A pandemia do coronavírus intensificou a digitalização de produtos e serviços financeiros nas redes de varejo. Na prática, muitas já atuam, ou trabalham para poder atuar em breve, como se fossem bancos digitais.
Renner, Marisa, Riachuelo, e também Casas Bahia e Ponto Frio, da Via Varejo, são algumas das redes envolvidas nessa transformação financeira.
Além de uma maior demanda por parcerias com fintechs (instituições que usam tecnologia para oferecer serviços financeiros), um número crescente de lojistas busca autorização do BC (Banco Central) para atuar no sistema financeiro como bancos e para ampliar o portfólio na área.
A lista de produtos oferecidos já inclui desde os cartões de marca própria e co-branded (feitos em parceria com bandeiras ou emissores) até a venda de seguros e pequenos empréstimos —este último oferecido como forma de saque nas lojas físicas e pagamento por meio de carnê.
O setor já vinha ampliando a atuação na área financeira, mas acelerou o processo diante do crescente uso de canais digitais na pandemia.
“E eu acredito que muitas mudanças regulatórias ainda estão por vir. Precisamos nos posicionar e trabalhamos exatamente para isso. Estamos em uma fase de atualização e de alavancagem de todos os produtos atuais. Caminhando para uma atuação de banco digital”, afirma o diretor administrativo, financeiro e de relação com investidores das Lojas Renner, Laurence Gomes.
Dentre as novidades citadas pelo executivo, ele vê como uma boa oportunidade a integração do setor ao PIX, o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central a ser lançado em novembro deste ano.
Segundo o diretor financeiro da Marisa, Adalberto Santos, parte do avanço da área financeira do varejo também se reflete no alcance do setor, que ocupa um espaço que os bancos não conseguiram alcançar, principalmente entre os desbancarizados.
“Foi para esse público que a prestação de serviços financeiros dentro da loja foi mais relevante. [O varejo] tem uma plataforma mais friendly [amigável] para os consumidores de renda mais baixa e com operações que funcionam de sábado, domingo e durante a noite”, afirma Santos.
“É comum o consumidor ir até uma loja para fazer um saque, por exemplo, ou tomar um empréstimo de pequeno tíquete, e sai com o dinheiro na hora. Também incorporamos produtos de previdência e capitalização. É quase como uma loja de conveniência para o consumidor”, disse Santos.
Parcerias com fintechs têm contribuído na implementação de sistemas e processos que possam transformar lojas em instituições financeiras autorizadas a atuar pelo Banco Central.
Segundo Gustavo Gawryszewski, gerente de produtos da fintech Zoop, a busca por soluções financeiras no varejo cresce conforme a necessidade da empresa em apresentar um diferencial para o seu cliente.
“Grande parte do avanço no segmento financeiro parte do princípio de que os varejistas conseguem aprender muito sobre o comportamento de consumo de seus clientes e oferecer os produtos certos”, disse.
O movimento mais recente foi a autorização que o Carrefour recebeu do BC para atuar como banco múltiplo, em 26 de junho. Em maio, a Via Varejo –controladora das varejistas Casas Bahia e Ponto Frio– também concluiu a aquisição do banQi, plataforma de contas digitais.
Segundo o diretor de serviços financeiros da Via Varejo, André Calabro, parte da evolução desses canais também vem da adaptação dos produtos e serviços ao atual momento e à oferta adaptada aos clientes que não tem acesso a cartão de crédito ou conta corrente.
“O desafio —e a estratégia— é fazer com que a jornada flua por qualquer canal. O mercado financeiro já está no processo de digitalização, e o varejo tem dado passos largos nesse caminho também. É o que estamos desenvolvendo com o banQi para trazer uma jornada digital de crédito e gestão financeira da melhor forma possível”, afirmou.
Para especialistas, a expectativa é que a oferta de produtos e serviços financeiros ganhe cada vez mais participação nas receitas do setor.
“O varejo tem buscado integralizar os diferentes serviços em uma única plataforma e acabam fazendo o serviço de um banco na própria loja. O serviço financeiro é bastante rentável e, por mais que o negócio ainda seja limitado à base de clientes, é um negócio com potencial relevante”, afirmou o analista da Guide Corretora Henrique Esteter.
Fonte: Folha de S. Paulo