O maior site brasileiro de hotelaria nasceu quando dois empresários ligados ao e-commerce se revoltaram com os preços dos hotéis em São Paulo.
No fim de 2010, os irmãos João Ricardo Mendes e José Eduardo Mendes, ambos cariocas, tinham compromissos na capital paulista. Ao desembarcar, saíram em busca de algum hotel que fosse bom e barato. Não encontraram. “Só topamos com quartos a preços estratosféricos. Eu não queria gastar 400 reais em uma diária, e achei um absurdo não haver nenhum grande portal ou site de viagens oferecendo hotéis a um custo acessível”, conta José Eduardo. Na sequência, saindo de um jogo do time pelo qual ambos torcem (Fluminense), veio a ideia de criarem eles mesmos tal site. No início de 2011 nascia o Hotel Urbano.
“Meu irmão notou uma similaridade do Brasil com a Europa no que tange ao setor hoteleiro: a baixa concentração de mercado”, lembra João Ricardo. “Lá, como aqui, mais de 85% dos hotéis são independentes. É o contrário do que ocorre nos EUA, onde quase 90% dos estabelecimentos pertencem às grandes redes.” Essa característica, somada à baixa ocupação dos estabelecimentos fora das grandes cidades, determinou o sucesso do site. Os pequenos empreendimentos logo enxergaram no Hotel Urbano um meio eficiente de atrair hóspedes. Na sequência vieram os grupos hoteleiros de grande porte, que não queriam perder mercado.
E então vieram os fundos de investimento.
Em 2014, o site recebeu aportes de dois deles, o Tiger Global e o Insight Venture Partners. No início de 2015 – quando a base de hotéis que vendiam diárias via Hotel Urbano chegava a impressionantes 10 mil estabelecimentos – mais dinheiro entrou, desta vez vindo da Priceline, maior operadora mundial de turismo na internet. Em novembro daquele ano, os irmãos, que tinham ficado com apenas 34% do negócio, foram alijados do comando da empresa. Quase que automaticamente, os resultados do Hotel Urbano começaram a decair.
O QUE ACONTECEU?
José Eduardo analisa: “Não acredito em empresas geridas por grandes fundos de investimento, muito menos por fundos de venture capital. Esses caras, em sua grande maioria, só olham números e se esquecem completamente do fator humano, se esquecem de que a execução do negócio é feita por pessoas”.
De fato, uma das marcas da gestão dos fundos foi a demissão de dezenas de funcionários da “velha guarda” da empresa, que passou a se ressentir da falta de colaboradores que entendessem do negócio.
Foram dez meses de gestão do negócio pelos fundos. “Para ser mais preciso, 296 dias, pois eu contei cada um”, afirma João Ricardo. No período, o site perdeu parte da relevância que havia conquistado. Na metade de 2016, a base de hotéis que vendia diárias pelo Hotel Urbano desabara para 2 mil estabelecimentos. Em setembro, os irmãos Mendes recompraram as fatias do negócio que estavam sob controle do Insight Venture Partners, do Tiger Global e da Priceline e voltaram a comandar a empresa.
Agora, garantem, o terreno perdido será retomado, e revelam algumas das ferramentas que usarão para tanto. “Vemos um potencial enorme de internacionalização da empresa”, diz José Eduardo. “Expansão internacional é um movimento natural, e agora, com o controle da companhia, podemos fazê-lo de forma estruturada e na hora certa”, complementa João Ricardo.
Entre 2011, quando foi criado, e 2015 o Hotel Urbano cresceu a uma taxa média de 50% ao ano. As vendas geradas pelo site foram de R$ 90 milhões em 2012 para R$ 560 milhões em 2015.
SANGUE NOS OLHOS
“Recomprar o Hotel Urbano foi uma decisão muito mais racional do que emocional”, garante José Eduardo. “Construímos ao longo dos últimos cinco anos uma marca muito forte nas mídias sociais, com mais de 18 milhões de clientes cadastrados e dona da maior página de viagens do Facebook no mundo, com mais de 12 milhões de fãs. O site é também o maior vendedor de diárias de hotéis de lazer no Brasil”, completa.
Na nova estrutura, João Ricardo será o CEO e José Eduardo, o presidente do conselho. Uma das metas da dupla é recuperar a taxa de conversão do site – a quantidade de visitas que geram vendas. Durante a época em que foi administrado pelos fundos, a empresa amargou uma queda de 75% nesse índice.
“Estamos trazendo de volta as pessoas boas que tinham saído e estamos recuperando o ‘sangue nos olhos’ das que ainda estavam na empresa”, diz João. Seu irmão completa: “Trouxemos de volta o time original, que praticamente fundou o Hotel Urbano conosco, porque acreditamos que apresentações em PowerPoint e planilhas de Excel podem ser ensinadas em faculdades, mas atitude e caráter ou a pessoa tem ou pode voltar para casa”.
O ETERNO RETORNO
O caso do Hotel Urbano – uma empresa recomprada por seus proprietários originais algum tempo após ser vendida – tem precedentes, dentro e fora do Brasil.
O caso mais conhecido no Brasil é o da Wise Up, retomada por seu criador, Flávio Augusto da Silva, por R$ 398 milhões no final de 2015. Ele havia vendido a rede de escolas de idiomas para a Abril Educação (atual Somos Educação) em 2013 por R$ 877 milhões.
Famoso também é o caso da Forno de Minas. A fábrica de pães de queijo foi comprada em 1999 pela multinacional americana Pillsbury – que por sua vez seria adquirida pouco depois pela General Mills, dona da marca de sorvetes Häagen-Dazs e que decidiu fechar a fábrica da Forno de Minas em Contagem (MG). Em 2009, a família Mendonça, que não revela os números, recomprou a empresa por uma fração do valor da venda.
No exterior, o caso mais emblemático é o da fabricante norte-americana de computadores Dell. Fundada em 1984 por Michael Dell, alguns anos depois a companhia tornou-se uma gigante do setor e abriu seu capital. Em 2013, ele recomprou as ações.