O caminho para estabelecer uma comunicação eficaz com os consumidores é a ciência de dados, e lidar hoje com dados requer a utilização de técnicas e estratégias que permitam obter maior assertividade na interação com os públicos-alvo, bem como trabalhar com transparência e padrões de governança compatíveis com as exigências das novas leis de proteção de dados e de privacidade, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Estas foram algumas das discussões do IAB AdTech&Data 2019, maior evento de convergência de tecnologia e publicidade do Brasil, promovido nesta última terça-feira (27/08) pelo IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), em São Paulo.
No setor de varejo de alimentos, por exemplo, em que a concorrência cresceu acentuadamente devido ao surgimento de grandes players como a Amazon e Alibaba, a criação de engajamento com o consumidor faz toda a diferença. “Um varejista pode responder a este cenário com a otimização de preços e realização de promoções, mas a verdadeira chave está na busca pelo engajamento do consumidor”, afirmou Jérôme Cochet, Global Managing Director na Dunnhumby. “E isso se dá pelo uso da ciência de dados para personalizar ofertas e campanhas: e pela criação de estratégias ‘customer-first’ que influenciam diretamente os resultados.”
Cochet apresentou o case da Tesco, uma das maiores redes de supermercado do Reino Unido, que conta com cerca de 19 milhões de consumidores proprietários de cartões de fidelidade. A rede tem realizado campanhas promocionais bem-sucedidas, com forte incremento de vendas, utilizando os dados disponíveis sobre seus consumidores. “A estratégia consiste em usar os dados e insights que o varejista tem, e identificar a propensão do consumidor em comprar um determinado produto. A etapa seguinte envolve uma personalização ominichannel e, para não perder o impacto da sua campanha, considerar que até 90% das vendas acontecem dentro da loja”, recomendou.
O projeto Futebol 2019, desenvolvido pela TV Globo para a Chevrolet, também foi destaque. Para isso, a emissora utilizou mais de 1,5 petabytes de informações anônimas para traçar o perfil da audiência. Foram analisadas informações de 177 milhões de pessoas alcançadas pela programação esportiva de TV, combinadas com dados de 67 milhões de usuários únicos das várias plataformas da rede. O desafio da Isobar e da WMcCANN passou a ser, então, entender a audiência de forma mais profunda e identificar os clusters que seriam os targets das campanhas da montadora.
“Esse case não é uma jornada de três meses, e sim resultado de dois anos de trabalho, que ajudou a desmitificar o uso da matemática na publicidade. Antes, você veiculava um anúncio e ninguém sabia se tinha dado certo ou não, e tudo bem, porque ninguém questionava. Mas isso mudou”, explicou Bruno Campos, diretor de Marketing Digital Mercosul da GM, ao destacar que hoje, o cliente consegue mensurar as vendas que acontecem a partir de uma ação na TV com um índice de acerto de 95%. Para isso, foi necessário um ano para desenvolver a tecnologia e definir processos. “O gerente de Data Analytics da Globo, Daniel Freitas, acrescentou que a rede utiliza dados para tudo o que envolve publicidade hoje. “Conseguimos fazer ações com base no contexto do conteúdo da programação, usando machine learning. A mesma tecnologia é utilizada, por exemplo, para questões de Brand Safety e para avaliar o conteúdo com o objetivo de proteger a marca”, destacou.
Utilizar os dados dos usuários, contudo, requer uma boa governança, para se assegurar que a privacidade deles não será desrespeitada, observou Alisa Bergmann, Chief Privacy Officer da Adobe. Ela destacou que é preciso ter concordância expressa do usuário para a instalação de cookies ao visitar um site, e que já se começa a falar inclusive em compensações dadas aos usuários para isso, ou dar opções a ele também de pagar por sua privacidade. Na Califórnia, por exemplo, há uma versão light da Lei Geral de Proteção de Dados (GPDR), em que se autoriza a coleta, mas não a venda dos dados. “Combinar privacidade com experiências dirigidas representa uma oportunidade de colocar o consumidor no centro da estratégia, construindo confiança. Na Adobe, chamamos isso de ‘privacidade experiencial’. Ou seja, as pessoas querem experiências, e a privacidade deve ser parte importante da experiência”, afirmou Alisa.
O desenvolvimento de tecnologias e protocolos relacionados à adoção de maior transparência no manuseio dos dados foi um dos destaques da palestra de Benjamin Dick, Director of Product, Data do IAB Tech Lab, consórcio sem fins lucrativos voltado ao crescimento de uma mídia digital eficaz e que beneficie o consumidor. “Trabalhamos para combater as fraudes na publicidade digital e melhorar brand safety, a experiência do consumidor com anúncios e a transparência e eficiência da mídia programática”, comentou.
Dick citou como exemplo as medidas tomadas pelo IAB Tech Lab para que este futuro seja possível. Entre elas estão a criação do Ads.txt, uma lista para publishers de vendedores autorizados a comercializar o seu inventário; a determinação de uma ID padronizada para browsers, adotada já mundialmente por mais de 60 empresas de diversos setores; e o estabelecimento de padrões de transparência, que facilite a identificação de possíveis atividades fraudulentas.
Outro aspecto da transformação digital, o advento de tecnologias de machine learning, foi discutido em painel mediado por Adriano Henriques, Director, Americas Platforms do Google. “Temos no Brasil 148 milhões de usuários online, que geram diariamente 22 exabytes de dados. E as empresas estão buscando um modo legal para obter permissão para usar tudo isso, o que certamente passará pelo cloud e machine learning”, comentou, ao defender o aumento do nível de automação. “O processo de tomada de microdecisões por parte das máquinas já começou, e é irreversível”.
Para Alexandre Montoro, sócio do escritório de São Paulo do Boston Consulting Group (BCG), o machine learning multiplicou as possibilidades de estratégias para atingir o consumidor. “Alcançar a audiência é fácil. O fator chave de mudança é realmente personalizar as mensagens”, defendeu. Leo Naressi, CIO da DP6, comentou que, apesar do grande número de empresas que começaram a investir, já há alguns anos, na personalização dessas mensagens, algumas companhias só iniciaram esta jornada recentemente. “Isso mostra que ainda há um bom caminho a trilhar. Os robôs não vão nos substituir, mas o gestor que se apoia na inteligência artificial vai ocupar o lugar de quem não fizer isso”, concluiu. Para Daniel Lazaro, Analytics Delivery Lead for LatAm da Accenture, o desenvolvimento sadio de uma cultura de machine learning dentro de uma empresa exige que toda a equipe esteja envolvida. “Não há dono da informação dentro de uma corporação”, afirmou.
Neste cenário de múltiplas possiblidades para atingir a transformação digital em conformidade com a Lei, Pete Kim, CEO da MIGHTYHIVE, explicou que há pelo menos um ponto em comum a que toda empresa do mundo digital deve estar atenta: o consumidor exige relevância. “E para que isso aconteça, é necessário exercer maior controle sobre planejamento de mídia e análise de dados, e muitas empresas começam a internalizar esses processos, seja de modo completo ou de forma híbrida, com o apoio de parceiros, defendeu.
De acordo com Kim, o primeiro passo nesse processo é encontrar parceiros confiáveis, que forneçam plataformas de dados baseadas em transparência e que sejam adequadas à suas necessidades. Além disso, é preciso planejar, para determinar até aonde a organização pretende chegar com seu planejamento de mídia. “Com essas informações, torna-se possível criar o mapa a ser seguido para uma mudança efetiva”, concluiu Kim.
A relevância exigida pelo consumidor sugerida por Kim também passa pela captação da emoção do usuário. Este foi o mote da palestra de Rachel Zalta, Global Research and Insights Lead na Taboola, cujo estudo apresentado concluiu que a emoção é um fator chave para gerar engajamento quando se trata de conteúdo em vídeo.
“O Brasil possui características próprias interessantes”, disse Rachel. Por exemplo, vídeos com animais atraem 46% mais atenção entre os usuários brasileiros, em comparação a uma média global de 2%. Vídeos em preto e branco geram atração 95% maior nos brasileiros, enquanto no resto do mundo são as cores que chama mais a atenção. Já vídeos sobre comida geram atração 211% maior no Brasil, embora, globalmente, não pareçam ter atratividade. Para Rachel, essas diferenças salientam a necessidade da criação de conteúdo que levem em conta essas especificidades locais, e também os “micromomentos”, situação nas quais o consumidor está procurando algo, um determinado produto, ou alguma nova atividade, ou quando finalmente está pronto para realizar a compra.
Fonte: Jornal Dia a Dia