Poucas empresas conseguem medir com precisão a temperatura do varejo como a Linx. Especializada em software de gestão, ela tem uma participação de mercado de 42% nesse setor, segundo dados da consultoria IDC.
Em 2019, foram transacionados R$ 300 bilhões através de seus sistemas. São mais de 50 mil clientes, em diversos segmentos da economia, de farmácias a postos de gasolinas, passando por restaurantes e operações de comércio eletrônico.
Por esse motivo, a companhia tem a capacidade de medir, em tempo real, o que está acontecendo no setor varejista. E os primeiros números foram ruins, mostrando que o impacto da pandemia do coronavírus nessa área não foi pequeno.
“Teve uma queda média nas vendas de 50%, considerando todos os setores em que a Linx atua”, afirmou Alberto Menache, CEO da Linx, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. Os dados comparam os dias 30 e 31 de março aos mesmos dias da semana no início do mês de março.
Com um caixa líquido de R$ 560 milhões, Menache diz também que a Linx tem dinheiro para aguentar um ano sem ganhar um centavo. Mas observa que esse não deve ser o caso, pois 80% do faturamento da empresa é proveniente de receitas recorrentes. Em 2019, isso significou recursos de R$ 762 milhões à companhia.
O executivo não quis fazer previsões sobre o impacto ao negócio da Linx, que faturou R$ 788,1 milhões em 2019 e tem um valor de mercado de R$ 3,1 bilhões. Mas afirmou que até agora não notou nenhuma perda de clientes.
Menache ressaltou que a companhia, cuja origem é de 1985, passou por diversas crises e que, apesar das adversidades, conseguia crescer sua receita. “Esse ano eu não sei como vai ser.”
Nesta entrevista, Menache conta ainda como a Linx está reagindo ao coronavírus, aborda as medidas que foram tomadas para proteger os funcionários, como a operação está funcionando, os impactos no varejo e as medidas de restrição de circulação que fecharam diversos negócios.
“Sem medo de errar, essa é a pior crise que essa geração já passou. É a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial”, declarou Menache. Acompanhe:
Como a Linx tem enfrentado essa crise?
Desde o princípio, priorizamos a segurança do nosso time. Fomos a primeira empresa relevante de capital aberto a comunicar formalmente que estávamos em home office. E nos surpreendemos com a capacidade e agilidade do nosso time para fazer frente a um cenário adverso como esse. Em termos práticos, nenhuma operação foi afetada. Com todos trabalhando de casa, acabamos tendo uma produtividade igual ou maior do que quando estávamos no escritório. Não tivemos nenhum indício de funcionários que tenham pegado a Covid-19 na Linx. Agora, existe a possibilidade de pessoas que pegaram, mas fora da Linx. São menos de 10 casos suspeitos na Linx inteira até o momento.
A primeira parte foi proteger os funcionários. E o que foi feito para a empresa manter a operação?
Por que primeiro os funcionários? Porque sem eles não tem operação. É a mesma coisa com relação a economia. Sem população, não tem economia. Com relação a operação, tomamos uma série de medidas. Em primeiro lugar, disponibilizamos equipamentos para todos aqueles colaboradores que não tinham equipamento em casa ou não utilizavam notebook. Criamos uma rede segura através de VPN para que todos pudessem acessar os nossos ambientes, sem risco de hackers e de segurança em geral. Organizamos reuniões diárias com todo o time de monitoramento, de performance e de acompanhamento. E criamos um plano de comunicação para dar suporte a funcionários, clientes e mercado. E, dentro dessa comunicação, passamos a mensagem, por um lado, de preocupação com o momento e para que todos se cuidem. Mas, ao mesmo tempo, de confiança, de que é algo que vai passar.
A crise está afetando o negócio da Linx?
A Linx começou suas operações em 1985. Era uma época muito dura, de hiperinflação. Depois ela passou pela crise de 1991, quando teve o Plano Collor. Depois veio a crise da Rússia, a bolha da internet, a crise de 2008, a crise de 2014 no Brasil, que mal terminou e já veio essa. A Linx tem caixa, neste momento, para aguentar mais de um ano de operação, mesmo que não tenha receita nenhuma. “A Linx tem caixa, neste momento, para aguentar mais de um ano de operação, mesmo que não tenha receita nenhuma”
Você pode aguentar um ano sem faturar?
Se não tivermos mais receita, eu aguento mais de um ano. Obviamente que não é o caso, pois 80% da nossa receita está baseada em contratos de longo prazo. São receitas recorrentes pagas pelos clientes pelo uso dos nossos sistemas. Temos feito também um ajuste de custos. Porém, sem mexer, pelo menos neste primeiro momento e espero por um bom tempo, na nossa folha de pagamento.
Quais foram os ajustes de custos?
Fizemos renegociação de contratos de aluguel e de contratos de prestadores de serviço de forma geral. Temos conversado com nosso time em relação a benefícios. Congelamos a remuneração da alta gestão da companhia e dos diretores estatutários no mesmo nível do ano passado. Reduzimos a distribuição de dividendos. Postergamos a participação em quaisquer eventos. Suspendemos toda e qualquer viagem nacional e internacional. Foram várias medidas para a preservação de caixa.
Quanto isso significou de economia?
Não tenho um número fechado para passar.
A Linx está perdendo clientes?
Não tivemos ainda nenhuma mudança no nível de taxa de renovação (de clientes) visível ou relevante. O que observamos é que, se essa crise perdurar e se o comércio ficar fechado por longa data, aí sim podemos ter problemas. Principalmente naqueles setores que têm forte presença em shopping centers. Estamos falando de lojas de roupas e calçados. Por outro lado, vimos um movimento contrário. O movimento nas farmácias, nos primeiros dias da crise, cresceu muito. Chegamos a observar um aumento de quase 50% nas farmácias. Observamos também um aumento na venda de combustíveis. Obviamente que não perdurou. Temos vistos muitas oportunidades.
Por exemplo?
Compramos, no começo deste ano, uma empresa que faz software para delivery de restaurantes, para que eles tenham o seu próprio aplicativo (a Linx comprou, em fevereiro deste ano, a Neemo, por R$ 17,6 milhões). Teve um aumento da demanda de pelo menos cinco vezes com relação ao que era antes da crise. A Linx tem se posicionado buscando alternativas para ajudar o seu cliente. Posso falar também da plataforma de e-commerce. Anunciamos uma parceria com o Mercado Livre, para integrar a operação dos nossos clientes com o marketplace deles. Nessa parte digital, tem muita coisa acontecendo. Temos ajudado nossos clientes de farmácia, que é um setor que está muito pouco online ainda, a montarem suas plataformas porque o consumidor não quer entrar nas farmácias por achar que fica exposto.
A Linx tem muitos clientes no varejo. Alguns setores estão crescendo, como você comentou, e outros enfrentando problemas. Na média, como estão as vendas no varejo?
O último dado que eu verifiquei teve uma queda média nas vendas de 50%, considerando todos os setores em que a Linx atua.
Qual o período dessa queda?
São os últimos dias de março em relação a semana pré-crise. Estou comparando os dias 30 e 31 de março com relação aos mesmos dias da semana no início do mês de março. O volume transacionado anual da Linx é da ordem de R$ 300 bilhões. Isso é o que passa pelos nossos sistemas anualmente.
Com essa queda, qual foi o impacto ao negócio da Linx? Você cobra uma taxa em cima dessas transações?
É importante fazer um esclarecimento. A Linx tem 80% de receita recorrente. E desses 80% que são recorrentes, 95% é receita de subscrição. Os clientes pagam pelo nosso sistema. Tem um volume transacional muito baixo ainda. Ele está mais relacionado a alguma coisa do digital e de pagamentos.
Mas a divisão Linx Pay não tinha como modelo cobrar um percentual em cima das transações?
Ela tem um portfólio amplo de produtos. O principal é o TEF, um software que funciona nas lojas para fazer o roteamento das transações para os adquirentes de cartão. E ele opera no modelo de subscrição. O cliente paga uma mensalidade por CNPJ e não por loja operando. Não teve nenhum impacto nessa receita. Na parte de link de pagamento e QR Code, tem uma assinatura e um pequeno percentual que recebe na transação. Isso sim foi afetado. E toda a parte da Linx como subadquirente de cartão também foi afetada. Porém, o nosso maior volume vem de farmácias e postos.
A Linx já fez uma previsão para o mercado do impacto dessa crise no resultado da empresa?
A bem da verdade é que ninguém sabe quando a vida vai voltar ao normal e qual vai ser o novo normal. Simplesmente porque essa é uma doença que não tem cura. Talvez, as atividades voltem, mas o comerciante não vai poder lotar o estabelecimento. Não conseguimos ainda fechar uma projeção.
Tem a questão da confiança do consumidor. As lojas podem abrirem, mas será que vai ter consumidor para comprar?
Você toca bem nesse ponto. É inevitável que se tenha um desemprego crescente, por mais que o governo esteja tomando uma série de medidas. É inevitável que se tenha uma recessão, uma queda no PIB neste ano. E isso afeta de duas maneiras. Em primeiro lugar, afeta a renda, ou seja, tem mais gente com menos renda. E tem a questão da confiança também. Mesmo aquelas pessoas que têm dinheiro vão ficar receosas de gastar. “A Linx cresceu em todos os anos de crise. Ela crescia menos, mas nunca deixou de crescer. Esse ano eu não sei como vai ser”
Você comentou sobre todas as crises pelas quais a Linx passou. Mas você já passou por uma crise como essa?
A Linx cresceu em todos os anos de crise. Ela crescia menos, mas nunca deixou de crescer. Esse ano eu não sei como vai ser. Respondendo a sua pergunta objetivamente: não, nunca passei por uma crise como essa. Ela é diferente de todas as demais. Na minha opinião, vivemos uma situação pior do que uma guerra em muitos sentidos. Porque, mesmo numa guerra, o comércio fecha um pedaço do dia e as pessoas ficam sem sair de casa uma hora ou outra. Mas, neste momento, temos um inimigo invisível. A gente não vê as bombas caindo. Sem medo de errar, essa é a pior crise que essa geração já passou. É a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial.
Você tem alguma opinião sobre o que é melhor: a quarentena horizontal ou a vertical?
A minha opinião é que a vida humana não tem preço. E não podemos medir esforços para salvaguardar essas vidas. Existe também um problema habitacional muito grande. Tem de se tomar as medidas mais eficazes para proteger a população. Isso exige uma restrição de circulação bastante grande, pelo que tenho lido, pois não sou expert no assunto. O Brasil e o mundo devem seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
Você trabalha com alguma perspectiva de quando o comércio vai reabrir ou de quando a vida vai voltar ao normal?
Em primeiro lugar, grande parte do comércio continua aberto. Na minha opinião, as restrições que se colocaram no Brasil não são das mais severas, mesmo no estado de São Paulo. Há outros países que colocaram restrições muito, muito mais severas do que as nossas. Quando falamos naquele comércio não essencial, não tenho uma perspectiva clara. O que é público é que até o final de abril os shopping centers devem ficar fechados no Brasil em sua grande maioria. De novo, entre ficar fechado e ficar aberto sem ter cliente, é difícil dizer o que é melhor ou o que é menos ruim. “Vivemos uma situação pior do que uma guerra em muitos sentidos”
Uma característica comum em praticamente toda entrevista que temos feito é a questão da imprevisibilidade. O cenário está todo nublado e ninguém consegue saber qual o melhor caminho a seguir. Não é isso que é angustiante, do ponto de vista econômico, dessa crise?
Nessa hora, tem de ter resiliência e tranquilidade. Na Linx, pela nossa cultura, temos isso de sobra. Não vi absolutamente ninguém do meu time perdendo o controle em nenhum sentido Só tenho visto bons exemplos. É um momento de serenidade e de cautela. Não tomar decisões precipitadas. Temos tomado muito cuidado na Linx para não gerar interrupção dos nossos serviços. Temos tomado muito cuidado para não destruir valor que construímos. Temos sido cautelosos. Temos cortado todos os gastos que não vão fazer diferença neste momento. Mas sem excessos.
Fonte: Neofeed