Para contar a história do #coisadelivreiro, empresa que o nosso colunista Bruno Mendes montou há um ano e meio, é preciso antes contar a história do próprio Bruno. Filho de uma família muito pobre, de Pernambuco, ele teve que se virar desde muito cedo. Ele conta que, na família, ninguém tinha dinheiro. Exceto o avô que era bicheiro em Recife. Aos 17 anos, entrou para o curso de Direito e, para sobreviver, começou a trabalhar na Pernambooks, uma distribuidora de livros instalada na Barão de São Borja, mesma rua onde Clarice Lispector passou parte da sua infância na capital pernambucana. “A distribuidora ficava do lado de um puteiro lá no Recife e eu gastava meu salário quase todo comprando livros da Martim Claret e doando para as putas. Eu achava que estava fazendo um trabalho social”, disse ao PublishNews. Nessa época, morava em um prédio, vizinho de drag queens, que ainda hoje são suas amigas. “A coisa era tão difícil, que chegava o fim do mês e eu propunha uma sopa comunitária. Eu falava pros meus amigos do prédio: eu tenho duas batatas. Você tem o quê? Juntávamos o que tínhamos e fazia um sopão”, explicou.
Diante da falta de grana, Bruno se viu obrigado a deixar o livro e tornou-se office-boy de uma empresa de engenharia hospitalar. “Precisava pagar as contas, mas eu já tinha sido mordido pelo bichinho do livro e do varejo e sentia a necessidade de voltar a trabalhar com o livro”, lembra. Em 2007, soube que a Livraria Cultura estava para abrir uma loja em Recife. “Me falaram que o processo seletivo era complicado – e foi mesmo. Mas fui…”, recorda. Para ser contratado pela livraria, ele teve que encarar três etapas: uma prova escrita, uma prova de inglês e uma entrevista. “Não tinha liberação do meu chefe para fazer essas entrevistas. Então, pedia aos meus colegas que me cobrissem e ia escondido”, lembra. Mas ele achava que precisava tomar um banho antes de cada uma dessas etapas. “Fiz amizade com o porteiro de um dos prédios da Conde de Boa Vista, próximo à livraria. Ele era gente boa e deixava eu tomar banho lá”, conta. Das 60 pessoas que concorriam à vaga, só Bruno e Leiry Lee, que hoje é professora de artes em Olinda, passaram.
Assim, ele voltou ao livro. Na Cultura, começou como vendedor júnior. “Ser vendedor da Cultura era uma maravilha. Realizava um sonho e, naquela altura do campeonato, o salário era uma maravilha! Ganhava TRÊÊÊS salários mínimos”, ressaltou.
Inquieto, como todo jovem costuma ser, Bruno começou a observar que tinha uma turma nerd que jogava RPG próximo à livraria. “Isso chamou a minha atenção. Precisava fazer alguma coisa ali. Era uma forma de não morrer sendo vendedor”, relembra. Bruno propôs um festival para esse público na livraria. “No festival Dia da Toalha [25 de maio, em referência à série O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams], a livraria recebeu cerca de 15 mil pessoas passaram na livraria e no shopping que serviu de espaço anexo porque a livraria não comportava o evento”, conta. “Ali formava o embrião do que depois se tornou a Loja Geek da Cultura”, afirma Bruno. Recife, muito por conta deste trabalho realizado com as comunidades nerds, foi a única loja da Cultura fora de São Paulo que teve uma Geek. Hoje a loja não existe mais.
Com isso, Bruno saltou de vendedor júnior para pleno 1, pleno 2, assistente de marketing e analista de produtos. Em 2012, tornou-se gerente interino da loja Cine Vitória, no Rio de Janeiro. Bruno permaneceu na Cultura até 2014. Nos sete anos em que dedicou à livraria da família Herz, ele experimentou muita coisa, treinou muitas equipes, implementou inovações, esteve ao lado da equipe que trouxe o Kobo para dentro da Cultura e conheceu a bela Ana Paula, com quem é casado hoje. “Essas experiências todas me mostraram que o mercado do livro precisava se profissionalizar e eu levantei essa bandeira”, comentou.
Em 2014, pediu demissão da Cultura. “Eu entreguei a minha carta de demissão e, no mesmo dia, eu mandei um e-mail para a DarkSide oferecendo meus trabalhos”, lembra Bruno. “Eles me responderam 15 minutos depois e no mesmo dia, marcamos de nos encontrar e começamos a trabalhar”, conta. “A editora estava no seu comecinho. A chave precisava girar e não girava por uma série de motivos. Um deles é que a DarkSide investia em tudo o que todo mundo investe: na consignação. Eram livros muito caros, imprimiam, gastavam uma nota e o investimento ficava parado nos estoques das livrarias. A editora mantinha cinco representantes de vendas pelo país, mandava os livros e eles se pulverizavam, sumiam”, relembra. “Junto com Chico [de Assis] e com o Cristiano [Menezes, sócios da DarkSide], fizemos um estudo técnico que reviu tudo. Decidimos tirar os representantes comerciais e contratar um promotor que fosse um ‘embaixador espiritual’ da marca na rua”, conta. Foi assim que apareceu Jesus, que ainda hoje é a cara da DarkSide junto aos livreiros e livrarias de todo o Brasil.
“Colocamos Jesus dentro da estratégia comercial da DarkSide e ele passou a visitar todas as lojas. A relação com a Saraiva, por exemplo, não era das melhores. Jesus visitou cada uma das lojas, mapeou quais eram os vendedores que mais se destacavam, se a loja tinha auditório, agenda para eventos. E quase que num processo de evangelização, Jesus foi conquistando os vendedores, que fizeram pressão nos seus gerentes e eles pressionaram os compradores da rede. Assim, a coisa começou a acontecer. A editora começou a ficar mais conhecida e muito querida entre os livreiros”, revela.
Bruno se viu, de novo, inquieto e resolveu que precisava mudar. “Durante três meses, fiquei pensando em como poderia ser uma empresa, o que eu poderia ofertar e concluí que a minha expertise era na análise de dados, inteligência de negócios, gerenciamento de projetos e treinamento de equipes”. Bruno então se associou ao estatístico Lucas Gallindo, que é professor da Universidade Federal do Pernambuco e, juntos, eles criaram o #coisadelivreiro, que tem prestado consultoria a diversos elos da cadeia do livro, desde o autor até o varejista final, passando por editores e distribuidores. Há quatro meses, o #coisadelivreiro fechou uma parceria com a Microsoft e passou a oferecer ferramentas de inteligência específicas para o mercado do livro. Fez uma parceria com a Geeksys, uma startup que mapeia o comportamento de consumidores dentro das livrarias sobre a qual o PublishNews, já escreveu uma matéria. A empresa se associou ainda ao PMI, organização mundial que difunde as boas práticas do gerenciamento de projetos.
O grosso do faturamento da empresa ainda vem de pequenas consultorias. “A demanda por esse tipo de serviço tem crescido absurdamente. Tenho dado dicas de produtividade, como podem ser mais eficientes e sempre com o foco nos resultados. O mercado ainda é resistente em entender esse discurso, mas, temos notado que quando o mercado do livro pensa sobe isso, ele performa bem. O que acontece é que se pensa muito pouco ainda. Temos que tirar, por exemplo, a mentalidade de latifundiário que o livreiro brasileiro ainda tem. O cara ganha um pouquinho e já pensa em ampliar a rede. Não consegue pensar projeto a projeto, investir numa loja que já existe”, declarou.
O #coisadelivreiro abriu recentemente uma outra frente, de agenciamento a autores. “Diferentemente do que fazem os agentes tradicionais, o #coisadelivreiro atua de ponta a ponta. Levo o autor para a editora, mas também auxilio a editora na comercialização dos livros e no relacionamento com os livreiros”, disse. “Outro dia, fomos procurados por um autor que queria desfazer o contrato com uma editora. Alegava que a editora não cuidava da sua obra, que estava muito insatisfeito. Coletei dados e os reuni em um relatório de 35 páginas sobre o autor, sobre como ele tinha a capacidade de gerar buzz nas suas redes socais e levei tudo isso à editora. Ao apresentar esses dados, mudamos o mindsetting da editora. Resultado: não houve o destrato”, conta.
Com isso, hoje, o #coisadelivreiro tem atendido desde o autor independente até as grandes redes de livrarias. Entre seus clientes recorrentes estão editoras como LeYa, Universo dos Livros e livrarias como a Nobel.