Por Angela Klinke | Foi ele que criou o uniforme dos “farialimers”, os analistas e gestores do corredor financeiro de São Paulo, a avenida Faria Lima. “A culpa é toda minha. Vendemos mais de 5 mil coletinhos com pluma de ganso para a XP entre 2019 e 2020”, conta rindo Felipe Siqueira, na época à frente da marca Oficina Reserva, que este ano passou a integrar o Azzas 2154, a fusão dos grupos Arezzo e Soma.
Hoje, Siqueira está nos bastidores de marcas de “lifestyle” vestindo surfistas, ciclistas e mulheres “de corpo real”. É um dos fundadores da holding The Growth Brands ao lado de Túlio Landin (atual CEO da Dengo e ex-CEO da Track & Field) e do advogado Augusto Caldas, especializado em fusões e aquisições.
Desde 2022, o grupo adquire participação entre 15% e 40% de pequenas empresas nativas digitais de moda e bem-estar, para promover sua expansão. São as chamadas “DNVB”, sigla para “digitally native vertical brand”. A holding pretende faturar este ano R$ 60 milhões. E tem um plano ambicioso de chegar a R$ 1 bilhão em cinco anos, expandindo no varejo físico, com 212 lojas.
Desenvolvemos o negócio em conjunto com os fundadores das grifes”
— Luísa Morato
Até aqui, além de Landin e Caldas, Siqueira reuniu como investidores e no conselho um “grupo de amigos com experiência em tecnologia e varejo”, como Diego Barreto, atual CEO do iFood; Marcela Rezende, da equipe fundadora da MadeiraMadeira e diretora do Stark Bank; Bruno Nardon, fundador de Kanui, Rappi e G4, entre outros.
Com uma “grande rodada de captação” prevista para este ano, destinada a fundos de investimento, os sócios pretendem fazer uma expansão omnichanel (estratégia de vendas por múltiplos canais) das marcas, focada em lojas próprias e franquias.
Na carteira do grupo hoje estão as marcas IQ, focada em roupas com performance e design para ciclismo; a Wave, marca de bem-estar sexual feminina; a Rabbit, fábrica de NFTs; a Undo for Tomorrow, de sneakers (tênis) sustentáveis com sola reciclada, feita de balões de festas infantis descartados, e a Camys, de moda feminina baseada no “básico de luxo”.
A Camys está na origem da holding. Foi criada em 2018 pela advogada mineira Luísa Morato, hoje a CEO, que começou a startup em busca da camiseta perfeita para ser usada com blazer. É uma das principais apostas no projeto de faturar R$ 1 bilhão daqui cinco anos, segundo Siqueira.
Desde o início, a marca se destacou por escolher o algodão egípcio na confecção das camisetas, matéria-prima pouco utilizada pelas malharias. “As camisetas femininas do mercado eram transparentes e coladas no corpo. Apostamos em tecido de qualidade e modelagem confortável”, diz Morato. Foram mais de 70 protótipos para chegar ao que queriam. No primeiro ano, com dois modelos (gola redonda e gola V) e três cores (branca, preta e cinza), a Camys alcançou R$ 4 milhões em vendas.
“Quando entramos no negócio, em 2021, a Camys faturava R$ 7,5 milhões. Este ano, vai chegar a R$ 31 milhões, com o ‘e-commerce’, duas lojas físicas e o atacado com presença em 110 multimarcas”, diz Siqueira. Nesse período, a Growth comprou a participação de uma sócia da marca e fez um aporte que possibilitou a expansão do mix de produtos e a profissionalização do negócio.
É bacana quando o Brasil exporta produto acabado e sustentável”
— Felipe Siqueira
Hoje, na Camys há também o “blazer ideal e 200 itens essenciais, atemporais e duráveis, que são nosso foco”, diz Morato. O valor médio da camiseta é R$ 260, o tíquete médio no site R$ 530 e nas lojas físicas R$ 880.
Morato diz acreditar que o país comporta 60 lojas Camys, no mínimo. “Vamos ter dez lojas próprias, sendo cinco em São Paulo, e depois partimos para a expansão por franquias.” Na Camys, o varejo físico, com as duas lojas próprias, sendo uma no shopping JK Iguatemi, em São Paulo, representa 42% do resultado.
A entrada de fundos de investimento que buscam resultados no curto prazo não vai mudar a essência do grupo? “Não, porque estamos escolhendo os fundos e não o contrário”, diz Morato. O objetivo é recusar fundos que possam ter prejudicado empreendedores, por exemplo. “Buscamos resultado e a sustentabilidade econômica sempre. Desenvolvemos o negócio em conjunto com os fundadores das marcas.”
Para Tulio Landin, um dos sócios da holding, o trabalho da Growth é tornar os modelos de negócios ainda mais robustos. “Nossa expertise, aliada ao capital investido e a inovação dos empreendedores, nos proporciona oportunidades únicas”, diz ele.
“Temos competências complementares e isso nos permite criar ecossistemas para impulsionar empreendedores com comunidades incríveis”, completa Augusto Caldas. Os grandes grupos de moda, diz Siqueira, querem apostar só em negócios que já estão prontos, mesmo que paguem mais caro para isso. “Eles são geniais, mas não olham para o potencial dos pequenos empreendedores.”
A Growth investe em especial nos pilares de “branding”, performance e na expansão omnichanel. “Apostamos muito nas fotos e vídeos feitos por cineastas, porque não dá para vender produtos sofisticados com campanhas feias. Isso também ajuda nas comunidades”, diz. Ao mesmo tempo, os influenciadores que são contratados também precisam “trazer tráfego.”
A mais nova marca a fazer parte do portfólio da Growth é a Cosmo Rio, fundada por Lúcia Hsu e Natalia Barros, que faz “beachwear” (moda praia) e roupas “minimalistas e confortáveis para mulheres livres.” Segundo Siqueira, o grupo acompanha outras 25 marcas nativas digitais no mercado.
“São sempre startups autênticas, focadas em tecnologia, diversidade e com uma comunidade engajada. A que se destacar, a gente investe. A Cosmo, por exemplo, nunca usou um modelo ou filtro em suas fotos de campanha e tem mais de 100 mil mulheres fãs envolvidas mesmo com a marca.”
A Undo, por sua vez, fabrica seus tênis no Brasil e tem 70% de seu resultado no mercado europeu, onde, diz Siqueira, “você não precisa explicar o que é um produto sustentável, e o maior mercado, claro, é Berlim.” O escritório fica em Lisboa e o centro de distribuição em Frankfurt.
Agora, o grupo leva a marca para os Estados Unidos, com centro de distribuição e expandindo o “e-commerce” para aquele mercado. No ano passado, a Growth convidou o surfista Gabriel Medina para ter participação, o que ampliou o público da marca.
“Ele foi colocando o tênis no pé de todo mundo legal, como a medalhista olímpica de prata Tatiana Weston-Webb. Trouxe ainda mais a comunidade do surfe para a marca”, diz Siqueira. O grupo vai trazer também os jovens, uma vez que por meio da Rabbit, o “laboratório figital” (junção de físico e digital) da holding, vai lançar tênis Undo no universo do “games”. “A garotada compra o tênis no ambiente do jogo e recebe também o sneaker físico em casa.”
Siqueira criou a marca Oficina em 2014, em Belo Horizonte, uma startup para “solucionar problemas de perfis corporais masculinos”, marca nativa digital de roupas sob medida para o público masculino.
“Na época, eu vi que o mundo do trabalho estava mudando de figura. E que uma marca confortável como a Patagônia chegava a Wall Street. Então, finquei o pé nisso”, conta Siqueira. Em 2017, vendeu a participação majoritária para o grupo Reserva. “A gente cresceu muito rápido porque criou uma marca apoiada em tecnologia, com matérias-primas muito incríveis.”
Siqueira lembra que, durante a pandemia, em junho de 2020, teve um retorno sobre um investimento global de 26 vezes, ou seja, “para cada R$ 100 mil que eu investia em tráfego pago voltava R$ 2,6 milhões em vendas.”
Em novembro de 2020, o grupo Reserva foi adquirido pelo grupo Arezzo por R$ 715 milhões. “E aí a Oficina Reserva foi junto, a marca mais digitalizada do grupo. E eu decidi sair e criar coisas novas.” Assim, ele montou o seu, digamos, “Clube da Esquina” das aceleradoras, de tantos mineiros que fazem parte do grupo.
Com a Growth, ele pretende fazer as marcas expandirem não só nacionalmente, mas também no exterior. “É muito bacana quando o Brasil exporta produto acabado e sustentável. A Dengo, por exemplo, está abrindo lojas em Paris com chocolate de cacau de agrofloresta”. Nesse sentido, diz, um dos pontos de atenção do grupo é a rastreabilidade da matéria-prima, como o algodão.
“Não dá para a gente ser um país que só exporta minérios”, diz Siqueira. Ele tem proximidade com esse cenário. Sua família é de Cataguases, na Zona da Mata mineira, onde há mineração e industria têxtil. “Mas também tem uma arquitetura modernista incrível. O Colégio de Cataguases, por exemplo, é projeto de Oscar Niemeyer, paisagismo de Burle Marx e um mural de Portinari.” São os empreendedores-criadores e o “soft power” brasileiro que ele busca valorizar no grupo.
Fonte: Valor Econômico