Pressionada pela reação de consumidores e parceiros comerciais após a delação de seus controladores — que admitiram práticas de corrupção pelo grupo —, a JBS pôs em prática uma contraofensiva para manter a oferta de seus produtos nas gôndolas e preservar o valor do negócio. Segundo uma fonte a par da estratégia comercial da empresa, a JBS tem negociado individualmente com seus principais parceiros, como as grandes redes de varejo, para evitar cancelamento de compras. Além disso, a companhia diminuiu a exposição da marca Friboi nas embalagens de seus produtos e passou a destacar outros nomes, como Do Chef e Maturatta. Nas conversas com os supermercados, os emissários da JBS pedem que esses parceiros evitem atitudes mais radicais publicamente, como o repúdio a marcas do grupo.
Os maiores parceiros exigem explicações para as práticas da empresa citadas na delação, como suborno de agentes públicos e pagamentos de propina a autoridades. Cobram ainda que a JBS se comprometa a mudar de forma radical seus procedimentos com a adoção de mecanismos de controle. Há uma semana, a JBS nomeou Marcelo Proença para o cargo de diretor global de Compliance, com a incumbência de tentar melhorar as práticas de governança da companhia.
“A JBS está em desvantagem agora. Com isso, seus parceiros estão pedindo condições melhores de negociação e preços”, diz a fonte.
De acordo com esse executivo, nas grandes redes varejistas é difícil substituir rapidamente o fornecimento de produtos da JBS por outras marcas devido à maior presença em alguns nichos, como o de carnes nobres bovinas, em que se destacam a picanha, o rib eye e o t-bone. Já entre os parceiros menores, como mercearias e restaurantes, algumas simplesmente deixaram de comprar os produtos do grupo.
“Grandes redes prezam pela ética e querem ouvir uma explicação sobre as ações da empresa. Mas fica difícil de convencer que, pelo menos no nível executivo, não se sabia das práticas ilícitas dos controladores. Por isso, estão exigindo que a JBS assuma compromisso público de mudar sua forma de atuação”, diz a fonte.
Pelo lado dos consumidores, os especialistas em varejo afirmam que há boicote de produtos da empresa, principalmente entre os mais jovens.
“Após a Operação Carne Fraca, a própria JBS fez propaganda mostrando quais eram as suas outras marcas, como a Swift, além de outros produtos como Havaianas e Vigor. Foi um equívoco enorme. Menos de 5% dos brasileiros sabia da conexão entre a JBS e as demais marcas da empresa”, diz a fonte.
Essa é a outra frente de atuação da JBS para evitar perder fatias de mercado. A empresa não retirou a marca Friboi das gôndolas dos supermercados, mas iniciou um processo de substituição da marca, antes ainda da delação, porque já esperava certa rejeição do consumidor.
“A questão é que eles não imaginavam o tamanho da reação dos consumidores. Nem a JBS nem o varejo, que estava estocado com produtos de marcas da empresa. Depois da delação, as marcas da JBS foram massacradas nas mídias sociais e o boicote dos consumidores tomou uma proporção maior do que se imaginava”, diz Ana Paula Tozzi, consultora de varejo.
Para permanecer no carrinho de compras dos consumidores, a empresa recorreu até a mudanças nas embalagens. No caso da marca premium Do Chef, a menção à marca Friboi, que vinha impressa logo abaixo nas embalagens, foi simplesmente suprimida. Em outra linha premium, a Maturata, porém, ainda trás a chancela da Friboi com destaque nas embalagens. A reportagem do GLOBO percorreu lojas de grandes redes de varejo e constatou as mudanças.
Em nota, a Friboi informou que “tem um grande portfólio de marcas, que seguem estratégias de canais de distribuição e mercados preferenciais. Todas operam normalmente, conforme seus planejamentos de longo prazo e respectivos planos de negócios, bem como o time comercial da empresa segue o fluxo normal de trabalho e relacionamento com seus parceiros”.
O consultor Fernando Cardoso, da área de food service da AGR Consultores, diz que a JBS já estava trabalhando para diferenciar marcas como Maturatta e Do Chef da Friboi. Mas esse processo ganhou força no último mês.
“Considerando o contexto geral, é natural dar mais peso nas marcas especializadas para cada segmento. Isso custa mais caro, mas é a ação mais relevante a se fazer no curto prazo”, explicou.
A Maturatta é uma marca premium destinada ao consumidor de varejo, que responde por 65% a 70% do consumo de alimentos no Brasil. Já a Do Chef é voltada para restaurantes (a alimentação fora de casa é responsável por 30% a 35% do consumo).
“O maior problema para a Friboi é o consumidor final, por isso uma atenção especial ao que vai para o varejo. Nesse canal é mais difícil descolar a marca Friboi da empresa, então o melhor é trabalhar com as marcas de nicho. É uma estratégia mercadológica que pode facilitar a venda do produto no futuro, se optassem por esse caminho”, afirma Cardoso.
Segundo outro especialista em varejo, que preferiu não se identificar, as grandes redes sentiram leve queda nas vendas da marca Friboi, o que justificaria reforçar outros nomes. Mas a queda não atingiu outras marcas da JBS, como Swift e Seara.
“Todas as empresas, quando têm um produto que passa por problema de reputação, precisam fazer um trabalho de arquitetura de marcas diferentes, posicionando melhor a marca de menor rejeição”, explica o especialista.
Procuradas, grande redes de varejo responderam por meio de notas. O Carrefour informou que não compactua com práticas ilícitas na cadeia de fornecedores. O grupo francês informou que “não tolera nenhuma prática ilícita e tem como princípio fundamental o combate à corrupção em todas as suas formas em linha com seu Código de Conduta do Fornecedor”. Na prática, os parceiros devem se comprometer a cumprir estritamente a legislação em vigor, diz a nota do Carrefour. “Em relação à empresa citada (JBS), a companhia solicitou esclarecimentos e aguarda o desfecho do caso”, diz a nota da empresa. Procurado, o Grupo Pão de Açúcar informou que não comenta relações comerciais envolvendo fornecedores.
Fonte: Época Negócios