Às 20h do domingo 16 de dezembro, um intenso foguetório empolgou mais de 40 mil pessoas que se espalhavam pelo Allianz Parque, estádio do Palmeiras, na Zona Oeste de São Paulo. Não se tratava da comemoração do título de campeão brasileiro, celebrado uma semana antes na mesma arena. Ou de mais um dos shows do beatle Paul McCartney. Naquele fim de semana, o local recebeu por dois dias uma convenção de vendas e a festa de 30 anos da empresas de cosméticos Hinode, que apesar do nome de origem japonesa surgiu na garagem de uma casa humilde na Zona Norte de São Paulo. Com tamanho público, a conferência foi um sucesso.
A título de comparação, o recorde de presença em um jogo de futebol no Allianz Parque havia sido batido na última rodada do Brasileirão: o jogo entre Palmeiras e Vitória com a entrega das faixas de campeão foi visto por 41.256 pessoas. “É o maior evento de marketing multinível feito no mundo”, disse Sandro Rodrigues, sócio e presidente da Hinode, à DINHEIRO. Os jornalistas não puderam se credenciar para o evento, mas os relatos e imagens feitas pelos participantes mostram que, além dos discursos motivadores comuns a esse tipo de convenção, o evento teve a presença dos empresários Viviane Senna e Flávio Augusto da Silva, fundador da escola de inglês Wise Up e do portal meuSucesso.com. A empresa ainda trouxe Tony Robbins, o guru de autoajuda mais conhecido dos EUA.
A Hinode é a primeira marca brasileira a conseguir sucesso no modelo de vendas de marketing multinível, como as americanas Herbalife e Amway. O estilo é polêmico e criticado por funcionar num esquema parecido ao de uma “pirâmide” financeira: o vendedor precisa arregimentar novos revendedores para fazer mais dinheiro. Hoje sediada em Alphaville, bairro planejado de Barueri, na Grande São Paulo, a empresa nasceu numa garagem do Jardim Tremembé, na Zona Norte, fundada pelos pais de Sandro Rodrigues, quando ele tinha 17 anos. A mãe, a baiana Adelaide, era costureira e fazia vendas diretas para complementar a renda. O pai, Francisco, era torneiro mecânico. O espírito empreendedor de Adelaide foi o motor da empresa. A palavra japonesa “hinode” foi escolhida por ela e significa “sol nascente”, mas é usada para descrever os primeiros raios do sol no primeiro dia do ano, momento em que as famílias agradecem o que receberam e renovam os pedidos para o período seguinte.
Mas, apesar de ter três décadas de existência, a companhia só decolou quando migrou para o modelo de vendas multinível. “Eu conhecia a Amway desde 1991, mas, somente em 2008, começamos a fazer a troca do modelo clássico de venda direta pelo marketing multinível. Foi uma fase muito difícil”, conta Sandro Rodrigues. O faturamento chegou a cair 90% e a dívida representava seis vezes as vendas anuais. “Fomos com fé e sem pensar em voltar atrás. Só em 2012 aprendemos mesmo como fazer”, conclui. O cenário em 2018 foi completamente diferente. A estimativa era de fechar o ano com um faturamento de R$ 2,8 bilhões. Para 2019, a companhia planeja superar os R$ 3 bilhões. Em 2014, a receita era de apenas R$ 170 milhões.
Os concorrentes – as brasileiras Natura e O Boticário, e as estrangeiras Avon e L’Oréal – tratam a empresa com desdém. A Hinode, afinal, não investe em campanha de marketing ou em embalagens sofisticadas. “Ela representa tudo de ruim que há no nosso mercado e combina maus produtos com um discurso messiânico”, diz uma executiva do setor com a condição de anonimato.
Estratégia de expansão As críticas, porém, evidenciam certo incômodo. Segundo dados da empresa de pesquisas Euromonitor, a Hinode alcançou 7,1% das vendas de perfumaria, o seu principal negócio, o que a coloca na terceira posição do mercado brasileiro. Além disso, ela opera 1,7% das vendas diretas no País. “Estamos longe das grandes líderes do setor”, afirma Rodrigues. A Natura, por exemplo, atingiu R$ 9,85 bilhões, em 2017.
Uma das estratégias para diminuir a diferença é a internacionalização dos negócios. A Hinode já chegou à Colômbia e Peru, sede da Belcorp, que também utiliza o marketing multinível como estratégia. Agora, busca o mercado equatoriano. Outro passo é o de uma maior profissionalização. Marília Rocca, que era diretora-executiva da Ticket, a marca de cartões de benefícios da Edenred, e sócia da empresa de alimentos naturais Mãe Terra, vendida para a Unilever, foi contratada como CEO no final de 2018. Sandro Rodrigues continua como presidente, mas com foco na estratégia de negócios e na relação com os revendedores. Na verdade, ele é o dono do show.
Para manter motivado seu exército de mais de 300 mil revendedores, ele promove eventos que mistura empreendedorismo com religião. Os encontros começam sempre com todos rezando a “Ave Maria” e seguem com discursos motivacionais sobre o sucesso, a persistência e a força de vontade. Entre os slogans utilizados nos encontros destacam-se “Vem olhar além”, “Você merece o melhor”, “Dinheiro não se faz, se ganha” e “Nascer pobre não é uma escolha, morrer pobre é”. A autobiografia de Rodrigues, recém-lançada e comercializada pelos canais de vendas da empresa, se chama “Crença Inabalável”. Para a Hinode, a mistura de fé e negócios cheira muito bem.
Fonte: IstoÉ Dinheiro