Em muitos momentos durante 2016, José Galló, presidente da Renner, se viu diante da mesma pergunta repetidas vezes: “o que ele estava fazendo para conseguir crescer em meio à crise?”. A resposta vinha com a segurança de quem conhece a empresa de ponta a ponta e foi ao longo do ano mais ou menos esta: “não é o que fazemos agora, mas o que estamos fazendo há anos”. Mais precisamente há 25 anos.
Este é o tempo que o executivo está à frente de uma das maiores redes de fast-fashion do País – uma das poucas que viram mais resultados positivos do que negativos nos últimos dois anos. Somente nos primeiros nove meses de 2016, a varejista acumulou um faturamento de R$ 3,8 bilhões.
A cifra, assim como a eficiência e o valor de marca da companhia, é fruto de ações de longo prazo – uma das características mais marcantes de Galló mantida mesmo em momentos mais tensos da crise.
Contudo, para sobreviver à crise, a empresa também teve de ficar atenta aos números diários, às estatísticas e ao comportamento do consumidor. Por várias vezes, Galló enfatizou a importância de olhar para o cliente e resolver suas demandas tão logo quanto possível. As características que fazem o executivo ser um dos mais admirados do varejo formam a base da liderança de alto desempenho no setor de agora e do futuro.
Quem não caminhou nessa direção foi forçado pela crise. “Estávamos muito tempo sem crise e sem a necessidade de fazer ajustes. Quando o dinheiro está entrando, a necessidade de ajustar não é percebida. Mas a crise mostrou ineficiências na gestão”, explica Maurício Morgado, coordenador do GVcev – Centro de Excelência em Varejo da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Durante a crise, o foco nos detalhes se revelou ainda mais importante. “Os grandes executivos sempre tiveram foco em produtividade e eficiência, mas nos últimos dois anos houve uma seleção natural ligada a quem soube operar em cenário adverso”, explica Ricardo Rocha, especialista em Varejo da Michael Page.
Com margens apertadas por natureza, o varejo exige uma velocidade de gestão superior a empresas de outros setores, como a indústria. Mas a crise acelerou o ritmo dos executivos.
Pesquisa realizada pela BMI – Blue Management Institute mostrou que o foco dos últimos meses foi em execução: 77% da energia e atenção das lideranças foram voltados para a execução, que foi muito pautada pela preocupação forte em market share e visão tática, como explica Daniel Motta, sócio da consultoria. “Houve uma forte atuação em feudos, cada liderança focada na sua área, sem visão sistêmica da organização. A liderança assumiu uma posição de microgerenciamento”, explica.
Outro comportamento é o que o especialista chama de “maquinista” – um comportamento diretivo, cuja metáfora é a liderança sentada na primeira locomotiva puxando o resto da organização, sem nenhuma possibilidade de interação. A combinação de gestão de crise e agilidade pautou a agenda executiva, com foco em resultados de curto prazo.
Lendo dessa forma, é possível imaginar que os líderes varejistas conseguiram lidar bem com a crise. Mas não foi bem assim. É nessa hora que algumas características precisaram se sobressair ou serem desenvolvidas.
Fonte: NOVAREJO