Diante das políticas de descontos das grandes redes virtuais, com as quais não conseguem competir, livrarias que não vendem pela internet buscam mostrar aos clientes que algumas experiências só são possíveis na loja.
Organização de clubes de livros, saraus, shows e atendimento personalizado são estratégias utilizadas por empreendedores do ramo para fazer com que o público vá —e volte— aos seus espaços.
Livrarias têm se tornado espaços de convivência, dizem empresários. Uma vez ali, crescem as chances de que o cliente acabe levando um título não planejado para casa.
Pensando nisso, Vera Novo, dona da livraria Espaço Novo Mundo, em Guarulhos, investiu em uma cafeteria, que serve também bebidas alcoólicas.
“Tem gente que vem só para tomar café. Sempre compram livro, mas o motivo é bater papo”, conta Vera. “Temos os clientes fidelizados, que são conhecidos pelo nome. Sabemos os gostos deles, falamos que tem novidades.”
A programação cultural da livraria não se restringe à literatura. Há, sim, saraus e lançamentos de livros, mas também shows de música, palestras, workshops, rodas de samba. “Tudo o que você possa perguntar já passou por aqui, em vários formatos.”
Clubes do livro também têm ganhado lugar nas lojas físicas. Há quatro anos, a Livraria do Espaço, localizada em um cinema na rua Augusta (centro de São Paulo), organiza uma discussão mensal de obras de literatura brasileira contemporânea, conta Ronaldo Rodrigues, dono da livraria.
A cada seis meses são escolhidos os seis volumes seguintes e, geralmente na segunda sexta-feira do mês, até 20 pessoas se reúnem para discuti-lo. Ronaldo indica o clube, que é aberto, para os clientes. “Tem gente que vem aqui e compra exatamente o livro do clube. E eu falo: ‘Se quiser participar, leia e vá lá’”, diz ele.
Investir em eventos foi o que revigorou a livraria Companhia Ilimitada, aberta há 21 anos na zona norte de São Paulo. Entre 2016 e o começo de 2018, a dona, Malu Souto, estava desanimada e cogitou até fechar as portas.
Mas ela e o marido resolveram não só manter a loja aberta como investir em atividades no espaço. “Em julho do ano passado voltamos a fazer eventos”, conta. “De lá para cá a gente fala que renasceu.”
O casal buscou patrocínio de editoras para retomar as tardes de leitura de histórias para crianças, que haviam parado anos antes, e organizar noites para os adultos. Fora isso, há noites musicais e os tradicionais lançamentos.
Esses eventos, diz Malu, trazem clientes novos para a livraria, que conta muito com a propaganda boca a boca. “Às vezes tem mais retorno, um grupo maior que compra livros; às vezes, não.”
Mais constante é o clube do livro organizado em parceria com a editora Companhia das Letras. A ideia de fazer um encontro mensal na livraria veio de uma cliente, que já tinha um grupo de interessados e precisava de um espaço.
Há quatro anos o grupo se encontra todos os meses, sem exceção. Além de trazer pessoas para a loja, o clube ajuda a formar público leitor. “Tem pessoas que, mesmo não podendo vir, leem o livro, porque conseguiram pegar o ritmo. Ficam firmes nessa leitura mensal”, diz Malu.
Outro diferencial das lojas físicas é a curadoria dos livreiros. Nos anos de crise, a Companhia Ilimitada se manteve com clientes fiéis, que gostam de conversar com os donos e pegar sugestões. “Dizem: ‘Quero dar um presente para o meu pai, ele gosta disso e disso’. E a gente vai pensando juntos”, conta Malu.
Na Espaço Novo Mundo, há prateleiras reservadas para autores de Guarulhos, selecionados pela equipe de Vera Novo. Escritores locais têm abertura para fazerem seus lançamentos ali —mas sempre com a chancela de Vera, que faz uma triagem.
A aposta na curadoria foi usada de outra forma para atrair público às lojas da rede Livraria Leitura. A empresa criou o Clube Leitura, com pacotes de assinatura de livros para os públicos adulto e infantojuvenil.
A cada mês, os assinantes recebem uma seleção de livros escolhidos por uma equipe de curadores e elegem um para receber em casa. A livraria, que irá relançar seu ecommerce, tem como objetivo formar leitores desde a infância.
“Quanto mais a pessoa ler, maior a possibilidade de ir buscar mais leituras e ir à livraria”, diz Igor Mendes, gerente do Clube Leitura.
Segundo Igor, o cliente que assina vai à loja física, comenta com os vendedores que gostou, dá feedbacks. “O clube desperta nele o interesse de ver outros livros do mesmo autor, do mesmo estilo”, diz.
“No ano que vem, nossa expectativa é crescer 12%”, afirma o presidente da Leitura, Marcus Teles. “O cliente continua lendo, o livro continua sendo vendido”, afirma.
“Mas você não consegue viver com uma livraria só de sonhos: tem que transformar em resultado”, acrescenta Vera. “O principal desafio é trazer o público para dentro dela. A gente precisa de vendas.”
Fonte: Folha de S. Paulo