Juro alto e inflação resistente prejudicam companhias cujas vendas dependem de crédito
Por Lucinda Pinto
Juros muito mais altos, inflação resistente e poder de consumo reduzido compõem o cenário que tem castigado as ações das companhias de varejo há alguns meses. Mas, mais recentemente, o sinal de alerta começou a chegar também ao mercado de crédito privado local, onde boa parte dessas companhias tem se financiado, seja para dar sequência a planos de expansão, seja para reforçar o caixa, pensando em atravessar a turbulência que ainda pode vir diante dos riscos macroeconômicos à frente.
Analistas são unânimes em dizer que, diferentemente do que se pode pensar quando se olha para as ações de grandes varejistas negociadas em bolsa – Magazine Luiza, Americanas, C&A, Centauro, Guararapes, Renner e Via -, com perdas de até 88% nos últimos 12 meses, a situação não é dramática. A maior parte das empresas tem o endividamento sob controle e consegue captar recursos.
A questão é que investidores começam a ficar mais exigentes, não aceitam pagar qualquer preço e nem mesmo estão dispostos a financiar as companhia a prazos longos. Em um momento em que a oferta de títulos é abundante, é possível escolher a quem se quer dar dinheiro. Isso se reflete na negociação dos papéis no mercado secundário e em novas emissões.
“O que vemos é uma dispersão de performance entre as empresas, típica dos momentos em que cresce a incerteza sobre o setor como um todo”, diz Alexandre Muller, sócio da gestora JGP.2 de 2
Operações recentes de grandes varejistas ilustram bem esse ambiente. A Americanas levantou em junho R$ 2 bilhões por meio da emissão de debêntures com vencimento de 11 anos. A taxa paga ficou em 2,75% acima do CDI, em uma operação considerada muito bem-sucedida, mesmo com um prazo longo. A Centauro captou R$ 500 milhões em debêntures de cinco anos, pagando 2,10% acima do CDI, emissão integralmente absorvida pelo mercado.
A Via concluiu em julho a emissão de R$ 400 milhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) de cinco e sete anos. Mas, dada a baixa demanda pelo papel, os bancos que coordenaram a oferta ficaram com uma parcela de R$ 266 milhões. Neste caso, a avaliação de gestores é de que o prazo do papel era longo demais dado o risco da Via, que lida com questões macroeconômicas, operacionais e de governança. Basta lembrar que, durante o período de reserva do papel pelos investidores, veio a público o desentendimento entre os sócios a respeito do plano de remuneração da companhia.
Da mesma forma, a C&A foi ao mercado para captar um total de R$ 600 milhões por meio de emissão de debêntures em abril deste ano. Na ocasião, a agência Fitch havia mudado a perspectiva do rating da empresa, para negativo. Os bancos também tiveram que executar a garantia firme e ficaram com 69% e 28,65% dos dois lotes, com vencimentos em 2025 e em 2028, respectivamente.
Quando se olha para o mercado secundário, também há movimentos chamando a atenção. A debênture do Magazine Luiza, por exemplo, que foi emitida no ano passado a uma taxa de 1,25% acima do CDI, hoje é negociada a 1,75%. Em contraste, a debênture com vencimento em 2024 da Guararapes, que foi emitida com spread de 2,95% acima do CDI, tinha taxa de referência de 2,0295%.
“Há uma mudança das condições para essas empresas, e o mundo do crédito também percebe isso”, diz Muller. Observa que, embora o efeito negativo não seja tão intenso como o que se viu em 2020, quando a pandemia impactou com força alguns setores, como o de restaurantes ou de turismo, agora o investidor parece ainda mais cauteloso. “Em 2020, era mais fácil ter uma projeção de recuperação das empresas, porque sabíamos que as coisas iriam se normalizar. Agora, o ‘call’ é mais complexo, porque ninguém sabe quando o juro vai parar de subir e nem por quanto tempo ficará elevado”. Nesse contexto, diz, o cenário fiscal do país tem um peso ainda maior sobre o mercado, uma vez que a definição de um arcabouço fiscal para o próximo governo terá grande influência sobre as projeções para a taxa de juros.
Vivian Lee, sócia da Ibiúna Investimentos, lembra que juros e inflação altos afetam a renda e esfriam o consumo. E isso tem um impacto direto sobre a receita da empresas e castiga, de forma especial, aquelas que têm braço financeiro. Sem falar no efeito imediato da alta da taxa de juro básico (Selic) sobre a dívida que, na maior parte das vezes, é atrelada ao CDI. “Não vimos um impacto do custo financeiro nos balanços quando se olha para o horizonte de 12 meses ainda, mas no segundo semestre isso vai começar a aparecer”, diz.
O que analistas observam, entretanto, é que o impacto dos juros terá magnitude diferente em cada segmento do varejo. O mais sensível é o de linha branca – representado por Via e Magalu – que já foi muito beneficiado durante a pandemia, período em que o consumidor destinou seus recursos a esse tipo de produto.
O varejo de moda acaba ganhando espaço neste momento. Mas, para quem tem um braço financeiro, a alta do juro tem um duplo efeito negativo: sobre o consumo e sobre a inadimplência da carteira. Caso de C&A, Renner e Guararapes (dona da Riachuelo). A necessidade de capital de giro, o perfil do público consumidor e o nível de alavancagem também são variáveis que estão sendo observadas com lupa pelos investidores.
“Quem depende da classe mais alta acaba se beneficiando. Os que atuam mais com as classes mais baixas vão perder mais porque a inflação pesa mais para esses consumidores”, diz Luiz Sedrani, diretor da BV Asset. “O pacote [de estímulo ao consumo] do governo tende a estimular a economia, mas a gente tem que ficar de olho na inadimplência.”
Lee, da Ibiúna, observa que o mercado tem observado desde março uma reprecificação dos papéis, movimento que ainda não atingiu todas as empresas. “Quanto desse cenário vai se refletir nas taxas pagas pelas empresas, é difícil dizer, mas está claro que haverá uma correção dos preços, e desta vez será por risco de crédito”, diz. Esse ambiente deve se sobrepor ao fluxo de investimentos que continua forte para o mercado de crédito privado, que tem ajudado a equilibrar as taxas pagas pelas empresas. “Mesmo tendo apetite por crédito privado, o investidor vai separar o joio do trigo e, em algum momento, os preços se ajustam.”
Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy, diz que muitas empresas de varejo são impactadas porque antecipam seus recebíveis, operação encarecida pela Selic mais alta. Mas, para ele, esse não é um quadro exclusivo do varejo, mas das empresas que dependem da economia local. Boa parte delas estão preparadas para atravessar períodos turbulentos. “Não vejo uma situação explosiva”, diz.
Em nota, Magalu diz que encerrou o primeiro trimestre com uma posição de caixa líquido ajustado de R$ 1,6 bilhão e uma posição de caixa total no valor de R$ 8,5 bilhões, considerando caixa e aplicações financeiras de R$ 2 bilhões e recebíveis de cartão de crédito disponíveis de R$ 6,5 bilhões. Guararapes, Americanas, Renner e C&A não quiseram se pronunciar. Centauro e Via disseram estar em período de silêncio em função da proximidade da divulgação de seus balanços.
Fonte: Valor Econômico