Por Vanessa Adachi | Fabricante de cosméticos inclui metas de gestão de resíduos e equidade na remuneração da liderança e quer 100% de rastreabilidade em matérias primas
Faz pelo menos 15 anos que o Grupo Boticário resiste ao cortejo de bancos para listar suas ações em bolsa.
Com mais de R$ 23 bilhões de faturamento, 4 mil lojas e marcas como O Boticário, Eudora, Quem disse, Berenice?, e Beleza na Web, o grupo paranaense vem praticando uma espécie de “ESG de dono”: sem pressão de investidores estrangeiros ou demandas regulatórias.
“ESG é fazer as coisas do jeito certo”, diz Artur Grynbaum, sócio do grupo com 20% do capital e CEO por dez anos, até 2020. Hoje como vice-chairman, ele é o guardião dessa agenda na companhia, a partir do comitê ESG.
Ao Reset, ele falou sobre a motivação para incorporar fatores ambientais e sociais ao negócio.
Ainda existe muita confusão nas empresas sobre o que são ações de filantropia, responsabilidade social corporativa e o que seria o ESG. O que ESG representa para você?
Tirando a filantropia, que fazemos via Fundação Boticário, o que hoje a gente chama ESG, na nossa história, já teve outros nomes, como responsabilidade social corporativa, sustentabilidade. Não estamos fazendo agora por modismo, para ‘ticar’ uma caixinha na nossa imagem.
Nos anos 90 a gente criou a fundação de proteção à natureza, mas já com um olhar de que é importante não só pela questão da conservação em si, mas por causa do quanto ela impacta a vida do ser humano. Sustentabilidade nem aparecia no dicionário corporativo.
Para nós, ESG nada mais é do que o jeito de administrar o nosso negócio. Estamos menos preocupados com a definição da sopa de letrinha, como eu brinco, e mais com o que a gente deve fazer para poder construir coisas melhores.
Se eu vou montar uma loja, todos os conceitos de sustentabilidade estão inseridos na análise; se o fornecedor é de madeira certificada, se tem ecoeficiência de energia aplicada. Se vamos lançar um novo produto, já temos que saber como vamos descartar a embalagem dele. Isso é muito mais amplo do que ter uma iniciativa específica.
Fazer um produto e destinar parte da receita ou da margem para uma ação específica é uma boa atitude, mas nós incorporamos ao negócio porque entendemos que é fazer as coisas do jeito certo.
ESG é fazer as coisas do jeito certo?
Exatamente. Se você não faz, vai ter consequências futuras para todo mundo, no ambiental, no social, tudo tem repercussão. Um bom exemplo é no campo da diversidade. Tem gente que olha para isso pensando que tem que cumprir uma cota.
Nosso olhar é que a sociedade é composta dessa maneira e, se eu quero atender a população, tenho que entender como ela é composta e tenho que entender a sua forma de pensar também. Então, tenho que ter gente no meu time dessa maneira. Nossa equipe de diversidade olha essa questão muito mais como uma alavanca de crescimento e inovação.
Sempre tentamos trazer o olhar para o business.
Incorporar aspectos ambientais e sociais ao modelo de negócios é algo que, num primeiro momento, pode significar mais custos? Como, por exemplo, pensar em cadeias de fornecimento sustentáveis ou em embalagens que geram menos resíduos?
Tem uma parte que gera mais custos e também tem o aspecto de retornos mais longos também. Uma embalagem num primeiro momento pode sair mais cara. Mas você tem que olhar o filme, não a fotografia. Vai ser mais caro na largada, mas ao longo do desenvolvimento eu gero volume, eficiência no fornecimento, e consigo voltar para meu custo objetivo.
Recentemente a gente mexeu num processo de fabricação de cremes [na fábrica] em São José dos Pinhais, do processo a quente para o processo a frio, que reduziu a necessidade de consumo de energia elétrica numa quantidade equivalente a uma cidade, se não me engano, de seis ou dez mil habitantes.
Mas por que a gente consegue fazer isso? Porque tenho gente olhando para o processo e pensando como podemos melhorar esses índices.
Eu não tinha plástico verde até um tempo atrás, hoje começa a ter. Como consigo adequar o custo da embalagem? Hoje temos a utilização de materiais pós-consumo, que vêm da reciclagem e nós estamos na ponta, fomentando. O Boticário falou com o fornecedor que queria fazer isso e montou a base de logística reversa para ele poder ter o produto. Nosso papel é dar um empurrão e trazer todo mundo para a mesa para buscar a solução.
Mas isso demanda um alinhamento entre a operação e o que espera o acionista, porque são escolhas que precisam ser feitas, não? No caso do Boticário o alinhamento é automático porque a companhia tem dono.
Isso tem a ver com a cultura da empresa também. Óbvio, se o acionista fala que não quer uma coisa…
O que você nunca vai ouvir aqui dentro é ‘eu quero resultado a qualquer custo’; e com isso estamos estimulando um tipo de comportamento. Aqui a frase que a gente usa é que o resultado que a gente gera é tão importante quanto a forma como a gente gera esse resultado. Isso é um mantra. Tem um alinhamento cultural. Tem mais facilidade porque o acionista está na operação.
Vocês sentem que existe uma demanda do consumidor e das novas gerações por produtos mais sustentáveis e inclusivos?
Não ‘uau’, mas a gente sente. A conversa com essa geração mais nova é que eles querem saber o que você faz e o que deixa de fazer e para nós isso é muito bom. Temos o papel de ajudar a influenciar as outras pessoas. Investimos um bom tempo influenciando a cadeia de fornecedores e de parceiros de negócio. Com a expectativa que não só eles façam direito como reproduzam isso com as suas cadeias também.
E como as políticas ESG se traduzem em termos de metas e de remuneração variável na empresa? Qual o percentual da remuneração que está atrelado a fatores ESG?
O percentual exato não posso fornecer. Num primeiro momento, a gente coloca dentro dos objetivos e nos primeiros 24 meses a gente acompanha sem ter indicativo de remuneração, para aprender e testar. Depois a gente coloca pra rodar. Hoje, estão na remuneração de todas as lideranças [de gerência para cima] metas de geração de resíduos e de equidade.
A gente escolhe [para compor a remuneração] os itens onde queremos botar um holofote maior. Não quer dizer que o que não está ali não seja cuidado, não seja executado. Mas aqui a gente traz a mensagem dos temas que estão recebendo um olhar mais cuidadoso. Esses são os escolhidos agora. Depois podemos trocar os objetivos ou manter. Há outros objetivos mais específicos para algumas áreas.
E como é a governança de uma empresa familiar e que não é listada em bolsa e, portanto, não tem exigências regulatórias?
As pessoas fazem uma confusão muito grande entre empresas de controle familiar e empresas de gestão familiar. A empresa de controle familiar não tem problema nenhum. Quando o mercado de capitais começou a se desenvolver de uma forma mais intensa no Brasil eu só ouvia que empresa boa é uma empresa aberta. Eu ficava furioso. Não estamos preocupados se é prática de companhia aberta ou companhia privada, a gente se preocupa se é boa prática de gestão.
Há 20 anos fazemos um ‘banking day’, reunimos todos os bancos que são estratégicos para nós, comentamos os resultados, falamos das estratégias e dos desafios futuros, para que saiam com as encomendas de como devem nos ajudar. Todos recebem a mesma informação.
Quando formamos o conselho, em 2007, não queríamos um conselho de admiração. E não queríamos um conselho para falar que a gente baixou em um ponto a margem. Isso eu sei ler ou tem gente no meu time que sabe melhor que eu. Queríamos formar um conselho que nos ajudasse a pensar sobre como estruturar melhor os negócios, como pensar em crescimento. Mas isso requer maturidade de quem está propondo.
Já vi muito conselho pró-forma. Tem empresa que traz conselho para dar credibilidade para a empresa. A gente faz porque acredita no modelo.
A boa governança não mistura os papéis, porque outra coisa muito comum é você ter conselheiro querendo fazer papel de executivo.
Passado todo esse tempo, hoje temos quase que um conselho de competências, em temas importantes para nós. E os conselheiros externos, os grandes puxadores dos temas, lideram os comitês, dos quais eu faço parte.
Sobre a cadeia de fornecimento, existe uma meta de rastreabilidade total. Como é esse processo?
A gente busca ter uma relação muito próxima com todos os pontos da cadeia. Fazemos uma avaliação tanto de franqueados quanto de fornecedores. No caso dos fornecedores, avaliamos se a qualidade está entregue, se o prazo está entregue e também o que ele faz a respeito das questões de ESG que combinamos.
Temos times internos de certificação. Quem faz mais pontos tem chance de crescer mais conosco. Não deixamos de comprar, a menos que o fornecedor tenha algo como trabalho escravo na cadeia.
E a questão do rastreio de 100% das matérias-primas consideradas críticas?
Esse é um processo em elaboração. Não é simples. Como vamos fazer? Vamos usar blockchain ou não? Por enquanto estamos tentando garantir que tenhamos certa visibilidade. É um tema sensível. Como certifica a cadeia? Porque todo mundo tem um fornecedor na história e eu certifico meu fornecedor, mas ele tem que certificar o dele. Precisa ter uma cadeia de certificações para garantir que não apareça alguma coisa sem origem. É uma complexidade como atestar isso e estamos mapeando.
Equidade é uma das metas de todos os executivos do grupo e tem evoluído, mas os dados mostram ainda que, quanto mais se sobe na hierarquia da empresa, menor a presença de negros e mulheres. Como está esse trabalho?
Hoje na presença de pessoas de raça negra já temos excelentes indicadores. A meta é ter 50% de negros da empresa toda até o fim deste ano e estamos em 45%. Nos cargos de liderança, a meta é ter 25% e chegamos em 24,8%, bem próximos de atingir.
Queremos ter 30% de mulheres em cargos de liderança e 50% na diretoria até 2025. Chegamos a 38% na diretoria e estamos a caminho de atingir os dois objetivos.
É fácil? Não. Porque não é só gerar oportunidade, é preciso garantir que as pessoas estejam com as competências corretas para ocupar as posições. Então, a gente investe bastante. A gente trabalha muito na entrada e na formação para atingir o objetivo.
O grupo já foi muito cortejado por bancos para abrir o capital. Vocês continuam vendo mais vantagens em ter o capital fechado?
Não tem certo ou errado. Tem o que você quer fazer. No nosso caso, tem gente querendo investir aqui há 25 anos.
Para abrirmos o capital tem que ter um propósito maior, uma coisa estratégica muito relevante. Falar em diversificar os ovos não mexe com a gente. Somos pessoas de hábitos de vida bastante tranquilos. Não precisamos abrir capital para gerar liquidez ou fazer sucessão. Já fiz uma sucessão com o Miguel [Krigsner, fundador do Boticário e cunhado de Grynbaum] e agora fizemos outra [o atual CEO Fernando Modé sucedeu Grynbaum em 2021].
O mercado de capitais me oferece instrumentos importantes para financiar algumas coisas diferenciadas. Sem um propósito maior, a vida está ótima como está.
Fonte: Capital Reset