Por Adriana Mattos |Na nova sede da chinesa Shein no Brasil, no terceiro andar do número 4.285 da avenida Faria Lima, o centro financeiro do país, modelos desfilam peças de roupas vendidas pela empresa em seu site e aplicativo. São pijamas de malha, vestidos jeans e saias de lurex fabricados em algumas das 213 confecções parceiras da plataforma de comércio on-line no Brasil.
Durante a apresentação das peças, feita anteontem (18), foram divulgados “em primeira mão” vídeos que devem ser postados em redes sociais para mostrar “os bastidores de seu processo de produção no Brasil”, diz a narradora. Na mesma sala em que as modelos desfilam, dois manequins ficam posicionados nos cantos — um deles é mais curvilíneo, dentro do padrão do corpo da brasileira, diz Fabiana Magalhães, diretora de produção da Shein, no cargo desde abril de 2022, e ex-executiva da Marisa, Riachuelo e Dafiti.
Há um esforço da chinesa Shein, que desembarcou no Brasil em 2020, de se apresentar como uma plataforma mais brasileira. Na quarta-feira (18), a empresa lançou três novas coleções, com tamanhos até o 58 e que custam de R$ 7 a R$ 200, faixa que concorre com as redes de varejo mais populares.
Não é divulgado o tamanho dessa produção local ou a quantidade de vendedores nacionais no site e aplicativo da empresa.
Mas sabe-se que a maioria da venda da Shein ainda vem de produtos da China, de sua gigantesca e ágil base de fornecedores espalhada naquele país. São mais de seis mil confecções parceiras da empresa por lá — no Brasil, a base atual, montada a partir de 2022, representa 3% disso.
Não é exatamente uma postura nova — marketplaces estrangeiros costumam buscar a imagem de que são ligados a hábitos e raízes locais. A diferença, no caso da Shein, é que esse movimento ganhou força neste ano, quando o governo decidiu isentar do imposto de importação (de 60%) as remessas de até US$ 50. Para ganhar o benefício é preciso aderir ao programa Remessa Conforme e fornecer vários dados à Receita Federal. A empresa chegou a anunciar um plano para produzir no Brasil. E também aderiu ao Remessa Conforme.
Analistas do BTG Pactual, em relatório recente, estimam que a Shein tenha faturado com vendas diretas R$ 7 bilhões em 2022, mais que o dobro da Marisa (R$ 3,2 bilhões em receita bruta com vendas). No ano passado, a Renner teve receita bruta de vendas de R$ 16 bilhões, a Riachuelo, R$ 11 bilhões, e a C&A, R$ 8,2 bilhões.
A isenção tributária tem boas chances de elevar as vendas dos marketplaces estrangeiros no país. Mas esse benefício recebido não significa que tenha havido um “toma lá da cá” com o governo, costuma dizer o comando da Shein. “Não é que houve um ‘você faz isso para mim e eu faço isso para você’. A gente precisava ter as garantias do governo para podermos fazer esse investimento tão grande”, disse em entrevista, em julho, Marcelo Claure, principal executivo da Shein no país, após anunciar R$ 750 milhões em investimentos nos próximos anos (sem período específico).
A empresa também já anunciou na metade do ano que quer chegar, no Brasil, a dois mil acordos com fábricas terceirizadas até 2026 — hoje são 336 acordos já assinados ou em vias de implementação em 12 Estados (já incluindo neste número as 213 parcerias fechadas). Em julho, eram cerca de 160 parceiros.
“Ganha-ganha”
Esse “ganha-ganha” a que a Shein se refere gerou críticas de varejistas nacionais. “A Renner investiu R$ 900 milhões no país no ano passado e a Riachuelo, R$ 600 milhões, sem pedir garantias e o setor recebeu de ‘presente’ uma isenção de impostos para as estrangeiras”, diz um executivo de um site concorrente da Shein. Em tecnologia (ou seja, descontando lojas permanentes e fábricas, algo que a Shein não tem no país), Renner e Riachuelo desembolsaram R$ 460 milhões e R$ 300 milhões em 2022, respectivamente.
“Não funciona bem assim [essa comparação]. Varejistas brasileiras têm créditos fiscais a se apropriar e acordos mais vantajosos com Estados para fazer investimentos em centros de distribuição e lojas, e a Shein não tem isso”, disse uma fonte presente na apresentação da Shein a jornalistas, na quarta-feira (18).
No Brasil, o sistema da Shein se baseia em parcerias. Fabricantes de roupas, principalmente, enviam seus produtos e desenhos de peças para a Shein, que analisa as opções, pode fazer eventuais ajustes, produz os lotes e depois faz as vendas com a sua marca própria, no caso da venda direta.
O pagamento a fornecedores ocorre em cerca de 30 dias, bem abaixo da média de 90 a 120 dias de prazo de pagamento das redes nacionais. “Pagamos mais rápido e isso ajuda a oxigenar o negócio do fabricante, que não precisa esperar meses para receber”, diz a diretora.
Além disso, a empresa ainda opera com sobras de estoques menores, por ter uma coleção mais assertiva, baseada em algoritmos que antecipam tendências, com um menor custo fixo. Magalhães diz que a sobra de estoque não vendida equivale a menos de dois dígitos do total da produção.
A diretora afirma que a Shein está conseguindo atingir metas de vendas com produtos nacionais em itens de malharias e jeans, “já com peças de inverno é mais difícil”, diz. Isso porque o Brasil é pouco competitivo nesse segmento. Essa produção é forte especialmente na Argentina, Uruguai e parte do Paraguai.
Sobre a possibilidade de fechar acordos de fornecimentos nesses países, a Shein não descarta a hipótese, mas afirma que não há negociações no momento.
O Valor noticiou nesta semana que redes locais ampliaram a compra de produtos em países do Mercosul, usufruindo da taxa de imposto zero, como forma de equilibrar o jogo de forças contra os sites estrangeiros. “Eu diria que Mercosul é uma possibilidade, mas não estamos hoje com parceiros em outros países”, disse a diretora. “Eles [fabricantes locais] nos informam que produzem nesses locais, e estamos a par”, desconversa ela.
A ideia de um acordo de fornecimento a partir do Mercosul hoje vai contra toda a estratégia anunciada da Shein de ser um competidor com cara mais nacional, afirma uma consultora de lojistas para marketplaces. “Isso iria contra toda a tese que eles têm da nacionalização conversada junto ao governo Lula. Mas é difícil acreditar que eles já não mapearam todos esses países”, diz a fonte.
Magalhães sinaliza que, apesar dessa questão do Mercosul, o caminho da Shein é outro agora. “Queremos ampliar escala no Brasil, produzir mais, gerar volume maior, reduzindo custos, dentro do nosso modelo de negócio global”, afirma ela.
“Cumprir nosso prazos mais curtos [de entrega] ainda é um desafio junto aos fornecedores. Eles querem trabalhar nos prazos que estão acostumados [com varejistas locais]”, diz a diretora.
Esse é um dos pontos em aberto sobre o formato da empresa: como adaptá-lo ao país, considerando o Custo Brasil, algo que não entra na conta do modelo de produção na China.
Sobre isso, a diretora diz que a empresa vem tendo algumas surpresas. Mesmo áreas do segmento de moda em que o Brasil não é considerado tão competitivo, já deu para identificar espaços para ganhos ao replicar, junto às empresas, conceitos do modelo Shein, que usa tecnologia, algoritmos e produção em tempo real.
O Brasil não é tão forte em camisaria, por exemplo, mas ela acredita que é possível chegar perto do preço chinês em algum momento. Para se ter ideias de valores de produtos nacionais, ontem a Shein expunha em suas araras na sede um pijama de verão de malha vendido por R$ 36, e fabricado por um fornecedor do sul, considerado um “campeão de vendas”.
Relatório de analistas do BTG Pactual mostra que, apesar de a Shein ainda ser mais barata — ou explorar bem essa percepção — as diferenças de preço diminuíram em relação às cadeias locais. Uma mesma lista de compras na Shein é 26% mais barata que a Renner, 22% menor do que na Riachuelo e 17% inferior à C&A. Em abril, quando a mesma pesquisa foi feita, os preços da Shein eram 40% menores que os praticados pela Renner, por exemplo
Fonte: Valor Econômico