Numa decisão tomada em cerca de 48 horas – que levaria uma semana e meia em tempos “normais” -, a Cia. Hering decidiu cortar do seu calendário deste ano a coleção de verão que chegaria às lojas em julho. A empresa preferiu estender a permanência da linha de inverno na rede física e no site nos próximos dois meses para desovar o estoque. E vai antecipar, de outubro para setembro, a chegada da coleção de alto verão.
“Neste ano, pela crise, toda a sazonalidade do setor mudou. Até então, tínhamos essa coleção de verão que começa a entrar na loja em julho e fica até setembro. Cancelamos e vamos seguir com o inverno, que tem muitas peças básicas que podem ser vendidas nesse período. E antecipamos o alto verão”, diz o diretor-presidente Fabio Hering.
A empresa também prorrogou em 30 dias o prazo para receber pagamentos dos franqueados, para dar algum fôlego aos parceiros, e nesta semana avança gradualmente no plano de reabertura de fábricas no país. O grupo ainda analisa se, por conta desse cenário de crise, manterá todas as marcas de seu portfólio – além da Hering, a companhia tem Hering Kids, PUC e Dzarm.
Em 2019, as vendas brutas da PUC recuaram 16,6%, o pior desempenho da carteira, enquanto a marca Hering cresceu 2,2% – em toda a empresa, a alta nas vendas no Brasil foi de pouco menos de 1%. “Estamos discutindo tudo, ainda não está definido o que será feito. Esquece aquele orçamento passado, foi rasgado e jogado no lixo”, afirma o empresário, que pertence à família fundadora e maior acionista do grupo, com 25% das ações. “A boa notícia é que a empresa sai mais ágil disso e as inovações se aceleraram. O que demorava um mês para por em prática, agora leva dias.”
Ele menciona, por exemplo, mudanças que podem envolver projetos, como a apresentação das coleções aos parceiros em “showrooms”. “Por conta da pandemia, um ponto que fica para a discussão é o showroom físico. Acho que o on-line aceleraria [uma mudança]. Outro ponto é a expansão por áreas. O interior dos Estados, menos afetado pelo vírus, pode ser um foco de maior atenção. Será preciso um novo olhar para gerenciar oportunidades”.
Neste momento, a empresa tem 148 lojas em funcionamento, seguindo autorizações municipais e estaduais, de um total de 750. Elas estão operando em Estados do Sul, Nordeste e parte de Minas Gerais, locais de menor peso nas vendas – no mercado paulista, responsável por 40% do negócio, as lojas continuam fechadas. Na primeira semana de funcionamento, os pontos reabertos faziam de 20% a 30% da venda do período anterior ao isolamento. Esse percentual chegou a 50% na semana passada.
Apesar da elevação no índice, o empresário não arrisca dizer que se trate de uma retomada gradual. “É difícil ter certeza. O que sabemos é que as lojas de rua têm tido melhor desempenho que as de shopping, talvez pelo temor maior de contágio nesses locais”. Cerca de 25% das unidades da rede estão em ruas e avenidas. Caso se confirme em outras áreas do varejo, esse movimento pode representar, no curto prazo, uma reversão de tendência. Há anos, esses pontos crescem menos da metade das lojas em shoppings.
O empresário defende que a reabertura do comércio siga critérios médicos e critica a politização do assunto. “Eu acho que temos que ir abrindo, mas sou contra retornar a abertura para todo mundo ser contaminado. Tem que respeitar a ciência. Eu recrimino muito a politização desse debate. Temos que parar de provocar desunião, e deixar essa briga de político lá para frente. Vamos parar com a provocação. Acho que agora chega, não é hora disso.”
Frente ao cenário de demanda fraca, ele vê um ambiente de forte competição em preços. “Já sentimos o mercado mais competitivo no Dia das Mães e vamos viver um estado promocional fortíssimo porque todo mundo quer fazer venda”, diz. “É um ano perdido em termos de crescimento, e todo o nosso setor vai andar para trás. É pior que o último período de recessão que vivemos.”
Segundo ele, a rede seguirá a tendência promocional de forma “moderada”, sem entrar em guerra de preços, pois tem situação de caixa confortável e não precisa fazer venda a qualquer custo
Em dezembro, o caixa estava em R$ 365 milhões, com saldo zero de empréstimos e financiamentos. Hoje, chega a cerca de R$ 400 milhões. Em março, o grupo contratou uma linha de R$ 80 milhões com o Santander, com custo de CDI mais 4,30% ao ano, e prazo de carência de um ano. “Contratamos porque havia dúvidas naquele momento sobre como ficaria o capital disponível no mercado. Podemos renegociar essas condições seis meses depois da contratação”.
A crise veio num momento em que a Hering buscava colher os resultados positivos de medidas que tomou em 2019. A companhia fechou lojas deficitárias de marcas como PUC, reformou cerca de 100 unidades da Hering, alterou a política comercial com multimarcas e acelerou a interação do site com lojas físicas. Mas com a pandemia, a projeção para o segundo trimestre é de queda nas vendas e impacto negativo sobre a margem bruta, diz o presidente.
Por outro lado, acrescenta, a situação financeira sob controle e o baixo endividamento da empresa ajudam a enfrentar essa fase. Hering pretende reduzir a compra de itens importados, para evitar pressão do dólar, de 20% do portfólio, para 10%, nacionalizando linhas.
Após o início do isolamento, a empresa parou suas seis fábricas, reduziu drasticamente as compras de insumos e deu férias a funcionários. Foi mantida uma pequena parte da produção de máscaras em Goiás. Em itens básicos, em março, a empresa tinha estoques para três meses de vendas – em itens de moda, a cobertura era de 45 dias.
Duas unidades em Santa Catarina voltam a operar nesta semana. Nas unidades de Santa Catarina e no Rio Grande do Norte, com apoio de costureiras locais, a empresa produziu quase 7 mil conjuntos de conjuntos de uniformes para doação a centros cirúrgicos.
Com a interrupção das atividades, o grupo lançou mão da medida provisória que permitiu às empresas reduzir jornadas e salários por três meses. Na companhia, a redução ficou entre 25% e 50%, a depender da área.
Fonte: Valor Econômico