A forma como as marcas se posicionam em relação a questões sociais e políticas tem um peso cada vez maior para os brasileiros na hora de escolher que produto comprar, ou deixar de levar pra casa. Segundo pesquisa da agência de comunicação Edelman, quase dois terços dos consumidores (62%) disseram se importar com a postura de uma marca ao fazer suas escolhas de compra.
O percentual no Brasil supera a média global, que ficou em 57%. Nos últimos três anos, a quantidade de pessoas que disse consumir ou boicotar mais produtos por conta das posições das empresas subiu 32%.
Na avaliação de Daniela Schmitz, vice-presidente executiva de engajamento para marketing da Edelman, essa maior relevância está relacionada à atual situação do país, ao descrédito nas instituições causado pelos sucessivos escândalos de corrupção e à maior expectativa da população. “Para 62% das pessoas, o sistema está falhando com elas e 61% acham que as marcas podem fazer mais pela sociedade. Não dá mais pra ser só uma empresa preocupada em vender. As pessoas não aceitam mais empresas neutras”, disse Daniela.
Mas não basta incluir no discurso temas que estejam em voga, como a corrupção ou a igualdade de gênero. Se a marca não for coerente com o que prega – não tiver programas para coibir e punir atos de corrupção ou tiver um quadro de funcionários com pouca diversidade, apesar de levantar essa bandeira em sua comunicação – o efeito pode ser tão ou mais negativo do que não tomar nenhuma posição. “Não adianta só ser um assunto do meu interesse, tem que ser de fato um agente de transformação. A marca é obrigada agir antes de falar”, disse Daniela.
Dos 18 setores da economia avaliados no estudo, a força do relacionamento caiu em 16. Em dois (entretenimento e tecnologia pessoal), não houve alteração. O maior recuo aconteceu nos segmentos de mídias sociais e moda, que perderam nove pontos na comparação com a medição feita no ano passado, para 43, em uma escala de 0 a 100. Na média, a pontuação caiu cinco pontos, para 38. Uma leitura que pode ser feita desse declínio é que as marcas não estão atendendo a demanda dos consumidores. “As empresas parecem estar menos envolvidas hoje”, disse Daniela.
Posicionar-se sobre determinados assuntos é um tema espinhoso para as empresas. O grande problema é levantar uma bandeira que cause mais irritação do que apoio na base de clientes e afete negativamente as vendas.
Na semana passada, o sabão Omo, da Unilever, fez uma campanha de Dia das Crianças na internet chamando pais e mães a “fazerem recall de todas as brincadeiras que reforcem clichês sobre gênero”. Isso significa deixar que meninas brinquem com carrinhos e super-heróis e meninos troquem fraldas de bonecas e colecionem panelinhas. “Em linha com o novo posicionamento de marca que convida as pessoas a não deixarem a vida passar em branco, Omo quer reforçar, no Dia das Crianças, que toda a criança tem direito a se sujar e a brincar livremente como quiserem.”, afirmou a companhia.
As reações à iniciativa foram majoritariamente negativas. Até sexta-feira, o vídeo no YouTube tinha 230 mil marcações de “não gostei”, contra 38 mil de “gostei”. No Facebook, das 25 mil reações, 17 mil foram de raiva. Nos comentários, muita gente apoiou a atitude da marca, mas o clamor pelo boicote aos seus produtos também foi grande.
O efeito prático dessa discussão pode demorar para ser sentido, mas o estudo da Edelman sugere que ter um público que compra por convicção pode ser uma estratégia lucrativa. Quase um quarto dos consumidores (22%) disse que se dispõe a pagar 25% a mais pelos produtos de uma marca que se posiciona. Mais da metade das pessoas também disse que recomenda a marca, defende-a de críticas, critica os concorrentes e permanece mais fiel.
Outro resultado que chamou atenção no estudo foi o fato de as compras por convicção não serem uma exclusividade dos consumidores jovens (gerações Z e “millenials”), ou de pessoas de classes mais altas. Na baixa renda, e no público mais velho (gerações X e “baby boomers”) esse comportamento também se mostra bastante presente. De acordo com Daniela, isso demonstra que essa forma de agir se tornou um comportamento social, e não apenas uma atitude de grupos isolados.
A pesquisa da Edelman foi realizada entre março e abril em 14 países. Em cada um, foram ouvidas mil pessoas. As opiniões coletadas foram complementadas pelo monitoramento de postagens nas redes sociais, para acrescentar um contexto local.
Entre os temas que mais importam para os brasileiros, a corrupção no governo aparece em primeiro lugar, seguida por igualdade de gênero, regulação ambiental política econômica e questões de privacidade. A ordem é diferente da média mundial, que tem a saúde na dianteira e corrupção, regulação ambiental, política econômica e imigração na sequência.
Fonte: Valor Econômico