Quanto maior o número de serviços usados pelas lojas parceiras, maior tende a ser a parcela paga às plataformas sobre seu faturamento, o que aumenta a receita das e-commerces
O setor de telecomunicações tem ensinamentos valiosos para as e-commerces. Em 1998, a Telebrás, holding de telecomunicações estatal, em precária situação financeira, não conseguia investir na expansão do sistema, tornando a oferta de terminais muito inferior à demanda.
Essa procura não atendida recebia o freudiano nome de “demanda reprimida”. As linhas telefônicas eram objeto de desejo e riqueza. A da minha casa, 249-0104, era informada na declaração de IR do meu pai.
Naquele ano, a Telebrás seria privatizada. Como suas ações representavam cerca de metade do Ibovespa, a expectativa do mercado com o setor era imensa. Após passarem para o setor privado, as ações das companhias apresentaram excelente desempenho nos anos seguintes. O número de linhas telefônicas aumentou. O lucro não era uma preocupação imediata dos analistas. O raciocínio era o de que, com o incremento da base de clientes, o crescimento da receita e, por conseguinte, do lucro, seria apenas questão de tempo.
Com cabelos mais ralos e barriga maior, percebo a mesma cobrança feita há 20 anos agora em relação às e-commerces brasileiras: o importante é o crescimento da base de consumidores. As e-commerces possuem dois clientes: os consumidores de suas lojas próprias ou das lojas de terceiros, que impulsionam o GMV (“gross merchandise value”), e as lojas parceiras, que, dependendo dos serviços utilizados, alavancam o “take rate”. Explico melhor.
Há 20 anos o foco era no crescimento do número de terminais. Hoje, está no incremento do GMV e no “take rate” das e-commerces. O GMV é a receita das lojas próprias e parceiras da plataforma. Mas as e-commerces capturam apenas pequena parcela do GMV das lojas parceiras. Por isso, as plataformas tentam expandir serviços como entrega, armazenamento e seguros aos lojistas. Quanto maior o número de serviços usados pelas parceiras, maior tende a ser a parcela paga às plataformas sobre seu faturamento (“take rate”), o que aumenta a receita das e-commerces.
O valor justo das plataformas é função tanto do GMV quanto do “take rate”. Esse é tão importante quanto o primeiro. Segundo Fernando Werneck, analista da Petros, um “take rate” de 15% faz o valor justo de B2W ser 62% maior comparado àquele cujo “take rate” seja de 10%. A base de clientes aumentar é importante, mas, mais do que isso, interessa conhecer o quanto ela traz de receita efetiva. A análise de sensibilidade feita por Werneck mostra o impacto significativo da variação do “take rate” no valuation das empresas.
Os marketplaces virtuais das plataformas evitam gastos com aluguéis de lojas, e a venda dos produtos de terceiros reduz os dispêndios com capital de giro. Duas vantagens. Mas existem gastos, sejam aqueles investimentos típicos que vão para o ativo imobilizado, como os que vão direto a resultado (e aparecem como despesa no ano em que são feitos). E eles não têm sido baixos, fazendo com que as companhias acessem seus acionistas ou capital de terceiros de forma recorrente. Recentemente, Lojas Americanas e B2W levantaram R$ 14 bilhões em ofertas subsequentes e emissão de bônus. Em resumo, o que as telefônicas da década de 90 podem ensinar aos analistas de e-commerces do século XXI?
- O crescimento do número de consumidores é importante, mas não o suficiente para trazer retornos atrativos. Fazendo uma analogia com o segmento móvel pré-pago, é necessário que as compras nas plataformas sejam significativas para compensar os gastos associados.
- Para o retorno do negócio ser atrativo é importante manter as despesas controladas. Contudo, na ânsia de crescer rapidamente, as plataformas concedem descontos (se lembram dos subsídios dados na compra dos aparelhos pelas telefônicas?) e concedem frete grátis, por exemplo. Essas iniciativas só saberemos se serão rentáveis no futuro.
- A renovação tecnológica constante implica investimentos e despesas com pesquisa e desenvolvimento, que drenam recursos da atividade operacional, reduzindo o retorno sobre o capital investido. Quando parece que a companhia passará a gerar caixa, surge a necessidade de novos investimentos ou despesas.
- Setores intensivos em capital tendem à consolidação. Algumas teles foram absorvidas (Brasil Telecom, Tele Centro Oeste Celular, ATL, BCP) ou viraram empresas de nicho (Oi). Haverá espaço no futuro para cinco grandes companhias como Magalu, B2W, Via Varejo, Mercado Livre (Meli) e Amazon?
André Rocha é mestre em economia pela FGV/EPGE, analista credenciado pela Apimec e head of research da Petros
Fonte: Valor Invest