Faturamento global do setor deve encolher entre 27% e 30% neste ano, calcula a McKinsey
O fim gradual do confinamento na Europa e nos Estados Unidos está proporcionando o tão necessário respiro para os varejistas de moda. No entanto, em todo o setor, das lojas de descontos às marcas mais luxuosas, o impacto da covid-19 tem sido severo, vergando um mercado que depende das cadeias globais de fornecimento, níveis saudáveis de gastos arbitrários, do turismo e das lojas físicas.
Em Nova York, Diane von Furstenberg percebeu que a pandemia tinha potencial para ameaçar de extinção a marca que leva seu nome. Quase todas as suas lojas estavam fechadas e varejistas estavam cancelando pedidos dos coloridos vestidos transpassados que fizeram da estilista americana um nome conhecido.
Com estoque parado e uma crise no fluxo de caixa, Diane von Furstenberg decidiu demitir maior parte de seus funcionários e fechar todas as lojas operadas diretamente, com exceção de uma no Meatpacking District de Nova York. Em sua nova encarnação, a DFV provavelmente continuará vendendo pela internet e permanecerá na China por meio de um acordo de franquia que inclui mais de 30 lojas.
O coronavírus “me forçou a reposicionar um modelo de negócios que não é mais relevante”, diz von Furstenberg. “Por mais difícil que seja, é também um começo.”
A consultoria McKinsey prevê que a indústria global da moda (roupas e calçados), que movimenta US$ 2,5 trilhões, vai encolher entre 27% e 30% em 2020, enquanto o setor de artigos de luxo – incluindo moda, acessórios, relógios, joias e produtos de beleza – será ainda mais duramente atingido, com as vendas caindo entre 35% e 39%. “Os varejistas multimarcas endividados e as marcas independentes ruins de caixa”, são as mais ameaçadas, afirma a consultoria. Decorridas poucas semanas na paralisação causada pela covid-19
Além da queda da demanda, o setor tenta desesperadamente se adaptar à maneira como a pandemia mudou as preferências do consumidor em direção ao “menos é mais”. Como muitas pessoas se viram trabalhando de casa, a demanda mudou para roupas para a prática de yoga e calçados para recreação, como os tênis de corrida e Birkenstocks. Mas será que o visual casual vai se manter quando as conferências pelo Zoom cederem espaço para os almoços de trabalho?
Em nenhum lugar a pandemia foi tão nociva quanto para as grandes marcas do Reino Unido, muitas das quais há anos se encontram a beira de uma crise de insolvência. Desde que o governo britânico fechou o comércio considerado não essencial na metade de março, mais de uma dezena de redes entraram em regime de recuperação judicial, como a Debenhams, Oasi, a controladora da Warehouse (Aurora Fashions), Laura Ashley, Cath Kidston, Monsoon (dona da Accessorize) e Quis.
Nos EUA, ao longo dos últimos quatro meses, as lojas de departamentos Neiman Marcus e JC Penney pediram proteção contra os credores. Empresas como PVH Corp, controladora da marca Tommy Hilfiger, e a Gap registraram prejuízos operacionais de mais de US$ 1 bilhão cada no primeiro trimestre.
As mesmas dificuldades têm sido vistas no mundo todo. Este mês a Inditex, controladora da Zara, anunciou que vai fechar até 1,2 mil pontos de venda, embora o conglomerado espanhol também tenha registrado um crescimento de 50% nas vendas on-line no primeiro trimestre. A companhia acredita que a internet responderá por mais de um quarto das vendas totais até 2022, comparado a 14% no fim de 2019.
Para os fornecedores de fast-fashion pela internet, como a britânica Boohoo, a crise vem apresentando uma rara oportunidade. Em maio a companhia captou 200 milhões de libras para comprar ativos de empresas em dificuldades, adquirindo a Oasis e a Warehouse por 5,25 milhões de libras, além dos 34% da Pretty Little Thing que ainda não controlava.
Com as novas marcas em seu balanço, espera um crescimento das vendas de 25% no ano atual ano fiscal. Entretanto, alguns varejistas on-line passaram um mau bocado durante o “lockdown”. Os negócios da Net-a-Porter sofreram um duro golpe depois que a companhia decidiu fechar seus centros de distribuição nos EUA e no Reino Unido por cerca de um mês para proteger os funcionários.
Outras têm sido lentas ou incapazes de transferir novos produtos para seus sites na internet, enquanto os altos custos de logística impõem uma pressão adicional sobre negócios que já não são lucrativos.
A Mytheresa, de Munique, uma varejista on-line de artigos de luxo, foi uma das poucas capazes de manter as operações em funcionamento durante o “lockdown”. Embora as vendas continuem fracas, a empresa vem registrando uma “forte recuperação” na Coreia do Sul, China e Taiwan, segundo o presidente executivo Michael Kliger.
Uma das poucas áreas do setor a prosperar tem sido a de sites de revenda, uma vez que os consumidores estão procurando meios mais baratos suprir sua necessidade de moda.
Desde abril, o aplicativo de artigos de segunda mão Depop registra um “crescimento de três dígitos ano sobre ano”, com seu uso tendo crescido 150% no mundo. Para o concorrente americano Poshmark, a terceira semana de abril foi a de maiores vendas de todos os tempos.
O problema imediato com os “lockdowns” foi ainda mais pronunciado para as marcas de luxo, uma vez que elas dependem das lojas físicas para até 95% de suas vendas, segundo analistas.
A pandemia não só teve um custo psicológico sobre os consumidores de artigos de luxo, que tendem a esbanjar quando a economia está saudável, como também acabou com as viagens internacionais, que são a chave do crescimento do setor.
As maiores companhias estão melhor posicionadas para suportar o que algumas temem poderá ser um período prolongado de demanda reprimida. LVMH, Kering, Chane l e Hermès têm balanços sólidos. Mas isso poderá ser mais difícil para as marcas mais jovens e independentes que não possuem suas próprias redes de lojas, e aquelas envolvidas em processos de recuperação, como a Salvatore Ferragamo e a Burberry, especialmente se elas estiverem endividadas.
Os grandes conglomerados, já substancialmente maiores desde a última recessão, ficarão ainda maiores à medida que forem aumentando suas participações de mercado e seus portfólios. Os analistas acreditam que a atividade de fusões e aquisições no setor de artigos de luxo permanecerá relativamente calma no curto prazo, mas o mercado deverá ser “inundado” por empresas com problemas financeiros no segundo semestre, segundo afirma Mario Ortelli, sócio-gerente da Ortelli & Co, uma consultoria de fusões e aquisições.
Erwan Rambourg, diretor de análises de consumo e varejo do HSBC, prevê que o declínio das vendas atinja o fundo do poço no segundo trimestre e uma recuperação firme ocorra no segundo semestre do ano.
Brunello Cucinelli, fundador da marca de artigos de cashmere de luxo que leva seu nome, acredita que a recuperação virá muito mais cedo para a companhia listada na Bolsa de Valores de Milão. A empresa evitou demissões até agora e já está vendo uma demanda renovada na China.
“Éramos 2 mil pessoas antes do lockdown e somos 2 mil pessoas hoje”, diz ele.. Embora o segundo trimestre tenha sido “doloroso”, ele espera um segundo semestre positivo.
Mesmo depois dos confinamentos forçados pela pandemia, as marcas de luxo continuam avessas a entrar rapidamente no comércio eletrônico por temerem um desgaste da experiência de exclusividade.
Embora algumas marcas como Louis Vuitton e Gucci estejam mais ativas on-line do que no passado, ainda há grandes marcas relutantes como a Chanel. A casa de moda de capital fechado francesa não cederá em sua estratégia de proibir a venda pela internet de tudo que não seja perfume e cosmético.
“Não pretendemos vender moda, relógios e joias pela internet”, afirmou o diretor financeiro da Chanel, Philippe Blondiaux. “Continuamos convencidos de que as relações pessoais entre o consultor de moda e o cliente continuarão sendo a parte central da experiência com os artigos de luxo.”
A China, que já é o mercado de artigos de luxo que mais cresce, se tornará ainda mais vital para o sucesso da marca. Isso terá um impacto sobre as redes de lojas – que vão crescer na medida em que os consumidores chineses passarem a fazer mais compras em seu país – e no design.
Alguns críticos preveem o retorno do minimalismo e de um luxo mais discreto, mas outros afirmam que essas tendências não repercutirão na China. “Acho engraçado quando alguém me diz que as logomarcas estão mortas”, diz Rambourg do HSBC. “Isso é um comentário muito ocidental. É muito bom se expressar [estilisticamente] na China, ter produtos de marca que sejam luminosos, intensos e alegres.”
O estilista britânico Paul Smith, cuja companhia faz 50 anos em 2020, não está preocupado com o cenário descrito pelos analistas. Ele, que manteve a loja de Nottingham aberta durante a greve dos mineradores na década de 70, quando não havia eletricidade em mais de metade da semana, reabriu quatro de suas cinco lojas na França. “Sempre haverá demanda para um terno bem-feito. Muita gente que gosta de roupas vai querer se vestir novamente”, diz.
Fonte: Valor Econômico