Por Emma Jacobs | Naquela época, minhas roupas eram destinadas ao escritório (vestido elegante, saia justa), à vontade em casa (jeans) ou para drinques no sábado à noite (um top de seda, talvez). Vestir a mesma blusa floral em uma reunião de trabalho e no fim de semana parecia errado, como se eu estivesse manchando minha personalidade profissional ou manchando as horas de descanso com trabalho. Então aconteceram as restrições da Covid e eu simplesmente cedi à Grande Esculhambação.
Quando o mundo se abriu de novo, achei que as divisões do guarda-roupa voltariam, talvez até reforçadas. Para alguns, elas voltaram. Polly McMaster, diretora executiva e cofundadora da marca feminina de roupas para o trabalho The Fold, diz que muitas de suas clientes em atividades profissionais estão comprando ternos e vestidos elegantes.
“Vimos um forte aumento na alfaiataria e em cores ousadas, [assim como] vestidos justos”. A vestimenta reforça sua identidade profissional –”Faz parte de sua apresentação”, diz ela. Outras funcionárias de escritório me contam sobre sua alegria ao voltar do trabalho, tirar os terninhos e trocar de roupa para relaxar em suas calças de moletom.
No entanto, para mim, a indefinição continuou. Eu reservo um blazer ou calça elegante para eventos formais, entrevistas ou reuniões, mas minhas roupas de fim de semana são cada vez mais intercambiáveis com as de trabalho. Uso tênis Nike branco de cano alto para ir ao escritório e uma blusa floral BA&SH elegante para um café com amigas. Isso foi auxiliado pela relativa informalidade da redação do Financial Times. Ninguém espera altos padrões de vestuário de uma jornalista (peço desculpas às colegas chiques que posso ter ofendido).
A maior casualização do vestuário de escritório também exerce um papel. “Desde a década de 1970, houve um movimento constante para permitir uma expressão mais pessoal na vestimenta”, diz Richard Ford, professor da Escola de Direito de Stanford e autor de “Dress Codes: How the Laws of Fashion Made History” (Códigos de vestimenta: como as leis da moda fizeram história). “No começo, era uma coisa da contracultura, mas hoje é uma parte estabelecida da atitude corporativa. A crescente influência da indústria tecnológica fez que outras seguissem seu código de vestimenta.”
No entanto, essa confusão de códigos de vestimenta me irrita, como o último sinal de que a distinção entre os dois mundos – trabalho e privado– desmoronou. O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, previu isso há mais de uma década, quando defendeu “uma única identidade”: “Os dias em que você tem uma imagem diferente para seus amigos ou colegas de trabalho e para as outras pessoas que você conhece provavelmente vão terminar muito depressa”, disse ele a David Kirkpatrick em uma entrevista para o livro de Kirkpatrick, “The Facebook Effect” (O efeito Facebook), de 2010. Tinha chegado a isso? O fundador da Meta havia se tornado meu guru de estilo. Será que eu precisava recuperar alguns limites no vestuário?
Alguns especialistas do setor não se convencem do meu desejo nostálgico por um guarda-roupa bifurcado. Amy Smilovic, fundadora e diretora criativa da Tibi, fica horrorizada. “Isso incentiva gastos excessivos, superlotação e excesso de bagagem”, diz ela pelo Zoom. “Esse conceito de ter armários diferentes para necessidades diferentes é uma necessidade inventada pelo marketing. Grande parte disso é [para] fazer as pessoas gastarem.”
A maioria das peças de roupa é adaptável, ela afirma: um blazer pode ser usado com meia-calça para ir à academia; não há necessidade de um moletom especial. As camisas devem ser usadas tanto no fim de semana quanto no trabalho, mas em combinações diferentes.
Lee Woodruff, escritora e consultora de apresentações, concorda: “Posso entrar numa firma de private equity [vestindo] calça preta e blazer; vou usar Nikes, mas arrasar nas joias”.
Versatilidade é mais importante do que nunca, de acordo com John Lewis, que observou a crescente demanda por roupas, incluindo trenchcoats e sapatilhas da Mary Jane, que podem ser usadas no fim de semana e no escritório. “As coisas estão se fundindo mais”, diz Queralt Ferrer, diretora de moda da loja de departamentos. “As pessoas estão usando jeans com blazer no escritório.”
Meu anseio latente por uma divisão de vestuário é um retrocesso, diz Lynda Gratton, professora de práticas de gestão na London Business School e autora de “Redesigning Work: How to Transform Your Organization and Make Hybrid Work for Everyone” (Recriando o trabalho: como transformar sua empresa e tornar o trabalho híbrido para todos). “Temos vários eus. Cada um poderia ter sua própria roupa”, diz ela. “O principal diferencial não é casa versus escritório, mas voltado para o cliente versus não voltado para o cliente”, diz. Como ela aponta, o escritório é apenas um elemento do trabalho.
Essa perspectiva é apoiada pelo estilista pessoal Henry Wilfrid. Ao atender suas clientes, que trabalham predominantemente em cargos profissionais, ele pede que preencham um gráfico de pizza para determinar a proporção de seus dias gastos em uma mesa, apresentações e reuniões. Normalmente, apenas uma pequena quantidade requer um “look matador”, que pode se resumir a um estilo com joias, uma jaqueta elegante ou um cabelo impecável. “O brilho não é tanto da roupa, mas da aparência e do cuidado”, diz ele.
Um aspecto de que suas clientes relutam em abrir mão é o conforto. “Acostumamo-nos a não calçar sapato de bico fino ou peça de alfaiataria que corta a cintura na hora de sentar”, diz.
Refletindo sobre minha antiga divisão de guarda-roupa entre trabalho e casa, percebo que era um desperdício segmentar e deixar de vestir tantas roupas. Se eu pudesse aprender a me desligar do trabalho no fim de semana –difícil, com um smartphone sempre à mão–, talvez pudesse superar minha rigidez sobre a divisão de vestuário. Só não deixe Zuckerberg saber que ele tinha razão o tempo todo.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
Fonte: Folha de S. Paulo