Comemorando 140 anos, empresa é obrigada a se reinventar em busca de crescimento nas vendas e afugentar crise
No futebol, tradição não ganha jogo. No varejo de moda, muito menos. Que o diga a catarinense Cia. Hering, uma das maiores e mais tradicionais redes de vestuário do Brasil, fundada há 140 anos. Apesar do peso da camisa, a empresa tem enfrentado maus momentos nos últimos meses. A dona das marcas Hering, Hering Kids e Dzarm registrou queda de 45,8% na receita bruta do primeiro semestre deste ano na comparação com o resultado de janeiro a junho de 2019 – despencou de R$ 860 milhões para R$ 465,9 milhões. O recorte de abril a junho é ainda pior: -66,3%.
As dificuldades, por razões óbvias, se explicam pelos efeitos da pandemia sobre a economia brasileira. A companhia teve 100% de suas 764 lojas fechadas. As seis fábricas da empresa e seu principal centro de distribuição, no estado de Goiás, também fecharam as portas. Sem receitas e buscando diminuir o impacto, a Hering aderiu à Medida Provisória nº 936 e reduziu a folha de pagamento em 50%. A empresa não relevou os números, mas precisou demitir para amortecer os efeitos da Covid-19 sobre seus resultados.
A Hering não foi um caso isolado. O setor varejista foi um dos mais impactados pela crise neste ano. Segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), as receitas recuaram 15,1% em agosto, descontada a inflação, na comparação com o mesmo mês de 2019. Apesar da queda, o resultado mostra uma retomada do setor, tendo agosto como o quarto mês consecutivo de recuperação. Essa retomada, entretanto, tende a ser mais lenta para o varejo de moda, já que as atividades fora de casa continuam reduzidas.
REAÇÃO A estratégia para reverter esse cenário já tinha o e-commerce como foco, mas o rápido crescimento da participação de vendas dos canais digitais em um curto espaço de tempo surpreendeu. No primeiro semestre do ano as vendas foram de R$ 60,5 milhões, o dobro em relação aos R$ 29,8 milhões do primeiro semestre de 2019. Antes mesmo de imaginar a chegada de uma pandemia, a companhia realizou, no quarto trimestre de 2019, a integração de 91% das lojas – próprias e franqueadas – em omnichannel. A iniciativa foi crucial nos resultados e refletiu no crescimento de 51% no lucro líquido, chegando a R$ 131,8 milhões.
Segundo Viviane Centurion, supervisora de seis franquias da rede no interior paulista, a queda do fluxo foi de mais de 50% no período, e a adaptação ao novo modelo de venda teve que ser rápida. “Tivemos de aprender na marra, através de vídeos e cursos enquanto já atendíamos por WhatsApp e entregávamos por delivery ou drive thru”, disse. Para Viviane, o novo estilo de compra não ameaça a atuação das lojas físicas. “A compra nas lojas físicas está relacionada a um passeio, um momento de lazer. Acredito que o e-commerce veio para acrescentar e render bons resultados”, afirmou.
O novo estilo de compra desafia a companhia centenária, que teria como base de lucro a participação de franquias, responsáveis por 85% das lojas no Brasil e 100% das lojas no mercado internacional. O desafio passa a ser integrá-las ao novo consumidor e a novas soluções. Para o coordenador do curso de MBA em finanças do Ibmec (RJ), Filipe Pires, uma saída pode ser a utilização das lojas franqueadas como pequenos centros de distribuição, barateando os custos e otimizando o atendimento ao consumidor. “A marca está buscando caminhos para reduzir custo e alocar investimentos”, disse.
Para ele, o grupo possui um problema maior, de envelhecimento de branding e sofre, há cerca de cinco anos, o impacto da entrada chinesa no varejo brasileiro. “A Hering é a principal marca do grupo, mas possui um modelo que é muito exposto à competição com o mercado externo”, afirmou. Nesse cenário, a alta do dólar durante a crise entra como aliada à marca brasileira, uma vez que encarece os produtos importados. Foi um alívio. Com um cenário ainda incerto pela frente, a companhia pode encontrar, na Black Friday, o salto de vendas necessário para reverter o quadro econômico do grupo. A data alcançou, em 2019, recorde histórico, ficando responsável por 60% do faturamento das vendas do último trimestre do ano.