensando em sobreviver. Hoje, a luta é só pra sobreviver, não é pra crescer”, afirma. A L&PM edita, em média, 180 novidades e 400 reedições por ano, volume que, segundo Pinheiro Machado, garante a tal sobrevivência. “Temos um catálogo muito grande, e é isso que segura a editora em momentos muito difíceis”, completa.
Na Europa e nos Estados Unidos, a tendência da última década apontou para uma aglomeração do mercado, com grandes companhias abocanhando as menores. “A chegada de empresas norte-americanas, como Penguim Random House e Harper Collins, pode significar um novo ciclo de aquisições em solo nacional, principalmente pela fragilidade que várias editoras vivem com a crise atual”, projeta o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira. Atualmente, a concentração no Brasil ainda é considerada pequena, principalmente no setor de Obras Gerais.
Mesmo assim, figuras como o editor da também gaúcha Dublinense, Rodrigo Rosp, fizeram apostas editoriais em um período de retração do setor. Em 2007, Rosp criou, com um grupo de amigos, a Não Editora, como ele mesmo lembra, uma ideia de publicar de forma independente que veio de “uma despretensão completa”. “Achava a maioria dos livros pouco trabalhados na edição, com pouca produção gráfica. Não eram nada atraentes, além de dificuldades de distribuição e comunicação”, lembra. A negação no nome do projeto visava contestar esse paradigma instalado nas publicações.
Entretanto, a proposta de livros bem acabados graficamente, lançando novos autores e privilegiando livros de ficção não era viável comercialmente, Rosp sabia. Foi quando, em 2010, lançou a Dublinense, que mais tarde viria a agregar a Não Editora como um selo. “Foi uma saída para manter o conceito do projeto vivo. Continuou sendo um projeto não comercial em uma editora comercial”, explica. Hoje, a Dublinense lança 18 publicações por ano, sendo três do selo Não Editora. A tiragem, que anteriormente era de cerca de 800 exemplares, chega a 15 mil.
Segundo Rosp, as principais dificuldades dizem respeito ao conservadorismo das livrarias em momento de crise ao apostar mais em best sellers e na distribuição e divulgação. Para ser viável junto ao grande público, o catálogo foi ampliado, abarcando biografias, livros sobre o Grêmio e o Internacional e outros que entraram na lista dos mais vendidos, de autores como Mariana Kalil e o cantor da banda Fresno, Lucas Silveira. “É uma operação (da Dublinense) que ainda não nos deu sustos, sendo que estamos completando 7 anos do primeiro lançamento”, destaca.
Menor participação do governo impactaos livros didáticos e as obras gerais
O diretor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, é categórico ao afirmar que, no Rio Grande do Sul, há um descaso “criminoso” com as bibliotecas públicas. “Ficamos 20 anos sem comprar um livro para biblioteca pública, o que corrobora a irrelevância do Estado no mercado editorial brasileiro”, critica. Uma das mais tradicionais editoras gaúchas, a L&PM tira apenas 4% do seu faturamento do mercado estadual. Cerca de 60% dos exemplares são vendidos em São Paulo, para onde a empresa moveu parte das suas instalações em 2013, a fim de diminuir os custos de logística.
Contatada por meio de sua assessoria de comunicação, a Secretaria de Educação (Seduc) repassou a responsabilidade sobre Biblioteca Pública Estadual para a pasta da Cultura. Quanto às bibliotecas de escolas públicas estaduais, questionada sobre a existência de um programa de governo para compra de livros didáticos e obras gerais, a Seduc não informou quanto foi investido em quantos exemplares nos últimos anos. “Periodicamente são adquiridas obras literárias”, resume o informe. No caso dos didáticos, foi citado o PNLD, um programa do governo federal.
Hoje, o Ministério da Educação possui dois principais programas para comprar livros: o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), destinado à aquisição de livros de literatura, pesquisa e de referência para escolas de ensino público federal, estadual e municipal; e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que tem como objetivo subsidiar o trabalho dos professores distribuindo livros didáticos aos alunos da educação básica. No ano passado, as editoras passaram a relatar atrasos no pagamento deste último. Em São Paulo, o programa estadual foi suspenso em 2013.
Com isso, a participação do governo no faturamento das editoras caiu nos últimos cinco anos. No subgênero de Obras Gerais, o mais afetado devido aos cortes de verba no PNBE, as compras governamentais, que chegaram a representar 18%, foram de apenas 5% no ano passado. Os Didáticos são mais dependentes dos programas públicos, mas sofrem menos com os cortes. Em 2011, metade do desempenho financeiro e 2/3 dos exemplares comercializados do segmento dependeram dos editais públicos. Desde então, nesse caso, o faturamento vindo do governo caiu de R$ 3,1 bilhão para R$ 2,5 bilhão, representando 46% do total.
A FTD Educação possui mais de um século de experiência na publicação de livros didáticos no Brasil. Conforme lembra o superintendente da editora, Antônio Rios, esse mercado começou a se estruturar no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e foi ampliado nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Nos últimos anos, entretanto, o mercado não tem crescido devido à estabilização da população em idade escolar. “Os didáticos são menos suscetíveis à crise, mas vêm crescendo a taxas próximas de zero”, afirma Rios.