Por Adriana Mattos | As grandes farmácias no país parecem um negócio fora do atual cenário do comércio brasileiro. Neste ano, as 29 empresas associadas à Abrafarma, a principal organização do setor, projetam ultrapassar os R$ 100 bilhões em vendas brutas. Em cinco anos, as varejistas terão quase dobrado de tamanho, num ritmo de expansão superior, inclusive, ao atacado alimentar, segmento que cresce ancorado no preço baixo em tempos de crise.
Essas companhias representaram cerca de 45% do bolo total de faturamento das farmácias em 2023, e neste ano, a taxa foi a 46,5%, uma expansão em cima das drogarias de bairro, controladas por famílias, com baixa escala, mais alavancadas e menor acesso à capital e linhas de crédito.
No ano passado, o varejo farmacêutico movimentou R$ 199 bilhões no país, pelos dados da IQVIA, consultoria e empresa de dados de saúde, incluindo lojas de todos os portes, e associadas da Abrafarma venderam R$ 90 bilhões.
“Estimamos que, crescendo como estamos, em uns três anos iremos representar mais de 50% do faturamento total do país”, diz Sergio Mena Barreto, presidente da Abrafarma. Não parece ser uma concentração desprezível, já que as 29 cadeias associadas são donas de 10,3 mil pontos, de um total de 92 mil drogarias espalhadas no país. As 29 redes cobrem 70% da população urbana brasileira.
Apesar disso, o setor diz que há uma acirrada disputa por mercado entre as próprias redes líderes, especialmente nos mercados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, e também entre as líderes e as médias que operam por meio de associativismo (por exemplo, compram de forma conjunta para ter preços melhores).
Os negócios menores, com uma ou duas lojas, são quase 56% do total de pontos no Brasil, mas apenas 16% do volume vendido.
Dados que devem ser divulgados hoje – quando começa o evento anual do setor, em São Paulo – mostram que, de janeiro a junho, as redes de drogarias ligadas à associação se expandiram 14,2% em termos nominais sobre 2023, para R$ 49,6 bilhões. E neste ano, o reajuste de preços de medicamentos atingiu até 4,5%, autorizado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
A estimativa da associação para 2024 é que as cadeias fechem o período com expansão nesta faixa de 14%, em cima já de uma aceleração de 12,7% em 2023. Se isso acontecer, equivalerá a um ganho real (descontada a inflação) entre 9,5% a 10%. É a maior alta real desde, pelo menos 2019, pelos cálculos do Valor a partir daquele ano.
A Raia Drogasil avançou mais – 15,4% de janeiro a junho -, a paranaense Nissei, com 430 lojas, cresceu 14,5% e a Pague Menos, a maior do Nordeste, cresceu menos, 10%
Há aspectos estruturais e outros relacionados com o cenário atual do setor, que explicam esse movimento. O fato de o Brasil estar envelhecendo de forma mais acelerada na última década pesa diretamente nesse desempenho. Segundo o índice de envelhecimento da população, há 55 pessoas com 65 anos ou mais para cada 100 crianças de 0 a 14 anos. Esse número era de 30 a cada 100 em 2010, segundo o IBGE
Além disso, como o país ainda tem um atendimento básico à saúde precário, milhares de consumidores de certas regiões transformaram os pontos com atendimento de farmacêuticos no único acesso a algum serviço na área, dizem consultores da área. Isso, mesmo com as limitações legais, que farmacêuticos e atendentes têm que seguir – é vedada a indicação de medicamento nas lojas.
Neste momento, ainda há aspectos estratégicos que explicam a boa fase hoje, diz Ana Paula Tozzi, presidente da AGR Consultoria. “O segmento é notável pela resiliência. Por vender itens essenciais, ele ‘rouba’ a receita de outros setores em tempos de crise. Mas somado a isso, de alguns anos para cá, é impressionante a quantidade de novos produtos vendidos, focados em bem-estar, e a carteira de serviços ofertados nas lojas”, diz.
Desde agosto de 2023, as empresas estão autorizadas pela Anvisa, órgão regulador da área, a comercializar exames clínicos nas lojas, e o serviço de vacinação existe em São Paulo, por exemplo, desde 2018, mas ganhou tração no país mesmo após a pandemia. “Isso ainda nem está perto do potencial de geração de receita que pode existir dentro das varejistas”, diz Barreto.
Sobre os exames, a lista inclui desde aqueles simples (sangue, dengue), aos complexos, como de DNA, já oferecidos por cadeias como Panvel, Raia e Drogaria São Paulo. Ainda há um trabalho forte que tem sido feito para atrair o cliente que compra medicamentos de uso contínuo, perfil de comprador disputado pelas redes de forma acirrada.
Nessa conta do setor, também há o impacto do avanço do digital, que antes da covid vendia R$ 1 bilhão ao ano e hoje alcança R$ 12 bilhões. Esse movimento ocorreu de forma mais acelerada nas redes de maior porte, com capital para bancar a disputa de preços e as margens mais baixas no on-line nos primeiros anos de atuação.
Relatório da IQVIA mostra que, no início deste ano, o investimento das redes em promoções no Brasil já voltou ao nível verificado antes da pandemia, e no país isso ocorreu mais rapidamente do que na Colômbia e no México, por exemplo.
Ao mesmo tempo, nesse ambiente de forte disputa, cadeias com marcas populares perderam força ou entrarem em grave crise – Poupa Farma e a rede Santa Marta pediram recuperação judicial (leia matéria ao lado).
Barreto diz que as grandes cadeias não vivem “numa ilha” frente ao cenário vivido pelo varejo brasileiro após 2021, com a alta dos juros e a elevação do endividamento das famílias, que afetou renda e vendas.
Ele cita, por exemplo, que há na agenda do segmento discussões que precisam avançar, como a necessidade de melhorar eficiência para as cadeias conseguirem não só faturar, mas gerar mais resultados. Nesse debate, diz ele, está a necessidade de implementar o projeto de bula digital, que reduz custos da indústria, e é apoiado pelo varejo.
O tema foi aprovado em forma de projeto piloto pela Anvisa, após dura discussão com o setor de gráficas, que imprimem as bulas, segundo fontes. O assunto será debatido no evento “Abrafarma Future Trends”, que ocorre entre hoje e amanhã na capital paulista, assim será discutida a necessidade de enfrentar desafios centrais relacionados com problemas de rupturas de produtos nas lojas e no on-line, que elevam perdas.
Fonte: Valor Econômico