Em difícil situação de caixa e com vendas em queda, a Inbrands, dona das marcas de moda Ellus, Richards e Salinas, renegocia dívidas com bancos e pode recorrer a um aumento de capital bancado pelos sócios.
A hipótese de uma capitalização, pública ou privada, foi mencionada em recente ata de assembleia de debenturistas, relativa à quarta emissão de títulos da empresa, no valor de R$ 475 milhões, em duas séries. Um aporte dos acionistas seria uma contrapartida da varejista à aprovação de propostas apresentadas em assembleias neste ano. Entre os principais titulares das debêntures estão os bancos Bradesco, Itaú, ABC Brasil e Votorantim. Os gestores de fundos com mais títulos são Western Asset, Santander Gestão de Recursos e Votorantim Asset.
A agência de classificação e risco de crédito Fitch, em relatório divulgado em maio, vê como provável um aporte dos sócios no valor de até 15% da dívida financeira, cujo valor era de R$ 490 milhões em março.
Na sexta-feira passada, na mais recente assembleia dos investidores sobre o tema, foi adiada para julho a discussão de uma proposta da empresa para mudar, de forma definitiva, condições e características da emissão. De forma temporária, algumas garantias já foram flexibilizadas.
Com 12 marcas no varejo de moda, a Inbrands enfrenta um cenário difícil há algum tempo. O projeto de criação de uma empresa consolidadora no setor, desenhado anos atrás pela Vinci Partners e outros sócios, não avançou como previsto, após o último fracasso no plano de fusão com a Restoque em 2016. Além do efeito da recessão no varejo, que afetou o mercado em geral, fontes próximas à empresa dizem que falhas na gestão, na definição de coleções e a política de preços em alguns trimestres afetaram o negócio.
“Houve muita confusão na empresa, com gestões anteriores com foco em fusões e aquisições […]. Houve distração em relação ao foco do negócio, que é o varejo”, disse Nelson Alvarenga, um dos sócios, em entrevista ao Valor em março de 2017. Alvarenga e Américo Breia, fundador da GAS Investimentos, são os maiores acionistas da empresa, diretamente ou por meio de fundos. A Vinci tem hoje uma fatia marginal, por meio de um fundo de investimento.
A Inbrands faturou R$ 715 milhões em 2017, uma queda de 13% sobre o ano anterior. No primeiro trimestre de 2018, a retração foi de 17%. Na divulgação dos resultados, o comando da empresa atribuiu o recuo à desaceleração forte no consumo no país. De janeiro a março, o prejuízo cresceu 4,5%, para R$ 16,8 milhões. O grupo não informa mais o seu número de lojas nos balanços. O último dado disponível, de setembro de 2016, mostra 367 pontos — 191 próprios e 176 franquias.
Procurados pela reportagem, tanto a companhia quanto os bancos preferiram não se manifestar sobre as negociações envolvendo as debêntures.
O Valor verificou 23 das 39 atas de assembleias realizadas neste ano sobre o assunto. Essas negociações começaram em 2017, e as reuniões se tornaram rotineiras depois que a empresa descumpriu, no fim de 2016, cláusulas relativas à quarta emissão de debêntures (chamados “covenants”), no valor de R$ 474,3 milhões.
A varejista não atingiu indicadores financeiros relativos a endividamento determinados no contrato. Isso ocorreu no terceiro e no quarto trimestres de 2016, logo após a emissão das debêntures, em agosto. Nesses casos, os investidores podem pedir antecipação de vencimento da dívida total.
Novas cláusulas foram renegociadas para os três primeiros trimestres de 2017 para que a empresa não tivesse declarado o vencimento antecipado da dívida. Só que no último trimestre do ano passado foi definido que as cláusula sobre endividamento do contrato antigo voltariam a valer, e a empresa não as cumpriu novamente.
Somado a isso, há quatro meses, a varejista precisou pagar a primeira parcela, de R$ 51,7 milhões, relativa ao valor principal da dívida, mas o montante não foi pago, e tem sido postergado em negociações mês a mês com os bancos.
A E&Y, que faz a auditoria da empresa, afirmou em abril, em relatório publicado no balanço do primeiro trimestre, que a empresa obteve um perdão (“waiver”) dos bancos “devido à sua insuficiência de caixa”. Em março, a companhia tinha em caixa pouco menos de R$ 16 milhões, 19% abaixo do apurado um ano antes.
Há uma segunda parcela de amortização a vencer em 12 de agosto, que soma de R$ 103,5 milhões, e a empresa está em fase de renegociação das condições de pagamentos com os investidores.
Tratativas para flexibilizar condições do contrato e buscar novos prazos para pagamento de dívida já se estendem há meses, em assembleias suspensas por falta de acordo. Alguns avanços ocorreram após maio.
A empresa pediu, por exemplo, que os bancos aceitem como válidos para cálculo de garantias boletos vencidos, que não tenham sido cancelados, de produtos vendidos para as lojas franqueadas e multimarcas. Um ex-consultor em gestão da varejista, que não quis se identificar, afirmou à reportagem que a empresa teve que computar perdas por causa de atrasos em pagamentos de lojistas após 2016.
Em março de 2018, a Inbrands tinha quase R$ 40 milhões na linha de provisão de títulos a receber no atacado. É três vezes o valor apurado um ano antes.
A possibilidade de incluir boletos vencidos foi aceita em assembleia em 2017, mas apenas temporariamente, após rejeição inicial dos investidores.
Em abril, a empresa chegou a propor que fossem votadas mudanças definitivas, que vão desde a data de vencimento das debêntures ao valor da amortização e da remuneração. Os bancos decidiram não votar a pauta e adiaram essa discussão para julho.
A crise no varejo, que afetou as redes do setor, é mencionada por um gestor de um fundo para explicar em parte a fase ruim da empresa. “Houve um reposicionamento de marcas e redução de custos fixos, e também fecharam lojas que eram ruins. Isso tem melhorado margem, mas o fluxo de caixa não reage num ambiente de vendas caindo”, diz ele.
Em relatório de 9 de maio a respeito da emissão das debêntures, a Fitch rebaixou o rating da emissão em dois degraus — de “CCC(bra)” para “C(bra)”. Diz que mesmo com uma capitalização no negócio, e uma reestruturação ampla da dívida, “os recursos [de um aporte] seriam insuficientes para evitar novas rolagens no longo prazo, mesmo que haja um relevante alongamento das obrigações financeiras”.
A agência também destaca melhora na margem bruta (de 60,3% em 2016 para 66,2% em 2017) e observa que o portfólio variado de marcas mitiga pressões em determinados nichos, já que uma marca “compensa a outra”. E volta a mencionar que o volume de dívida é excessivamente elevado frente à capacidade de geração de caixa para os próximos anos.
Fonte: Valor Econômico