CEO planeja manter lojas maiores em menos empreendimentos e diz que setor precisa revisar modelo de negócios
Por Adriana Mattos
Roberto Jatahy, CEO da Soma: “Do jeito que está, não vai funcionar para ninguém, nem para o lojista, nem para o shopping”
O Grupo Soma, dono de dez marcas como Animale, Farm, Cris Barros e Maria Filó, trabalha em algumas frentes com efeito já no curto prazo, para mitigar reflexos da piora do ambiente econômico. A empresa está em negociação para rever acordos de locação de lojas, avalia sair de shoppings mais “marginais” e estuda a aquisição de uma marca com produtos de preços inferiores à média da empresa.
A varejista questiona a estratégia de manter operação em empreendimentos não estratégicos e com alto custo por metro quadrado – mais de 80% das suas 270 lojas estão em shoppings – e critica o posicionamento de algumas empresas da área.
“Nosso plano era abrir 60 lojas em 2021 mas estamos segurando um pouco isso, para revisar antes onde iremos permanecer. Quem entrar hoje num shopping vai pagar pelo metro quadrado menos do que quem já está, por toda essa situação atual. Dá vontade de fechar [a loja] e abrir de novo. Então, estamos em processo de negociação de um pacote maior de locações. Por isso tiramos o pé do acelerador até acertar isso”, disse o diretor presidente Roberto Jatahy, sem citar nomes de shoppings. A empresa tem lojas em grupos como Aliansce Sonae, BR Malls, Iguatemi, Multiplan e Ancar.
Jatahy diz que “não acredita mais em shoppings marginais” e deve manter lojas maiores em menos empreendimentos. “Do jeito que está, não vai funcionar para ninguém, nem para o lojista, nem para o shopping. É preciso pensar numa revisão desse modelo. Hoje, a cliente recebe o produto em casa, seleciona o que quer e devolve. A forma de atender mudou muito.”
Ele questiona a operação de “marketplace” (shopping virtual) dos grupos, uma das iniciativas dos empreendimentos para adaptarem seus formatos ao avanço do comércio eletrônico. “Não acho que a pessoa entra no marketplace do shopping para comprar lá. Ele entra direto no site da Farm, por exemplo. Vão ter que gastar muito dinheiro nisso. Para nós, o marketplace dos shoppings é muito pequenininho”.
Paralelamente à revisão do mix de lojas, a companhia avança na prospecção de ativos para aquisições. Foram duas marcas, NV, de moda feminina, e Lauf, com foco no “fitness” em seis meses. “Nas nossas buscas, consideramos [comprar] uma operação maior do que a NV e Lauf com um ‘price point’ mais baixo. Queremos ter um portfólio mais diverso, um espectro mais amplo, para a gente se preparar para qualquer cenário”. Com a crise, aumentou a busca dos clientes por roupas confortáveis com preços mais competitivos.
Jatahy menciona ainda o “efeito Zara” na decisão da empresa de buscar ativos com esse perfil. “Com a Zara saindo de mercados no interior do país, vemos um espaço que vem sendo deixado por ela.”
Uma segunda transação ainda no curto prazo deve envolver outra marca esportiva, maior que a Lauf, que foi comprada em março por meio do braço de investimentos Soma Ventures. No portfólio de marcas que a Soma vê como interessantes, citado a investidores nos “roadshows”, há entre 30 a 40 nomes, segundo fontes que estiveram nessas reuniões.
Compras de marcas são parte central do plano de crescimento apresentado ao mercado antes da oferta pública inicial do grupo (IPO, da sigla em inglês), em julho de 2020, quando a empresa levantou R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 600 milhões voltados para aquisições.
Na avaliação da equipe de análise do BTG, a “sacada” na Soma, é que, a cada compra, a empresa mantém a independência da marca adquirida, com ganhos de sinergias provenientes da escala do grupo e da integração com seu “back-office”, de sistemas e processos, além dos ganhos de incentivos fiscais com as compras. No passado recente, grandes grupos de moda se formaram por meio de aquisições, mas alguns sem sucesso.
“O que aconteceu com outras redes que tiveram problemas é que elas colocaram pessoas que não conheciam o setor para liderar as companhias. Na Soma, o Roberto e a irmã Cláudia entendem o funcionamento de toda essa estrutura”, diz um gestor carioca. Roberto e Claudia fundaram a Animale em 1991, base das aquisições e da formação da Soma.
Na operação internacional, a Soma, com vendas nos EUA e Europa da marca Farm, vê espaço para início da venda de coleções da Cris Barros. Mas isso ainda está sob análise. Jatahy diz que o braço internacional se sustenta com a sua própria geração de caixa, o que acaba sendo um “teto” para seu crescimento agora, mas torna a expansão mais sustentável.
“É algo intencional, não queremos ficar mandando dinheiro para fora”, disse. Para o negócio no exterior, a Soma projeta lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda, na sigla em inglês) de R$ 25 milhões em 2021 e de R$ 40 milhões a R$ 60 milhões em 2022. O grupo compra os itens de fábricas no Oriente e estoca em dois centros de distribuição próprios na Europa e EUA. Boa parte das vendas são on-line.
No grupo como um todo, o Ebitda foi de R$ 10 milhões em 2020, mas o valor não serve como base para comparação, considerado o efeito da crise com a pandemia, que teve impacto na queda de 95% do Ebitda sobre 2019 (R$ 215 milhões). A receita bruta da Soma recuou 5,3% no ano passado, para quase R$ 1,5 bilhão e o prejuízo atingiu R$ 69,7 milhões, versus lucro de R$ 126,8 milhões.
Relatórios de analistas reforçam que a piora dos indicadores não afetou os fundamentos do negócio, como um balanço patrimonial mais forte, mas mencionam aspectos ligados à estratégia. Desde o IPO, em julho, a ação subiu 41% – o Ibovespa teve alta de 12%. “Do lado do risco, não podemos negligenciar a hipótese de saturação do mercado para algumas marcas do grupo [o banco vê um ‘teto’ maior para Animale], a dependência do crescimento das fusões e o risco de seus atuais incentivos fiscais”, diz o analista do BTG, Luiz Guanais. “Em 2019, o benefício representava 8% da receita bruta e 61% do Ebitda”, escreveu em relatório.
No digital, a companhia quer tornar a venda on-line responsável por mais da metade do faturamento total entre 2024 e 2025. Em 2020, a receita do comércio eletrônico foi de R$ 666 milhões, alta de 158% – em parte reflexo da migração da venda em lojas, que caiu com a pandemia. A venda on-line chegou a 70% com a crise sanitária em 2020. Para o orçamento de 2021, deve ficar por volta de 39%. Em 2019, foi 22%.
O empresário entende que a crise atual deve tornar o segundo trimestre mais complicado para o segmento de moda, mas mesmo sob maior pressão, a companhia não abrirá mão de rentabilidade para melhorar as vendas. “Podemos sacrificar receita, apesar de não esperar que seja nada relevante. Não temos necessidade de sair ‘promocionando’ para fazer venda. Esse cenário ficou em 2020.”
Segundo Jatahy, a empresa viveu um cenário oposto do resto do mercado no fim de 2020, já afetado pela piora do ambiente econômico. Mas a desaceleração acabou atingindo o negócio depois. “Novembro veio bem, mas nos últimos dez dias de dezembro, o mercado viu um desaquecimento. Nós só fomos sentir isso em janeiro, mas ainda tinhamos um desempenho melhor que antes da covid. Só que depois da segunda quinzena de fevereiro, com toda a questão dos lockdowns, o fluxo de clientes caiu”.
Para Jatahy, a diferença em relação ao ano passado é que em 2020 havia o efeito da queda mais brutal na demanda. “Existia estoque acumulado [no segundo trimestre] e houve muita promoção no setor, mas todo mundo se ajustou. Não há razão para manter isso. E nosso posicionamento de marca é outro”. Com tíquete médio de cerca de R$ 110 a R$ 1,2 mil a depender da marca, calcula o BTG, a Soma tem foco no público A e B.
Após junho ou julho, o empresário vê uma perspectiva mais positiva, considerando uma aceleração no ritmo de vacinação, mas o quadro atual ainda pode afetar o equilíbrio da cadeia. Em 2020, o mercado parou com os fechamentos, as fábricas demoraram a retomar, e quando voltaram a produzir, houve um descompasso.
Quando elas foram normalizando a fabricação, houve novo desequilíbrio, porque havia produto, mas a demanda era fraca. “No primeiro trimestre deste ano já sentimos uma demanda menor e com oferta [de produto] maior, o que leva ao desequilíbrio. Pode vir outra freada no quarto trimestre se tivermos uma demanda já se recuperando, e a produção não acompanhar.”
Fonte: Valor Econômico