Por Adriana Mattos – As plataformas estrangeiras estão cautelosas em relação a adotar imediatamente as regras do programa “Remessa Conforme”, apresentado pelo governo na sexta-feira, apesar de as condições indicarem, aparentemente, vantagem a elas. Varejistas locais viram na medida um verdadeiro “prêmio” à adesão delas ao novo sistema, posição que as plataformas rebatem.
Segundo o anúncio, empresas que adotarem o novo programa “Remessa Comprove”, fazendo uma espécie de papel fiscalizador dos lojistas que vendem pelos seus markeplaces, receberão um selo de conformidade e estarão isentos do impostos de importação de 60% em remessas de empresas para pessoas físicas.
“Está longe de ser um simples presente. É uma troca. Há uma transferência de responsabilidade às plataformas, para que os marketplace se adequem às regras do ‘Remessa Conforme’. O governo sabe que está transferindo essa responsabilidade, pelas dificuldades que tem em fiscalizar. Mas é preciso toda uma discussão nas companhias sobre essa adequação, porque cada plataforma precisa educar o lojista a seguir os trâmites. O que inclusive pode levar a uma limitação de lojistas preparados para isso. Então, sem dúvida nenhuma, o que vemos é um desafio”, disse Guilherme Martins, diretor jurídico da ABComm, a principal entidade do setor de comércio on-line no país.
Os marketplaces operam como empresas que fornecem serviços aos vendedores (como logística e publicidade), mas são os lojistas que ocupam a figura de vendedores da mercadoria aos consumidores.
Nos últimos dias, o Valor apurou que as plataformas não caminham para uma adesão imediata ao programa . A partir do dia 1º de agosto, aquelas que aderirem já poderão usufruir dos direitos, mas terão que cumprir com os deveres do programa. A adesão ao Remessa Conforme é voluntária, porque as plataformas não são empresas com domicílio no Brasil.
Entre os deveres, está a necessidade de enviar um formulário com dezenas de dados da remessa junto com a mercadoria até dois dias antes da entrada do pacote no país, no caso de uso do serviço dos Correios (o que ocorre em 98% das transações).
Se atender as medidas, o desembaraço dos produtos será mais ágil, porque a remessa cai no chamado “canal verde”. Se não atender, seguem os trâmites normais de desembaraço, mais lentos.
Na visão de Martins, não deve ocorrer uma adesão imediata e de grandes proporções, pelo risco de que algo feito sem planejamento acabe se transformando num problema para as companhias.
Isso porque o selo de conformidade pode ser tirado da plataforma por parte do governo, se os lojistas estrangeiros que enviam os produtos aos consumidores não seguirem as regras, como a apresentação das informações corretas sobre a remessa no formulário. Há casos em que a plataforma faz o envio dos dados, se ela é a vendedora direta.
“Ainda vão ser necessários ajustes nos próximos meses. São milhões de ‘sellers’ [lojistas] pulverizados, imagine uma empresa com 10 milhões de sellers? Ele precisa se adequar a isso. Tem muita encomenda que nem é a plataforma que envia, mas o seller manda da sua loja, a plataforma nem passa para pegar. O trabalho de controle é um desafio”, diz ele.
“Ganhar o selo, depois perder e voltar tudo atrás vai trazer uma insegurança comercial ao consumidor, porque uma hora entra o produto rápido, depois lento, e isso pode acabar virando um caos. É preciso analisar antes”. disse o diretor.
O Valor apurou que as plataformas Shein, Shopee e AliEXpress estão avaliando as regras e as suas questões estratégicas, de impacto ao negócio, e também fatores políticos antes de solicitar a adesão. Procuradas, elas ainda não se manifestaram.
Martins lembra que, apesar de os varejistas locais entenderem que a isenção de imposto nas remessas até US$ 50 se trata de um “prêmio”, como redes afirmaram ao Valor na semana passada — ainda afirmaram que isso afeta o ideal de isonomia tributária — o Brasil já está fora dessa isonomia em relação a outros países.
“Se você olhar outras regiões, como EUA e países da comunidade europeia, há um alto limite [em valor] para importação de produtos de pessoa jurídica para pessoa física, o que coloca esses países dentro do jogo global do comércio eletrônico. Na zona do euro, são liberados de imposto as compras de até 200 euros. O Brasil não tem isso hoje, porque o imposto é de 60% [para qualquer remessa de US$ 50 a US$ 3 mil]. Isso também não é isonomia considerando o varejo mundial”.
Nesses países, porém, o regime tributário local é diferente do Brasil, onde os impostos cobrados sobre as varejistas são elevados. Por isso, as redes locais entendem que são penalizadas, ao arcarem com impostos altos, enquanto empresas estrangeiras intermedeiam a entrada de remessas, sendo que parte delas hoje com importação fraudada para não pagar impostos .
Questionado sobre isso, ele concorda que a questão da isonomia, pedida pelas redes, esbarra numa reforma tributária que discuta as demandas do varejo local.
Sobre as mudanças em discussão, Martins apoia um maior amadurecimento das medidas em debate, e afirma que o cenário atual, de fraudes em remessas para burlar a lei, é o pior possível, e que esse ambiente deve mudar com as ações do governo.
Fonte: Valor Econômico