O desconhecimento sobre a utilização por parte dos empresários e seus funcionários, a falta de clareza com relação à cobrança de tarifas nas operações e a ausência de uma integração aos sistemas de software dos estabelecimentos comerciais devem atrasar a popularização do Pix no varejo.
Representantes de associações entrevistados pelo Valor acreditam no potencial que o novo sistema de pagamentos instantâneos tem para ajudar a alavancar as vendas, pela promessa de reduções de custos e do uso do dinheiro em espécie, mas mostram preocupações que precisam ser resolvidas para que o Pix seja disseminado.
Ao divulgar o balanço de um mês de operação do Pix, o Banco Central (BC) revelou que 84% das operações foram entre pessoas físicas; 7% de empresas para pessoas físicas; 6% de pessoas físicas para empresas; e 3% de empresas para empresas.
Pesquisa realizada em dezembro pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) mostrou que 71% de 300 entrevistados, entre donos de micro e pequenos estabelecimentos e de restaurantes, disseram que ainda não incentivam o uso do Pix. Apenas 12% afirmaram que já colocaram sinalizações para essa utilização. E isso com 62% respondendo que já fizeram cadastro de pelo menos uma chave no Pix. O principal receio é com relação ao novo arranjo não ser integrado ao sistema da loja, seguido pelas taxas cobradas e receio de fraudes.
Já uma pesquisa da área de Inteligência de Mercado da Globo aponta que 44% dos clientes têm interesse em usar o Pix como método de pagamento em lojas físicas, e 47% no comércio on-line. Além disso, 68% dizem que é muito alta a probabilidade de aumentar o uso do Pix se forem oferecidos descontos. Entre os clientes que costumam pagar suas compras com boleto, 54% pretendem migrar para o Pix. No pagamento com dinheiro, esse nível é de 53%; no cartão de débito, 49%; e no cartão de crédito, 39%.
O presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci, explica que não há, de maneira acessível, soluções que ofereçam a conciliação do Pix no controle das vendas nos softwares das lojas, como já existe para cartões, por exemplo.
Hugo Lumazzini, analista de gestão de soluções do Sebrae Nacional, diz que outra dificuldade é não ter uma comprovação de que a operação foi realmente feita se o funcionário que estiver recebendo a transação não tiver acesso à conta corrente que está registrada para receber o Pix, normalmente em nome do dono do negócio.
Um dos riscos apontados é caso o pagador seja um fraudador. Ele pode simular que o pagamento foi feito e, sem ter como comprovar a operação, o funcionário, receoso de perder um cliente, libera a mercadoria.
Outro ponto destacado é a questão das tarifas. Pelas regras do Banco Central, as pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) estão isentos de taxas. Entretanto, se receberam mais de 30 Pix por mês, isso se configura como atividade comercial e, a partir da 31ª operação, poderá haver cobrança. Os representantes das associações afirmam que é necessário um melhor posicionamento dos bancos sobre como farão a cobrança. Para eles, essa situação causa insegurança.
Kelly Carvalho, assessora econômica da Fecomercio-SP, comenta que a solução é orientar o empresário a pesquisar as instituições que ofereçam as melhores condições.
Para Raul Moreira, diretor executivo de TI, Produtos e Open Banking do Banco Original, todas as instituições deveriam se mobilizar para zerar as taxas de transações no Pix para pessoa física e MEI. “ O mercado como um todo deveria fazer o mesmo”, afirma.
Roberto Longo, vice-presidente jurídico da Associação Paulista de Supermercados (Apas), diz que alguns bancos estão cobrando taxas no Pix que são 50% superiores às do cartão de débito. “Nesse cenário, qual interesse o mercadista vai ter em promover o Pix? Zero. Boa parte das transações com cartão de débito hoje já é repassada ao lojista no mesmo dia. O BC tem que regular a tarifa, não pode deixar para a autorregulamentação”, disse.
Procurado, o BC afirmou que o modelo de precificação (custo fixo ou percentual) e os valores das tarifas devem ser livremente definidos. “Vale ressaltar que o Pix é um sistema aberto no qual centenas de participantes podem oferecer serviços de pagamentos para pessoas jurídicas”. A autoridade acredita que a entrada de novos ofertantes criará mais concorrência e reduzirá as tarifas. “De qualquer forma, o BC está monitorando e atento para o eficiente funcionamento desse novo meio de pagamentos”. O BC cobra R$ 0,01 a cada dez transações da instituição que recebe o Pix.
Jorge Gonçalves Filho, vice-presidente e conselheiro do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), diz que o Pix vai se popularizar com o tempo. Segundo ele, mais de 40% dos membros do IDV – que reúne as 70 maiores varejistas – estão prontos para operar o sistema. “Existe uma variação enorme das tarifas. Os empresários precisam negociar com sua instituição financeira e nossa expectativa é que essa concorrência vai reduzir os custos”, explica.
De acordo com ele, os membros do IDV ainda não têm feito campanhas para incentivar a adoção do Pix pelos consumidores porque primeiro estão adaptando a questão tecnológica e negociando as taxas com os bancos, mas o avanço do sistema é “inexorável”. “Em vários países o pagamento instantâneo já representa uma boa parcela das compras no varejo, mas em nenhum lugar foi um crescimento explosivo, é algo gradual, que vai crescendo com o aprendizado”.
Ao mesmo tempo, Carlos Netto, CEO da Matera, analisa que os primeiros meses de operação não estimula a disseminação no Pix no varejo. “Os e-commerce de grandes empresas, que têm bala na agulha, não quiseram tomar o risco de criar um novo processo de check-out em meio às vendas de fim de ano”, explica. Para o comércio, as vendas natalinas e da Black Friday são as mais importantes do ano.