A partir da separação dos negócios de atacarejo, a divisão que reúne formatos como hipermercados, supermercados, lojas de vizinhança e e-commerce do Grupo Pão de Açúcar tem o desafio e a oportunidade de mostrar que o mercado não está pagando o preço correto por sua estratégia e desempenho
“Nós já temos gestão, estratégias, definições de precificação, relacionamento com fornecedores e clientes totalmente separadas e muito claras”, afirmou Ronaldo Iabrudi, vice-presidente do Conselho de Administração do GPA, em teleconferência hoje pela manhã. “O que esperamos é dar maior visibilidade e entendimento sobre cada operação.”
Ao jogar luz sobre a estratégia e o desempenho dos dois ativos, uma questão chama atenção para o saldo dessa equação no futuro: qual será, de fato, o valor da operação de multivarejo, que reúne formatos como hipermercados, supermercados, lojas de conveniência, de vizinhança e e-commerce?
Enquanto o Assaí tem sido o motor de crescimento do grupo nos últimos anos, a unidade em questão foi apontada – e precificada – muitas vezes pelo mercado como a face negativa da operação. O novo arranjo abre espaço, porém, para que o multivarejo mostre realmente a que veio.
Sob esse contexto, em relatório divulgado nesta quinta-feira, os analistas Victor Saragiotto e Pedro Pinto, do Credit Suisse, destacam que a atual avaliação do GPA “não faz sentido” e ressaltam que, levando-se em conta apenas os múltiplos do Assaí em comparação ao seus pares no mercado, o negócio de atacarejo já responderia pelo valor de mercado atual de todo o grupo, próximo de R$ 17 bilhões.
“Isso implica em quase nenhum valor para o multivarejo e outros negócios, o que não é justo, especialmente à luz do forte momento para as empresas de varejo de alimentos no Brasil”, escreveram os analistas, que estipulam o preço alvo da ação do GPA em R$ 112. O papel fechou o pregão da quarta-feira cotado a R$ 62,15.
Nessa mesma linha, os dois analistas fizeram um questionamento citando o desempenho do multivarejo do GPA. “Quanto você estaria disposto a pagar por um negócio que tem crescido em um ritmo consistente de 28% nos últimos 5 anos?”
A avaliação do grupo também chama atenção quando comparada aos números do Carrefour, seu principal concorrente no País. Com uma receita líquida de R$ 20,7 bilhões no segundo trimestre, alta de 58,7% sobre igual período de 2019 e um lucro líquido de R$ 333 milhões, o GPA tem um valor de mercado de R$ 16,6 bilhões e suas ações acumulam uma queda de mais de 30% no ano.
O Carrefour, por sua vez, reportou uma receita líquida de R$ 15,9 bilhões no período, com crescimento de 14,7%, e um lucro líquido de R$ 713 milhões. A rede está avaliada em R$ 41,4 bilhões e suas ações recuaram 11% em 2020.
O GPA tem um valor de mercado de R$ 16,6 bilhões e suas ações acumulam uma queda de mais de 30% no ano
“O que pesa muito são os problemas seríssimos de endividamento e a estratégia de longo prazo do Casino, sócio controlador do GPA”, diz uma fonte do mercado. “Nesse sentido, o mercado enxerga o GPA como um ativo muito mais comprometido do que o Carrefour.”
Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, outro fator interno, o forte desempenho do Assaí nos últimos anos, afeta diretamente o multivarejo e ajuda a explicar esse cenário. Entre abril e junho, a receita líquida do atacarejo cresceu 25,9%, para R$ 8,2 bilhões. No trimestre, a receita do multivarejo avançou 11,4%, para R$ 7,2 bilhões.
“Durante um bom período, o Assaí foi um escudo para os problemas no multivarejo, especialmente com o desafio de equalização do formato de hipermercados”, diz Terra. “Mas, hoje, os resultados do Assaí também ofuscam parte dos avanços que o multivarejo do GPA vem conquistando.”
Entre esses avanços, Terra ressalta questões como o forte trabalho da rede em marcas próprias e as reformas e conversões dos hipermercados em novos formatos. “Eles repensaram toda a malha de lojas da bandeira Extra e conseguiram entregar um bom formato em supermercados, além de outros modelos, como as lojas de conveniência e de vizinhança”, afirma.
Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail, ressalta outras frentes mais recentes no multivarejo do grupo. “O principal ponto é a revitalização da proposta de valor premium da bandeira Pão de Açúcar”, afirma. “E também de relacionamento com clientes, o que passa muito por dados e personalização.”
Outro ponto em destaque é a estratégia digital, que já responde por 15,3% das vendas da bandeira Pão de Açúcar, de supermercados. No segundo trimestre, o e-commerce de alimentos teve um crescimento de 272% e o online chegou a uma participação de 5,6% das vendas totais da categoria.
“Não estamos falando mais de uma startup”, afirmou Peter Estermann, CEO do GPA, na teleconferência dos resultados do segundo trimestre, há cerca de um mês, fazendo uma referência à operação que une o e-commerce e a James Delivery, startup de entregas comprada pelo grupo em 2018. “Somando essas duas vertentes, vamos chegar a um valor de vendas de R$ 1,3 bilhão”, acrescentou.
Na teleconferência realizada hoje pela manhã, Jorge Faiçal, diretor-presidente do multivarejo do GPA, destacou alguns dos próximos passos da divisão, como o lançamento, em dois meses, de um marketplace, e o plano de finalizar, no primeiro trimestre de 2021, o projeto de conversões dos hipermercados em supermercados, sob a bandeira Mercado Extra.
“A separação dos negócios vai nos dar autonomia de caixa”, afirmou. “E com essa estrutura vamos poder estimular e acelerar muitos dos pilares que temos no multivarejo.”
Ainda é cedo para saber se a estratégia será bem-sucedida e se o GPA vai conseguir destravar o valor dos dois ativos, em especial, do multivarejo. Mas a resposta inicial do mercado ao anúncio foi positiva. Por volta de 12h35, as ações do grupo operavam com alta de 13,21% no pregão da B3.
Fonte: Neofeed