Unesco tenta atrair o setor privado para preservar o ambiente
Por Pedro Diniz
Não é possível precisar quanto de lixo a indústria da moda despeja nos oceanos. Meio milhão de toneladas de micro plástico por dia, ou um milhão, ou ainda 35% de todo o resíduo jogado nas águas. Os dados diferem de uma entidade para a outra, mas o que parece certo agora é que falar sobre o oceano estará mais na moda.
No ano passado, o grupo Prada patrocinou, em parceria com a Comissão Oceanográfica Intergovernamental, vinculada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), um concurso mundial para que jovens criassem projetos de moda com foco na conservação dos oceanos. Neste ano, a relojoaria italiana Panerai anunciou que estará ao lado da Unesco patrocinando ações em mais de 100 universidades, além de incluir seus altos executivos em discussões sobre o tema.
A água passou a ser o foco da indústria na esteira da Década do Oceano, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) que pretende mobilizar, até 2030, agentes públicos e privados em projetos de educação e conservação dos oceanos.
A ideia é reunir o setor de luxo e discutir sobre como a moda pode ajudar na preservação das matas e da vida marinha e que o debate não se resuma à criação de mais produtos, sejam os que têm compostos reciclados, como aqueles feitos de fibras de PET para viraram de roupas a pulseiras de relógios, sejam os de matéria-prima virgem com controle de origem.
Uma corrida se desenrola nos bastidores da relojoaria suíça para abraçar essas causas. E há um motivo para isso. O setor é reconhecido por não abrir informações sobre suas práticas de ESG e, em meio à escalada de emergência climática, tateia formas de mostrar comprometimento.
A IWC Schaffhausen, outra gigante da relojoaria de alto luxo, aproveitou a divulgação de seu relatório de práticas sustentáveis, nesta terça-feira, para anunciar a modelo brasileira Gisele Bündchen como sua conselheira de projetos ambientais e comunitários.
A aproximação da indústria do luxo da área da Unesco responsável por monitorar a preservação das águas é recente e vem sendo discutido com empresas nos últimos três anos. Os valores investidos são elásticos porque dependem das demandas da entidade e da duração das parcerias.
A coordenadora de cultura oceânica da entidade, Francesa Santoro, está à frente das conversas com as grifes e aponta que esses acordos são definitivos para que a agenda de dez anos se cumpra, porque “embora seja o maior ecossistema do mundo, o oceano é um dos menos financiados”.
“Ele é muito caro. Só para dar um número, um dia em um navio de pesquisa pode custar US$ 50 mil, então, nem todos os países podem pagar. Nosso papel também é reunir diferentes países e organizações para que isso aconteça”, diz Santoro.
O que ocorre, explica, é que as empresas de luxo deixaram para trás a ideia de que “investir na sustentabilidade seria um equívoco, que prejudicaria receitas no longo prazo. É o contrário, para elas serem lucrativas, têm de ser [sustentáveis], não há escolha. Principalmente porque as gerações mais jovens demandam e não dá para enganá-las, elas têm acesso à informação e estão nas mídias sociais”.
O desafio não é apenas para marcas. Santoro trabalha para que uma nova geração de cientistas e comunidades de países em desenvolvimento sejam impactadas e mudem a própria ciência oceânica que por muito tempo se encastelou em laboratórios. “Nós, cientistas, precisamos ser mais autoconscientes. Estivemos fechados em nosso próprio mundo e, agora, também temos de nos abrir. Sustentabilidade não é apenas uma questão ambiental, é uma questão econômica e social. O maior desafio é que tudo está interconectado, então, você não pode lidar com os problemas se olhar apenas por um ângulo.”
Nesse sentido, ela alerta que o “greenwashig” – termo usado para definir ações supostamente responsáveis, mas que, no final, se revelam apenas estratégia de “marketing verde”- ainda é uma sombra que afasta as pessoas do tema.
“Há um risco enorme nesse momento de lidarmos com mais ‘greenwashing’, porque está na moda falar de sustentabilidade e muitas vezes as companhias nem sabem o que ela significa. Do outro lado, ainda há o problema de ONGs que se vendem como anjos e se aproveitam desse movimento de marcas que querem investir em pequenos projetos para mostrar às pessoas que fazem alguma coisa quando, na verdade, só querem elevar o fluxo de caixa”, diz.
A saída para o consumidor, segundo ela, seria sempre desconfiar. “Se uma empresa aparece de uma hora para outra vendendo ser sustentável, desconfie. Os processos de produção não são fáceis de mudar. É impossível que, da noite para o dia, uma marca pare de poluir o meio ambiente e passe a se dizer amiga dele. Mudar requer tempo, dinheiro e vontade.”
Fonte: Valor Econômico