Varejista de material de construção prevê faturar R$ 8 bi neste ano, com expansão de 15% sobre 2020
Por Adriana Mattos
A crise sanitária, que travou a importação de produtos da China, fez a varejista de materiais de construção Leroy Merlin lidar com um novo problema. Itens de áreas como decoração, iluminação e portáteis pararam de chegar, e o diferencial da cadeia, de oferecer um portfólio bem acima dos rivais, depende, em parte, dessa entrega.
Nesse varejo, o atraso nos envios ao Brasil chegou a quatro meses em 2020. E a questão ainda é sensível: só 10% dos contêineres de itens da campanha de verão estavam a caminho do Brasil no fim de julho, conta o CEO no país Ignacio Sánchez, no cargo desde agosto de 2020, quando substituiu Alain Ryckeboer.
Para reduzir a dependência dos chineses, a Leroy passou a bater na porta de fornecedores locais. “Não é possível ter 70%, 80% [de peso de itens nacionais na venda]. Tem que ser mais de 90% local, e podemos trazer de lá algumas coisas mais diferentes. Não é sustentável, em termos logísticos, ficar trazendo muito volume da China hoje”, disse.
Ele conta que os recentes surtos da covid-19, reflexo das novas variantes, levou a fechamentos em certos portos chineses por semanas. O terminal de Meishan ficou paralisado por 15 dias neste mês. No fim de maio, foi a vez do porto de Yantian, fechado parcialmente por um mês. “Se os pedidos que fizermos chegarem normalmente pode ser um fim de ano fantástico, mas temos que ser prudentes. Estamos reforçando nosso apoio aos [fabricantes] locais, incentivando que produzam. Assim, você cria riqueza aqui. Para mim é mais importante criar renda e emprego aqui do que a 20 mil quilômetros.”
O esforço ainda traz resultados tímidos. A empresa fechou 2020 com a indústria nacional sendo responsável por 86% do faturamento. Até julho deste ano, a taxa foi para 87%.
Para 2021, a Leroy, que é líder em vendas de material de construção no país, projeta alta de 15% no faturamento, para cerca de R$ 8 bilhões. Em 2020 o aumento foi de 30% – reflexo do forte crescimento de produtos para casa na pandemia. O canal digital deve responder por 8,5% das vendas neste ano – era 3% antes da crise – e a empresa entende que essa fatia pode chegar num “teto” de 15% a 20%.
Sobre onde buscar as mercadorias, sabe-se que produção local envolve capacidade de investimento e gestão do “custo Brasil”, que torna o fabricante local menos competitivo do que o asiático. Sánchez, há pouco mais de um ano morando no país, tem consciência disso, mas diz que o varejo precisa buscar opções e dar segurança ao fornecedor. Ele mesmo já sentiu esse reflexo nocivo. Diz que depois que chegou por aqui, se deparou com um complexo sistema tributário, com efeitos na logística.
“Há muito potencial em todo o país, o problema é atacar o Brasil como se fosse um país da Europa. Aqui avançar sobre o país é atacar a Europa inteira. E ainda há a questão fiscal, que aqui é uma loucura. É o que se passava na Europa em 1980”, afirma ele, há 20 anos no grupo, com passagens por Portugal, Itália e Espanha.
“Lá, a gente manda mercadoria de Madri para a Alemanha e o produto chega em até dois dias, não há problema de segurança nas rodovias, não há assalto e se paga só uma espécie de IVA [Imposto sobre Valor Adicionado]. Tudo super simples. Na Espanha, na França, a equipe da área fiscal são duas pessoas. Aqui, eu tenho 36. É uma loucura”.
Entre as ações tomadas pelo executivo desde sua chegada ao país, estão o aumento da estrutura de entregas de produtos pelo canal on-line (25 novas transportadoras entraram na base da empresa desde 2020), redução de prazo de entrega e simplificação das lojas.
Na pandemia, consumidores no site “Reclame Aqui” chegaram a relatar prazo de entrega na Leroy de sete dias para São Paulo. No site, a nota da empresa hoje é 7,4 para o digital e 7,7 para a loja – na Telha Norte, é 8,7 e 8,8, respectivamente, e na C&C, 7,2 e 7,4.
Sobre essa questão, ele diz que houve queda recente nesse prazo para 2 a 3 dias em São Paulo, “e até envio no mesmo dia”. Ainda afirma que desde 2020, todas as lojas estocam itens para a entrega de compra pelo site, o que reduz esse intervalo. A Leroy tem 44 lojas, e quase dois terços delas estão no Sudeste, ou seja, quem mora na região é atendido pelo “hub” dessas lojas. Para quem está fora dessa área de cobertura da loja, os prazos são maiores. No Nordeste, a empresa tem lojas em três Estados.
Por isso a abertura de pontos de venda é fator estratégico, pelo uso da loja como apoio ao canal digital. A expectativa no mercado é que Sánchez acelere a expansão física da rede, que vem abrindo uma loja por ano desde 2016 – chegou a inaugurar cinco em 2015.
O CEO diz que neste ano haverá apenas a inauguração da unidade de Santos (SP), já feita em agosto. Em 2022, devem ser abertas lojas em Porto Alegre (RS) e em Guarulhos (SP). Em três a quatro anos, o plano é abrir as primeiras unidades em novos estados do Nordeste, como Bahia.
“Cada loja que vamos abrir o desafio é que o faturamento seja acima de R$ 200 milhões por ano. Não é só uma questão de sair abrindo loja, mas de rentabilidade”, diz ele. Desde 2020, a Telha Norte acelerou aberturas de lojas em novos formatos e a C&C retomou plano de expansão orgânica.
Sobre a simplificação das lojas, a localização de departamentos foi revista no modelo da loja de Santos, e isso pode se estender a outros pontos. Por exemplo, as áreas de decoração, iluminação e pintura estão próximas e o departamento de jardim atinge mil metros quadrados nessa unidade, acima da média de 400 metros quadrados, numa reação ao aumento das áreas verdes em edifícios e casa.
“Se não revisarmos logo o formato, aquela imagem de conceito moderno fica antiga e alguém abre algo na sua frente, melhor. Uma melhoria em loja que antes era relevante por 30 anos, hoje dura 30 meses”.
No fim de 2020, a rede começa a operar uma nova área, de 20 mil metros quadrados, no atual centro de Cajamar (SP), para estocagem de itens de cerâmicas, com investimento de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões – uma loja custa de R$ 70 milhões a R$ 110 milhões.
Ainda não está prevista a entrada de novas cadeias do grupo controlador Adeo, ou a expansão da marca L’Espace AD, para arquitetos e designers – hoje, com um ponto no país, na capital paulista. A rede Zodio fechou as portas no país em 2019 após resultado abaixo do esperado, mas o grupo mantém a marca de atacarejo Obramax, com duas lojas.
“O desafio é crescer com Leroy e Obramax, e falando por mim, eu consolidaria as duas primeiro [antes de trazer mais marcas]. A L’ Espace teve queda no fluxo por causa da covid, mas recuperamos e a loja decolou. Mas não vamos fazer 5, 10, 15 lojas até rentabilizar a primeira”.
Fonte: Valor Econômico