Em meio a um ambiente de recessão prolongada, queda na renda e explosão do desemprego, as empresas de varejo apagaram de seus planos novos investimentos e se viram forçadas a reduzir suas operações. No ano passado, pouco mais de 100 mil lojas foram fechadas em todo o País. Enquanto isso, a multinacional de material esportivo expandia a bandeira francesa para Belo Horizonte e Praia Grande, no litoral paulista. Até dezembro, a intenção do grupo é abrir duas novas unidades em São Paulo e outra em Porto Alegre, consolidando a presença local em 24 pontos de venda.
A aposta no Brasil não é exclusividade dos franceses. Diante das incertezas que ainda pairam sobre a retomada, um amplo grupo de estrangeiros ensaia um passo à frente. Em janeiro, o nível de investimentos externos superou as expectativas oficiais e alcançou a maior marca já registrada para o mês, de US$ 11,5 bilhões. O que eles estão enxergando no País? Para quem vem de fora, importa menos o curto prazo e mais o potencial de um mercado com quase 200 milhões de consumidores. “O Brasil hoje, para a Decathlon, é um mercado estabelecido e parte das nossas prioridades”, afirma Cedric Burel, CEO da Decathlon. “É um bom momento para se investir pensando no longo prazo.”
Presente no País desde 2001, a rede fez a sua lição de casa para enfrentar a crise, cortando gastos operacionais, e aproveitou a oportunidade para crescer com o apelo de preços baixos. “Apesar da queda no consumo global de produtos esportivos, o nosso posicionamento quanto a custo-benefício nos ajuda a lidar com essa situação”, diz Burel. A empresa viu um crescimento de 15% de seu faturamento, mas não revelou o montante obtido. Movimentações de multinacionais como as da Decathlon vêm ganhando força. Especialistas relatam um aumento gradual de interesse dos estrangeiros desde o segundo semestre de 2016, após as primeiras sinalizações do governo em direção às reformas estruturais.
“O investidor olha a situação e vê uma mudança significativa do ano passado para este”, afirma Thiago Sendin, sócio da área de Fusões e Aquisições do escritório de advocacia Demarest. “Tem muita coisa vindo da Ásia, especialmente da China, e começamos a ver europeus voltando.” Com a contribuição dos estrangeiros, a expectativa do escritório é de um crescimento de 15% na quantidade de negócios na área em 2017. No ano passado, o volume de investimentos estrangeiros somou US$ 78,8 bilhões, levemente acima de 2015 (US$ 75,0 bilhões), segundo o Banco Central.
O cálculo, porém, fica um pouco inflado ao incluir as remessas feitas por empresas brasileiras de suas subsidiárias no exterior. Pelas contas da ONU, que considera apenas as novas participações em negócios, o saldo em 2016 foi de US$ 50 bilhões, o que representa uma queda de 23%. “Não era perda de interesse dos estrangeiros, mas não dava para justificar aos conselhos de administração fazer investimentos em meio a tanta incerteza”, afirma Alexandre Bertoldi, sócio-gestor do escritório de advocacia Pinheiro Neto.
As projeções iniciais dos analistas indicavam cautela neste ano. Com o resultado de janeiro, no entanto, o otimismo voltou a predominar. Em relatório, o Bradesco destacou que a projeção de ingresso de R$ 75 bilhões para 2017 parece conservadora diante dos últimos números. A percepção é embasada pela constatação de que o volume de janeiro foi explicado por operações pequenas e médias em diversos setores, o que, segundo o banco, “deu muita consistência à tendência.” O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima, prevê uma redução das remessas das subsidiárias, o que deve reduzir o saldo se considerada a metodologia do Banco Central.
Pelos critérios da ONU, no entanto, ele acredita que o Brasil será destaque no ranking global, ainda que o volume fique próximo do registrado no ano passado. “O Brasil deve subir no ranking, enquanto a Índia deve perder bastante”, diz Lima. O setor elétrico, que concentrou 60% dos ingressos de janeiro, aparece como uma das áreas mais promissoras. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) programou para março o próximo leilão de transmissão de energia, que deve ofertar 34 lotes por todo o País, com investimentos na casa de R$ 13 bilhões.
De olho nessa demanda, a suíça ABB investiu US$ 10 milhões em uma fábrica de disjuntores de alta tensão para transmissão e distribuição de energia. “A fábrica servirá para aumentar a produção de conteúdo local, como uma plataforma de exportação e uma maneira de estarmos próximo aos clientes”, afirma José Roberto de Paiva, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios e Relações Governamentais da companhia. Segundo ele, a crise brasileira teve impacto na ABB, com seus clientes reduzindo o ritmo de compras, mas a empresa, que opera no País desde 1912, nunca pensou em fechar as suas portas. “Em um momento de crise, você precisa estar preparado para investir, para aproveitar a retomada.” A expectativa é que o volume de negócios do setor de energia cresça 15% neste ano.
A indústria farmacêutica desponta como outra fronteira de investimento. O setor deve dobrar de tamanho nos próximos cinco anos, segundo a consultoria QuintilesIMS, especializada na área. A alemã Merck prevê aportes de R$ 100 milhões no País até 2020, para ampliar a fábrica de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Segundo Guilherme Maradei, CEO do grupo, o Brasil é um dos seis países prioritários para a companhia. “A Merck, assim como outras farmacêuticas, enfrentou um cenário difícil na crise, com muitos cancelamentos de compras por parte do setor público”, afirma. “Mas o mercado brasileiro continua grande e promissor, mesmo que tenha sofrido uma redução no curto prazo.”
Os estrangeiros também caçam oportunidades em pequenas e médias empresas, como a FS, que produz softwares para proteção de celulares e recebeu um aporte do fundo de investimentos Carlyle no começo do mês. A aquisição, cujos valores não foram revelados, representa a volta do fundo ao Brasil após dois anos. O foco na região esteve concentrado no Peru e no Chile em 2016. “É um bom momento para se investir no Brasil”, diz Juan Carlos Felix, co-presidente do Carlyle no País. “Existe uma grande oferta de ativos e as melhores empresas estão com preços racionais”. A escassez atual do crédito facilita a entrada de parceiros de fora do País. “Para os empreendedores, isso representa um problema e, por isso, eles acabam aceitando recursos externos”, diz Fabio Matsui, sócio-fundador da Cypress, que assessora fusões e aquisições.
No processo de retomada, os investimentos externos devem ficar concentrados em setores essenciais, como saúde e infraestrutura. Para bens de consumo, a recuperação será lenta. “As pessoas não têm mais dinheiro para ficar trocando de televisão, carros, telefones celulares”, afirma Frederico Martini, professor de Negócios Internacionais do Ibmec de Minas Gerais. De qualquer forma, a surpresa positiva do exterior pode ser a faísca que faltava para despertar impulso semelhante no empresariado local e colocar a economia para girar de vez. O governo já enxergou a tendência e trabalha na modificação de regras para torná-las mais favoráveis ao capital externo, como a ampliação do acesso ao crédito público por empresas estrangeiras e diminuição da exigência de conteúdo local ao setor de petróleo. Após tantos solavancos, o Brasil está de braços abertos aos gringos, que fincam aqui as suas bandeiras.
Fonte: IstoÉ Dinheiro