A história daquilo que se entende por luxo no Brasil é um compilado de aventuras coordenadas por imigrantes, socialites e empresários que se arriscaram num mercado carente por novidades como era o brasileiro no século 20, uma trama de glamour que chegou a ganhar contornos de roteiro policial.
Até a abertura das importações nos anos 1990, consumir luxo significava viajar à Europa para comprar a roupa dos sonhos ou se aventurar nas ruas chiques do eixo Rio-São Paulo, que mostravam peças assinadas por costureiros brasileiros de destaque nas colunas sociais.
Enquanto a Casa Canadá atraía a elite brasileira ao Rio, São Paulo iluminava os bailes de gala com as roupas das “madames”. A húngara Boriska e a uruguaia Rosita, imigrantes radicadas no país que fizeram fama copiando grifes francesas como Dior, Lanvin e Balmain, disputavam os holofotes até o final da década de 1950, quando os assistentes das “maisons” brasileiras começaram a costurar e agradar, sozinhos, a clientela abastada.
Dener Pamplona (1937-1978), Clodovil Hernades (1937-2009) e Matteo Amalfi (1932-2014), por exemplo, se tornaram referências da alta-costura brasileira nessa época.
Geograficamente, as imediações da Praça da República formaram o quadrilátero do luxo paulistano até a metade do século passado, mas o início dos anos 1960 trouxe o glamour dos recém-construídos Conjunto Nacional e Edifício Anchieta, potencializado pela vida social agitada do entorno, que posicionou a avenida Paulista como endereço principal da elite “fashion” da época.
Naquela mesma década nascia na Vila Nova Conceição um projeto pioneiro das socialites Lucia Piva de Alburquerque e Lourdes Aranha. Ao oferecer para amigas, em caráter privado e sem alarde, criações de marcas nacionais, elas criaram o embrião de um negócio exclusivo, que nos anos seguintes tomou 23 casas interligadas sob um mesmo nome: a Daslu.
Quando a filha de Lucia, Eliana Tranchesi, assumiu o negócio nos anos 1980, a marca se tornou a maior referência do luxo no Brasil. Foi Tranchesi quem na década de 1990 trouxe as grifes internacionais para perto da elite paulistana e, em 2005, no auge da marca, juntou os panos no templo multimarcas Villa Daslu, construção faraônica na marginal Pinheiros.
No mesmo endereço e no mesmo ano da inauguração aconteceu a Operação Narciso, deflagrada pela Polícia Federal após a descoberta de um esquema de sonegação fiscal milionário engendrado pelos donos da loja. Foi provado que por muito tempo os sócios da empreitada subfaturaram notas fiscais das roupas para burlar o fisco.
O império Daslu, porém, inspirou várias marcas a abrirem endereços em São Paulo. A primeira foi a grife alemã Montblanc, que em 1995 abriu no cruzamento das ruas Haddock Lobo e Oscar Freire o primeiro ponto da marca nas Américas. Logo a loja se tornaria a mais rentável da marca em todo o mundo, fato que chamou a atenção de diversas grifes estrangeiras.
No ano seguinte à abertura da loja, a Versace abriu as portas nas proximidades, gerando um verdadeiro efeito manada. Cartier, Christian Dior, Louis Vuitton, Salvattore Ferragamo. Boa parte da elite da moda marcou território e transformou a rua Oscar Freire e suas vizinhas em um dos quadriláteros mais luxuosos e caros do mundo.
Tanto fôlego só desacelerou em 2010, quando pipocaram notícias de operações próprias das marcas internacionais no país. Os grupos Iguatemi e JHSF, responsáveis pelas marcas de shopping centers Iguatemi e Cidade Jardim, arriscaram parcerias milionárias que expandiram as grifes pelo Brasil.
Dolce & Gabbana, Chanel, Prada, Hermès e Louis Vuitton construíram super-lojas nesses empreendimentos, que apesar da atual crise financeira ainda mantêm sólidos planos de expansão no país.
As novas estratégias das marcas internacionais fizeram a Oscar Freire perder a majestade do luxo, mas ainda hoje ela é reduto das “flagships” de marcas fortes dos segmentos de jeans, calçados e roupa esportiva, o que transforma a cidade no cartão-postal de compras para todo tipo de orçamento.
Fonte: Folha de S. Paulo