Um dos chefs preferidos do banqueiro Pedro Moreira Salles, o sushiman Jun Sakamoto conta por que a determinação – e o senso de oportunidade – são ingredientes fundamentais para o sucesso em qualquer mercado
Ele é um dos chefs preferidos do banqueiro Pedro Moreira Salles, comanda uma cadeia de restaurantes e, todos os dias, dá expediente no Jun Sakamoto – um dos restaurantes de comida japonesa mais tradicionais de São Paulo – para atender a exclusivos oito clientes por noite. Por diversas, já foi eleito o melhor sushiman do Brasil. Aos 50 anos, o paulista Leonardo Jun Sakamoto poderia se dar por satisfeito. Longe disso. “Duvido que não possa aprimorar meus sushis e fazer mais coisas ainda melhor”, diz Sakamoto.
A busca pela constante superação é um dos principais ingredientes da carreira deste chef, que começou como ajudante de cozinha, lá atrás, aos 19 anos, passou décadas acompanhando os movimentos ágeis de alguns dos sushimen mais respeitados do mundo – em São Paulo, Nova York e Tokio –, abriu o primeiro negócio, ganhou clientela cativa e diz não cansar de aprender. “Quando você se considera muito perfeito para alguma coisa é porque não sabe mais nada a respeito daquilo”, diz Sakamoto.
Ele mantém planos ambiciosos. Quer abrir um restaurante em Nova York e ampliar os negócios que mantém no Brasil. Hoje, além de comandar a cozinha do Jun Sakamoto, o restaurante da rua Lisboa, em São Paulo, que ajudou a fazer seu nome, Sakamoto também administra outras duas casas das quais é sócio, a Hamburgueria Nacional, no Itaim, e o Junji, espécie de filial do Jun, inaugurado há um e meio no Shopping Iguatemi. “É óbvio que eu não tenho o sonho de que essas casas virem um Outback [a rede americana, com mais de 800 restaurantes em 22 países]”, diz Sakamoto. “Mas eu tenho um Outback como target.” Tudo isso, claro, sem perder a mão naquilo que lhe deu a fama: a excelência de seus sushis.
Administrar todos esses projetos em um prato só não é coisa das mais simples. Sakamoto diz gastar 80% de seu dia em obrigações administrativas, tarefas que ele cumpre com afinco. Pela manhã, depois de uma rápida corrida pelo Ibirapuera, vai para o Junji onde dá orientações para o almoço. Durante a tarde, visita a Hamburgueria Nacional – lá começa a implantar um novo sistema de gestão, que ele próprio desenvolveu em parceira com alguns fornecedores. Depois, segue para o Jun. É lá que ele estrela. No salão da casa há 50 lugares. Outros oito são reservados a um exclusivíssimo grupo de clientes, que pagam R$ 360 (sem bebidas) e esperam por até uma semana para serem atendidos pessoalmente pelo chef. Vestido em um impecável happi, o jaleco de um sushiman, Sakamoto atua tal qual um artista, que atingiu um alto grau de conhecimento e dominío absoluto de sua técnica. Prepara cada um dos 16 sushis do menu que precisam ser apreciados na ordem exata estabelecida pelo chef. Não há shoyo sobre o balcão – é para que se possa perceber melhor o sabor dos peixes sempre frescos, com excelentes cortes e a sutiliza do arroz em seu grau de calor ideal, morno, pouco acima da temperatura do corpo.
Sakamoto tem obsessão por qualidade e é considerado um chefe exigente. Costuma provar vários pratos e ingredientes que serão servidos durante a noite e, quando não gosta de algo, manda refazer – prestando as exatas orientações do que precisa mudar para que fique melhor da próxima vez. “Às vezes, o cliente nem perceberia a diferença”, diz Sakamoto. “Mas eu que faço isso todo o dia percebo, e já é suficiente.”
Sakamoto, contudo, não é centralizador. Aprendeu, com o tempo, que se quissesse ampliar os negócios, teria de delegar algumas funções, mesmo as mais prazezoras. “Eu acho uma delícia ir ao mercado bem cedinho escolher peixe”, diz Sakamato. “Sinto falta disso, mas hoje não posso mais fazer ou ficaria sem tempo para outras tarefas também importantes.” Sakamoto tem uma equipe de confiança – muitos deles o acompanham há décadas, alguns seus amigos desde a adolescência. É o caso do Thoya Yamashita, o atual gerente do Junji. “O avô dele tinha uma agência de viagens na Liberdade quando éramos pequenos e, como ele tinha muito mais posses que eu, vivia me emprestando coisas”, diz Sakamoto. “Agora, ele me ajuda a cuidar do negócio.”
Apesar do sucesso, a trajetória de Sakamoto não foi muito planejada – como se espera de alguém que cresceu na cultura oriental, com pai e mãe japoneses. Natural de Presidente Prudente, Sakamoto mudou-se com a família para São Paulo aos dez anos. Ia mal na escola – repetiu três vezes de ano – e, por muito tempo, carregou rótulos que poderiam ter abalado sua autoestima. “Quando criança, era considerado burro e preguiçoso”, diz Sakamoto. As meninas não lhe davam muita bola e o pai, por vezes, o chamava de irresponsável. “Um dia, uma professora me chamou de canto e falou: olha, Leonardo, você faz perguntas inteligentes, não entendo por que tira notas tão ruins”, diz Sakamoto. “Eu não me libertei de tudo naquele momento, mas essa conversa me ajudou a acreditar que eu poderia, sim, conquistar algumas coisas.” Sakamoto tinha déficit de atenção e dislexia, mas os transtornos, hoje já tratados, só seriam diagnosticados muitos anos depois.
Sem grandes perspectivas no colégio, Sakamoto tentou um pouco de tudo – ele prestou vestibular para agronomia, a profissão do pai, arquitetura, que ainda gosta muito, e passou um tempo fazendo fotografias. A cozinha chegou à sua vida meio por acaso. Aos 19 anos, com US$ 1 000 emprestados de um amigo, foi passar um período em Nova York. Fez entregas, lavou pratos, até que arranjou um bico com ajudante de cozinha. Um dia, foi recrutado para um evento no refinado Waldorf-Astoria Hotel e lá apaixonou-se culinária japonesa, ao ver um sushiman preparando uma barca enorme de sushis. “Ele era tratado como artista e aquilo me encantou.”
De volta ao Brasil e precisando de dinheiro para pagar o empréstimo que o levara aos Estados Unidos, Sakamoto continuou a saga como ajudante de sushiman, mesmo sem entender nada de peixe. Em sua casa, o cardápio era bem brasileiro: arroz, feijão e carne. Mas o cenário era diferente. A maioria dos sushimen do país eram senhores japoneses que haviam abandonado a lavoura para fazer comida à própria comunidade. Jovenzinho, Sakamoto começou a chamar a atenção atrás do balcão. “A clientela gostava de mim, os donos de restaurante gostavam de ver a clientela feliz”, diz Sakamoto. “Ganhei espaço e aproveitei a situação.”
Quando abriu as portas do Jun Sakamoto, em 2000, com a ajuda da mulher, Sakamoto já havia acumulado uma vasta experiência na cozinha. Em São Paulo, passou por diferentes estabelecimentos, incluindo os mais famosos da época, como o Komazushi, do chef Takamoto Hachinoche. E, hoje, sempre que pode ainda dá uma escapadinha para experimentar sushis no Japão. É de lá que veio a inspiração para os moldes do restaurante que quer montar em Nova York – e que terá apenas oito lugares, sem salão. “O Sawada, o meu preferido em Tóquio, tem apenas seis”, diz Sakamoto.
Servir pouca gente é um deleite para Sakamoto. Mas, pragmático, ele já aprendeu que somente isso não é suficiente para manter um padrão de vida que ele gosta de ter – por isso, o empenho em manter todos os outros negócios e ampliá-los ainda mais. “A pessoa jurídica precisa pagar a conta da pessoa física”, diz Sakamoto. “Sem isso, não há paixão que se mantenha em pé.”