A pirataria é um dos grandes desafios da indústria têxtil. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) estima que entre 35% e 40% de todo o volume comercializado no setor sofra algum tipo de incorreção no processo entre a fabricação e a distribuição. A confecção catarinense Marisol S.A, dona de marcas como Lilica Ripilica e Tigor T. Tigre, voltadas ao universo infantil, estima perder cerca de R$ 4 milhões por ano com produtos piratas. O levantamento é feito a partir do rastreamento de anúncios falsos retirados da internet e apreensão de itens.
Desde o segundo semestre de 2019, cinco operações de apreensão foram realizadas em São Paulo e em Jaraguá do Sul (SC), cidade-sede da Marisol. O escritório jurídico Meirelles IPC foi o responsável por conduzir as ações e contou com a participação de autoridades de fiscalização e apreensão, como policiais civis e agentes da Receita Federal, apreendendo mais de 56 mil peças. A maior operação aconteceu no último mês de dezembro, com 46,7 mil produtos e insumos falsos das duas marcas da Marisol apreendidos. De acordo com o escritório, uma fábrica clandestina, localizada na capital paulista, tinha capacidade para produzir até cinco mil unidades por semana.
As peças falsificadas da Marisol são vendidas em lojas físicas, mas, assim como o restante do varejo, também migraram para o e-commerce com mais força ao longo de 2020. Em entrevista a PEGN, o presidente da empresa, Giuliano Donini, observa que a tendência da digitalização já vinha acontecendo, e a pandemia ajudou a acelerar o comportamento humano, em geral, o que envolve negócios formais e informais. “Por mais que tenha aumentado a diversidade dos ambientes que precisam ser controlados, aumentou também a capacidade de monitoramento. O uso da tecnologia ajuda a ser mais capilar e presente, simultaneamente”, explica.
Desde outubro de 2019, a empresa conseguiu excluir 6.749 posts e/ou anúncios de produtos falsos das marcas Lilica Ripilica e Tigor T. Tigre. No mesmo período, 1.154 perfis de vendedores de peças falsificadas das marcas foram excluídos de marketplaces e redes sociais. Em conjunto, os perfis tinham mais de 560 mil seguidores.
Para rastrear os vendedores, a área jurídica da Marisol aposta, desde meados de 2019, em recursos de inteligência artificial, que ajudam a mapear anúncios de produtos falsos em grande escala em marketplaces e redes sociais. Depois, as denúncias são encaminhadas às plataformas e os perfis são removidos em até 24 horas.
Em um primeiro momento, o foco esteve apenas nos principais sites de marketplace, como o Mercado Livre. A fornecedora de tecnologia da varejista, que ajudou a automatizar todo o processo, é a Offer Technologies. A Marisol diz que, durante a pandemia, também houve um crescimento no número de vendedores em plataformas sociais, como Facebook e Instagram.
A produção anual nas fábricas da Marisol passa de 15 milhões de peças de roupa e 500 mil pares de calçados. Os canais de venda mais representativos são as franquias e clientes varejistas licenciados, que também ajudam a rastrear falsificações em suas regiões de atuação. Hoje, o grupo tem 76 lojas da Lilica&Tigor e cinco da Marisol, entre próprias e franquias, e nove unidades próprias do Clube Marisol.
Nestes casos, é analisado o volume e a viabilidade para investigação do caso. O trabalho de varredura, de acordo com Donini, não tem como objetivo final identificar apenas o canal pelo qual as peças são vendidas para o usuário, mas também a fonte onde são produzidas, como a fábrica clandestina em São Paulo, por exemplo.
“Uma das coisas que fomos aprendendo é a administrar a paciência. A esmagadora maioria de nossas vendas acontecem nas franquias e nos clientes licenciados, que nos ajudam a monitorar, mas também, com razão, pressionam para que a Marisol resolva com velocidade. Isso muitas vezes prejudica o processo. Precisamos sempre encontrar o equilíbrio e entender que não adianta só matar a ponta, precisa perseguir a origem”, diz.
Entre janeiro e outubro do ano passado, a Receita Federal apreendeu cerca de R$ 2,67 bilhões em mercadorias ilegais, de diversos setores, 2% a mais do que em 2019. Só em uma ação ocorrida em um shopping popular na região do Brás, em São Paulo, no final de 2020, estima-se que tenham sido apreendidos R$ 300 milhões em itens de vestuários, de marcas diferentes.
Na visão de Fernando Pimentel, presidente da Abit, é necessário que o ambiente de negócios seja aperfeiçoado, principalmente em relação a questões tributárias e burocráticas, para que empreendimentos de todos os portes possam ter acesso a ferramentas de combate à falsificação. “Empregos de qualidade, que é o que buscamos nos negócios formais, não existem nos negócios informais. A luta contra a pirataria é fundamental para que o Brasil cresça de forma mais sustentável”, afirma.
O departamento jurídico da Marisol elaborou um guia de identificação de produtos piratas, com detalhes de padronização das marcas. O material ajuda a capacitar as autoridades de fiscalização a identificar os itens falsos.
Donini diz que vem agindo em conjunto com outras marcas, de diversos setores, que também são alvo de pirataria, para promover treinamentos de agentes de fiscalização em Fortaleza (CE), no Porto de Suape (PE), Foz do Iguaçu (PR) e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, polos representativos de produção e de entrada de produtos falsos. “Acaba virando um benchmark. Com o tempo e a troca de ideias entre as empresas, adaptamos pequenos macetes nos produtos que ajudam a identificar a pirataria, por exemplo”, explica.
A empresa investe cerca de R$ 200 mil por ano para rastrear e apreender produtos falsificados, uma média de R$ 15 mil a R$ 18 mil por mês. E o executivo não vê como uma despesa que possa deixar de existir no futuro. “Queremos que nossas marcas sejam cada vez mais conhecidas e, para isso, investimos em publicidade e encantamento do consumidor. O sucesso, indiretamente, faz com que o mercado ilegal também se interesse em falsificar nossos produtos”, diz.
Fonte: PEGN